O mundo próprio de Eduardo Nunes
O cineasta Eduardo Nunes finalizou seu primeiro longa-metragem, “Sudoeste”, com produção da Superfilmes, e vai mostrar porque decidiu fazer cinema. Natural de Niterói, Nunes tem uma filmografia de cinco curtas experimentais, e já é um realizador com um estilo, uma temática que lhe é própria. Agora, ele investe no longa-metragem utilizando a mesma linguagem de seus curtas Trata-se de um estilo muito próprio, que constrói a partir do uso da câmera e do som um universo absolutamente particular, enfatizado pelos longos planos.
“O que me dá mais prazer em fazer cinema é buscar uma forma própria, minha, de contar uma história. Escolher as imagens, os sons e, aos poucos, ir revelando do que se trata. A manipulação da plateia através da narrativa. O cinema é uma arte muito rica, que ainda está engatinhando. Temos muito a pesquisar e descobrir ainda. Escolhemos uma forma, dentro de umas dez mil possíveis de contar uma ação, e isso é fascinante”, conta Eduardo.
Filho de um arquiteto e de uma professora de piano, Eduardo gostava mesmo era de contar histórias com imagens. Quando criança fazia uns filminhos desenhando em slides e projetava para a irmã. Isso sem contar o apreço pela sala escura, pelo cheiro da sala de cinema. “Eu sempre quis fazer cinema”, diz ele, um apaixonado por Andrei Tarkovski, Ingmar Bergman e Leon Hirszman. “Mas gosto de ver todo o tipo de filme: de Peter Jackson, Woody Allen a Apichatpong Weerasethakul, passando por coisas muito interessantes do cinema brasileiro contemporâneo. Atualmente aprecio muito os filmes do mexicano Carlos Reygadas e do turco Nuri Bilge Ceylan”.
Formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense, Eduardo é integrante de uma geração que germinou nos anos 80 à base de curtas-metragens (Jorge Furtado, Tata Amaral, Joel Pizzini, Cao Hamburger entre muitos outros). E com cinco filmes curiosamente coesos – “Sopro” (codirigido com Flávio Zettel, 1994), “Terral” (1995), “A Infância da Mulher Barbada” (1996), “Tropel” (2000) e “Reminiscência” (2001) –, ele fez do cinema uma investigação pessoal em nome de uma linguagem poética e melódica. A cada curta, um elemento diferente salta aos olhos: a fotografia expressiva de “Terral”, interessada em materializar, dar concretude a certos sentimentos; a narrativa elíptica, a montagem como um batimento de “Tropel”; e a presença do fora de quadro, o ver e o não ver em “Reminiscência”. Em todos eles, o cineasta alimenta uma espécie de mistério, sugere sem ser explícito, e tenta, através de repetições, silêncios, notas altas e baixas, cortes sincopados, fazer da narrativa uma melodia.
Projeto levou dez anos para sair do papel
Eduardo lamenta apenas que a qualidade de seus filmes não tenha ajudado na captação de recursos para o longa. “As comissões de seleção de projetos não parecem encarar os curtas como uma boa referência para capacitar alguém para a realização de um longa”.
Foram necessários dez anos até que Eduardo conseguisse tirar “Sudoeste” do papel – a maior dificuldade, o financiamento, foi sanada com o prêmio para Filmes de Baixo Orçamento do MinC (R$ 1 milhão) e mais R$ 100 mil da Oi. “Eu revi todos os meus curtas antes de rodar o ‘Sudoeste’ para lembrar como se fazia, pois fiquei uma década sem filmar”, diz ele, sublinhando que a ideia por trás de “Sudoeste” surgiu em 1997. “Eu pensava em como não conseguimos perceber a passagem do tempo se não tivermos um referencial exterior a nossa própria existência. Daí, depois de idas e vindas, surgiu a ideia de uma menina que tinha a vida durando apenas um dia, e as outras não”. A menina chama-se Clarice (vivida por Simone Spoladore, Raquel Bonfante e Regina Bastos). De manhã, ela é uma criança, no início da tarde, uma jovem, no final da tarde, uma mulher madura, e, à noite, uma velha senhora. Nesta vida de apenas um dia Clarice encontra e muda a história de algumas pessoas, todas elas de alguma maneira ligadas à sua falecida mãe.
Rodado em Monte Alto (distrito de Arraial do Cabo – RJ), uma pequena vila à beira da lagoa, abandonada há mais de 40 anos, “Sudoeste”, bem ao estilo dos curtas do realizador, é um filme entre o real e o imaginário. “Acho que se trata de uma fábula. Na verdade, não vejo como contar uma história que não seja através de um olhar próprio, com a sua própria ideia do mundo, ou seja, preenchida pela imaginação”, conta Eduardo, que, desde os primeiros curtas, costuma trabalhar com os mesmos parceiros: Mauro Pinheiro Jr. (fotografia), Flávio Zettel (montagem), José Cláudio Castanheira (música), Ivan Capeller (som) e Leandro Lima (som). “Eu não conseguiria fazer um filme sozinho, não por uma incapacidade técnica (acho que hoje o cinema digital permite isso), mas porque preciso de pessoas que dividam o processo criativo comigo. Fiz cinema na UFF e acho que o mais importante em todo o curso foram as pessoas que conheci. Sempre trabalhei com eles. Apenas no ‘Sudoeste’ não foi o Ivan Capeller quem fez o som, mas o Leandro Lima, que já havia trabalhado no ‘Tropel’”.
Radicalização na linguagem
Com os parceiros ao lado, Eduardo fez duas apostas curiosas: o preto e branco e um novo formato (3.66) para captar a horizontalidade da paisagem. “No princípio a ideia era fazer um trabalho com pouca cor. Mas percebemos que não funcionaria e que o preto e branco criaria uma distância da realidade (que é colorida) e deixaria o filme com cara de filme, como uma história contada. A opção pelo 3.66 se deu pelo fato de que nossas locações eram muito horizontais, com poucos elementos altos e baixos. Sempre que testávamos um quadro sobrava muito teto e muito chão. E gostaríamos de criar, para o espectador, um olhar particular para aquela história”, conta Eduardo, revelando seu fascínio pelas experiências de enquadramento do cineasta francês de vanguarda Abel Gance.
“Sudoeste” acaba de ficar pronto em cópia 35mm. Quem viu, não faz cerimônia. Para Paulo Halm (“Histórias de Amor Duram 90 Minutos”), roteirista e cineasta, trata-se do “mais belo filme eslavo já feito no Brasil”. Carlos Aberto Mattos, veterano crítico do Rio de Janeiro, ainda mais eufórico, não pensa duas vezes em falar em “obra-prima”. O espectador terá de esperar até o início do próximo ano. Até lá, “Sudoeste” correrá o mundo e o Brasil em festivais e mostras de cinema. “Um filme como esse precisa de um reconhecimento através dos festivais para chegar bem ao público. Devemos lançá-lo num número de salas que permita ficar mais tempo em cartaz, que dê chance a uma divulgação boca a boca. Existe um público em nossos cinemas para um filme europeu ou asiático e acho que esse espectador estaria interessado no ‘Sudoeste’”, diz Eduardo, esperançoso.
Por Julio Bezerra
***se especialistas estão falando é porque o filme é uma obra prima. desejo sucesso…………..