13 Assassinos

Um dos mais interessantes e prolíficos cineastas da atualidade, o japonês Takashi Miike finalmente estreia comercialmente no Brasil. Diretor de mais de 80 filmes em vinte anos de carreira (parte deles feitos diretamente para televisão ou para o vídeo), Miike já há mais de uma década tem chamado a atenção dos grandes festivais mundiais, desde que seu macabro e ultraviolento “Audition” fez seu debut no Festival de Rotterdã, em 2000. Desde então, já concorreu nos principais festivais de cinema do mundo, como Cannes e Veneza. A atrasada estreia de “13 Assassinos” – Miike já lançou outros quatro longas desde então – talvez seja a chance de o público brasileiro conhecer a obra desse cineasta que nunca teve seus filmes exibidos no circuito comercial brasileiro – alguns deles, porém, foram lançados por aqui em DVD (“Morrer ou Viver”, “Ichi – o Assassino” etc), e ganharam uma retrospectiva breve no ano passado.

Conhecido por filmes de violência extrema e perversões sexuais, Miike transita pelos mais diversos gêneros, do horror e thriller à comédia, ao western e ao filme infanto-juvenil. Recentemente, Miike se destacou com dois filmes de samurai: “Ichimei” (2011), primeiro filme em 3D a concorrer à Palma de Ouro, em Cannes, e “13 Assassinos”, que concorreu ao Leão de Ouro, em Veneza.

Refilmagem do longa homônimo de Eiichi Kudo, de 1963, “13 Assassinos” versa sobre um grupo de samurais, liderado por Shinzaemon, que busca aniquilar o Lorde Naritsugu, perverso irmão do shogun, conhecido por suas atrocidades. O longa se passa em 1844, quando o shogunato e a prática samurai já estava em crise decadente, 23 anos antes da Era Meiji ser instaurada.

O filme acaba trazendo duas questões curiosas. Uma delas, um tanto comum, já vista desde, ao menos, o célebre “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa: qualidade está sempre acima de quantidade. O número no título já indica. São 13 assassinos que lutam contra uma horda de adversidades, no caso, mais de 200 samurais defensores de Naritsugu. Os 13 são os melhores disponíveis. E, claro, como manda a praxe do gênero, os bons triunfam, de uma maneira ou de outra.
A outra questão se refere aos valores morais: há uma forte discussão entre os samurais adversários sobre o papel da classe na sociedade. Aí talvez seja o grande trunfo do filme dentro de seu discurso. Aqueles que defendem Naritsugu tem uma missão clara e ordeira: o samurai deve defender seu senhor, pensando sempre na sociedade estamental japonesa, que lembrava muito o feudalismo ocidental. Já a trupe de Shinzaemon aboliu o pensamento da era: lutam para acabar com as injustiças, a favor da população, e não do senhor. São ideais muito distintos e muito reveladores sobre o período retratado e a nossa era atual: prega-se a não subserviência política. Esses samurais de Miike são revolucionários, quase extremistas, porque englobam ainda a rigidez comportamental nipônica, com a morte como parte do processo. Isso já é visto logo no começo, quando um sujeito comete o seppuku (suicido com perfuração dos órgãos) publicamente, como forma de protesto à tirania de Naritsugu.

Os samurais, há muito, já foram alçados ao heroísmo. Miike não cai nessa facilmente: seus samurais lutam para se encontrarem, encontrarem seu papel na sociedade. Quem ganha a disputa, por mais que todos os clichês sejam evocados (não só de filmes de samurai, mas como de guerra e western), não é o bom ou o melhor, mas o mais bem adaptado às mudanças de um momento histórico, capazes de perceber as transformações de paradigma.

Em “13 Assassinos”, Miike, além de tudo, ainda se sente livre para seus extremismos, ainda que tenha feito, nesse caso, uma obra muito mais leve do que as que lhe deram fama. Mesmo porque é um cineasta nunca gratuito, em que a violência e a perversão são sempre maneiras de explorar o potencial imagético da trama: a estética a favor da história. “13 Assassinos” é a mesma coisa: se vemos corpos multilados, imagens aterradoras, lágrimas de sangue, são porque o Naritsugu fez aquilo e precisamos vê-los para compreendermos uma série de significantes do filme. O mesmo se dá nos rios de sangue da grande batalha – filmada magistralmente, diga-se –, que metaforiza a difícil luta pela descoberta do papel na sociedade travada intensamente no filme inteiro. Vale mais que qualquer discurso, porque são coisas além do registro verbal. Estão nas vísceras.

13 Assassinos | Jûsan-nin no Shikaku
(Japão/RU, 2010)
Direção: Takashi Miike
Distribuição: Vinny Filmes
Estreia: 20 de julho

 

Por Gabriel Carneiro

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.