Filme sobre os anos loucos vence Gramado

História de Lúcia Murat e seus irmãos, “A Longa Viagem” leva o prêmio de melhor filme, e os atores Karine Telles e Caio Blat ficam com o de melhores atores

O festival de Gramado deste ano mais uma vez repetiu as façanhas dos anos anteriores, em que os filmes latinos superaram em qualidade os filmes brasileiros. A cinebiografia dos irmãos da diretora Lúcia Murat, incluindo ela própria, o documentário “A Longa Viagem”, dirigido pela própria Murat, levou o prêmio de melhor filme pelo júri popular e oficial, e Caio Blat, que faz o papel de Heitor, o irmão da diretora, ficou com o troféu de melhor ator, dividido com Gabino Rodriguez (melhor ator estrangeiro), o carismático mexicano de “A Tiro de Piedra”. Blat, aliás, também saiu o ano passado com o troféu de melhor atuação pelo filme “Bróder”, de Jeferson De.

Em “A Longa Viagem”, Lúcia Murat mergulha amorosamente e sem nenhum sensacionalismo nas “loucuras de juventude” do irmão Heitor Murat pelos “paraísos artificiais” do Afeganistão, Austrália, Índia e Ilhas dos Mares do Sul. O hoje sexagenário Heitor, vítima de esquizofrenia e várias internações, conserva humor impagável e cultivada dicção em português e inglês. Caio Blat lê cartas do “personagem” e registra em seu corpo as mudanças que ele, o jovem Heitor, vai sofrendo ao mergulhar no mundo das drogas e no misticismo guiado por gurus indianos.

O outro destaque no festival foi “Riscado”, o primeiro longa de Gustavo Pizzi, produzido com baixíssimo orçamento, que saiu com os troféus de melhor diretor e melhor atriz para Karine Telles, ganhadora do mesmo prêmio no Festival do Rio ano passado.

“Riscado”, o melhor fruto da prolífica fábrica Cavídeo, comandada por Cavi Borges (ver matéria na página 26), foi com justiça o segundo filme mais premiado de Gramado. O jovem diretor Gustavo Pizzi se revelou talento dos mais promissores. E sua mulher, Karine Telles, coautora do roteiro, é Bianca Ventura, sua personagem, uma atriz batalhadora que sobrevive precariamente de seu ofício, de teatro alternativo e na divulgação de festas a fantasia e eventos natalícios. A entrega de Karine ao papel, que traz algumas referências autobiográficas, é fascinante.

O terceiro filme mais premiado da safra brasileira foi o documentário com toques de ficção “As Hiper Mulheres”, produção do Coletivo Vídeo nas Aldeias, projeto de grande fôlego levado adiante por Vincent “Corumbiara” Carelli. Os três diretores, o cineasta Leonardo Sette, o antropólogo Carlos Fausto e o índio da tribo Kuikuro, Takumã Kuikuro, documentam com liberdade uma festa que os povos xinguanos vinham esquecendo: o Jamurikumalu. Ou seja, o maior ritual feminino praticado no Alto Xingu por “cantadoras” cheias de energia vital e sexual. O longa traz para o universo dos “filmes de índio” temas até hoje ocultados. Em especial a sexualidade. Rendeu à equipe o Prêmio Especial do Júri e melhor montagem para Leo Sette.

Dos sete concorrentes brasileiros, três passaram em branco: “País de Desejo”, de Paulo Caldas, estrelado por Maria Padilha, Fábio Assunção e Gabriel Braga Nunes; o documentário “Olhe para Mim de Novo”, de Cláudia Priscila e Kiko Goifman, um mergulho na vida de uma transexual masculino lésbica que optou por um pênis-prótese, e “Ponto Final”, de Marcelo Taranto. Para “O Carteiro”, dirigido pelo ator Reginaldo Faria, que volta à direção 27 anos depois de “Aguenta Coração”, coube um só Kikito: o de melhor fotografia para Roberto Henkin. A comédia do ator-cineasta, hoje com 74 anos, tenta dialogar com boas matrizes: o filme “O Carteiro e o Poeta” e as comédias dramáticas de Dino Risi, Scola e Monicelli. Pena que o resultado foi tão anacrônico, confuso e caricato.

Hispano-americanos A safra de língua espanhola, embora prejudicada em grande parte por precária projeção em DVD, fato inusitado para um festival do porte de Gramado, revelou-se de grande qualidade. Filmes como “Las Malas Intenciones”, da peruana Rosário Montero, que dialoga com os espanhóis na linha de “Espírito da Colmeia” e “Cria Cuervos”; “Garcia”, policial com terno acento cômico, fruto de coprodução colombiano-brasileira; “La Leción de Pintura”, de Pablo Perelman; e a comédia romântica argentina, “Medianeras”, de Gustavo Taretto, entusiasmaram ao público e à crítica.

Os demais filmes latinos, até mesmo os que não receberam prêmios, não foram tão rechaçados pela critica, como ocorreu com os filmes brasileiros de ficção, “Ponto Final”, de Marcelo Taranto, “O Carteiro”, de Reginaldo Farias, e “País do Desejo”, de Paulo Caldas.

Curtas –Os destaques nos curtas-metragens foram a animação “Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo”, do gaúcho Rodrigo John, prêmio do júri oficial e da crítica; “Um Outro Ensaio”, de Natara Ney, melhor direção, montagem, júri popular e prêmio aquisição do Canal Brasil; e o delicado “De Lá pra Cá”, de Frederico Pinto, melhor curta gaúcho, protagonizado pelo ator uruguaio Horacio Camandulle, o mesmo ator do tocante longa “O Gigante”, lançado no Brasil.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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