Heitor Dhalia em busca do ouro de Serra Pelada

Se estivéssemos falando de política, diríamos que foi um choque de gestão. Mas como o assunto é cinema, “aprendizado” seria a definição mais apropriada para a experiência recente que Heitor Dhalia teve dirigindo um filme em Hollywood, “12 Horas”, lançado em abril deste ano. Sua experiência americana foi uma passagem com requintes da Metamorfose de Kafka. Obviamente Dhalia não dormiu e acordou transformado numa barata. Mas sentiu quão bizarro é estar no set, sentar-se na cadeira de diretor, mas ter pouco controle efetivo sobre o entorno. Falar com a atriz principal Amanda Seyfried? Só com a intermediação (e presença) do produtor. Tudo imensamente diferente do fazer cinema aqui no Brasil. Mas como diretor de cinema vive de ciclos, esse, o de sentir o gosto de fazer um filme numa indústria de fato, está encerrado. Um novo capítulo se abre: o de contar uma história brasileira que fale diretamente ao público local.

Quando fala de “Serra Pelada”, seu próximo projeto que começaria a rodar em 9 de julho, os olhos de Dhalia brilham de satisfação. O mesmo gesto que esboçou a três anos, quando o diretor recebeu este repórter para falar sobre “À Deriva”, selecionado para a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, em 2009, mas já tinha pronto o segundo tratamento do roteiro de “Serra Pelada”. Continuou assim, apaixonado, ao conversar com a reportagem da Revista de CINEMA durante o processo de pré-produção em Belém, no Pará. Após esta entrevista, a produção decidiu por razões de custos, não mais filmar no Pará, e o começo das filmagens ficaram para outubro, e provavelmente no interior de São Paulo.

“Ele terá todos os ingredientes para as pessoas gostarem”, acredita. Esses ingredientes, na visão de Dhalia, são a força do enredo, a natureza genuinamente brasileira da história e dos personagens, além de ter como eixo um componente que gera fascínio há séculos na humanidade: o ouro. “É um filme de pegada, masculino. Não é dócil. Mas ao mesmo tempo é muito popular por ter uma história de magnetismo. O protagonista de garimpos como Serra Pelada é o povo, o Brasil inteiro, do peão ao médico, do analfabeto ao universitário”.

Cena de "12 Horas", filme de Heitor Dhalia rodado nos EUA, que estreou em 2012

Wagner Moura e Daniel Oliveira

Na leitura que pretende fazer com “Serra Pelada”, Heitor Dhalia almeja construir uma narrativa pulsante, um pouco diferente de seus recentes registros dramatúrgicos. Em “12 Horas”, seu filme nos Estados Unidos, realizou um thriller e passou longe do corte final. Com “À Deriva”, esteve mais próximo dos pequenos dramas de uma família burguesa em Búzios. “Cheiro do Ralo”, ainda hoje permanece no imaginário. Já com “Nina”, seu longa de estreia, fez uma leitura urbana e obsessiva inspirada em Dostoiévski.

“Este será um filme de pegada, de ação, um faroeste contemporâneo. Há uma coisa delirante na história toda, porque falamos de milhares de pessoas afetadas por uma quantidade absurda de ouro”, define Dhalia. A título de curiosidade: o Major Curió, que supostamente pôs ordem em Serra Pelada, é constantemente comparado com o Coronel Kurtz de “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola. “Delirante” é um adjetivo comumente empregado aos dois.

Escrita por Dhalia em parceria com sua mulher, a cineasta Vera Egito (do premiado curta “Espalhadas pelo Ar”), a trama acompanha dois personagens que vão para a mina em busca de riquezas. Wagner Moura, que também entrou como coprodutor, e Daniel Oliveira vão interpretá-los. A parceria com o fotógrafo Ricardo Della Rosa (“À Deriva”) será mantida.

“São dois amigos que saem do Rio de Janeiro numa jornada de transformação a partir desse grande evento que foi Serra Pelada. Eles cruzam com outros personagens interessantes. É a história da mina, mas também do Brasil”, define.

E a bilheteria?

Falar de bilheterias do cinema brasileiro num cenário em que os filmes são praticamente atirados nas salas é sempre delicado. Em abril, Fernando Meirelles revelou que desistiu de filmar “Grande Sertões: Veredas” por ter se decepcionado com a bilheteria de “Xingu”, longa que produziu por meio da O2. “Você faz um esforço enorme e as pessoas não estão interessadas. O cara não quer saber de índio, de sustentabilidade. Ele quer essas comédias com as mesmas caras da TV e isso eu não vou fazer”, afirmou ao site Cineclick.

Rodar um filme em três estados diferentes, fora do eixo Rio-São Paulo, longe do litoral, focado numa história inteiramente brasileira justificaria um receio com o desempenho comercial de “Serra Pelada”? Não para Heitor Dhalia. “Eu acho que brasileiro gosta do cinema nacional, sim. Mas, claro, é uma arte complexa e essa decisão de assistir ou não a um filme depende de muitos fatores”.

O cineasta, que produz o longa por meio da Paranoid Filmes, da qual é sócio com Tatiana Quintella, pondera que há dificuldades também em fazer longas brasileiros circularem pelo mundo por conta da língua. Porém, tem uma visão mais otimista sobre o momento local. “A gente não tem uma indústria no Brasil. O que existe é uma potencial indústria, em formação. Um dia ela pode acontecer. Vai depender do que acontecer no audiovisual e na televisão, da ampliação do mercado de cinema, porque já o da publicidade gera empregos. Essa combinação será a base para que uma indústria seja um dia possível”.

Dhalia também enxerga seu faroeste amazônico com características diferentes da saga dos irmãos Villas-Bôas contada no longa de Cao Hamburger, produzido por Meirelles. “É outra coisa. O universo de Serra Pelada é mais popular. Tem prostituta, garimpeiro, tiro. É mais um filme de ação, sabe? De pegada forte para um evento surrealista e complexo”.

As filmagens acontecem por cinco semanas. A distribuição já está garantida pela Warner Bros., que já havia lançado “À Deriva”.

 

Por Heitor Augusto

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