Premiado cineasta cambojano Rithy Panh tem retrospectiva inédita

A mostra O Cinema de Rithy Panh apresenta uma grande retrospectiva de um dos cineastas mais políticos da atualidade. Reunindo onze longas-metragens do cineasta cambojano Rithy Panh, começando com Site 2, vencedor do Grande Prêmio do Documentário no Festival de Amiens; até seu último filme, A Imagem que Falta (L’image manquante, 2013), que recebeu o prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes 2013, a mostra acontece no CCBB Rio de Janeiro, de 30 de outubro a 11 de novembro, e no CCBB São Paulo, de 6 a 17 de novembro.

Todos os filmes de Rithy Panh têm como questão central o genocídio do Camboja conduzido pelo regime do Khmer Vermelho, que vitimou, entre 1975 e 1979, cerca de 2 milhões de pessoas numa população de aproximadamente 7 milhões. Entre os mortos, estão pais, irmãos e outros familiares do diretor. Ele conseguiu fugir para um campo de refugiados na Tailândia. Site 2 é o nome desse campo, e é também o título de seu primeiro documentário em longa-metragem, filmado no local, em 1989.

Depois desse filme, Panh não cessou de voltar às mesmas questões – como foi possível um acontecimento tão funesto, como recuperar o que se perdeu? Para Panh, trata-se de enfrentar a história, lutar contra o esquecimento, para que todos os que foram sacrificados não tenham morrido em vão. O diretor considera que o futuro não será possível sem o luto e sem que a memória seja redimida por um justo julgamento. É igualmente importante na obra do cineasta o resgate da identidade e da cultura do Camboja, massacrados pelo genocídio cometido pelo Khmer Vermelho.

Em 1994, Panh realiza a ficção Condenados à Esperança (Les gens de la rizière, 1994), nomeado à Palma de Ouro em Cannes e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1995. Ao narrar a luta de uma família de agricultores de arroz contra a miséria e a doença, o cineasta reabilita a memória camponesa do Camboja, que fora literalmente desapropriada pelo Khmer Vermelho.

Em seu filme mais aclamado pela crítica, S21 – A máquina de morte do Khmer Vermelho (S-21 – La machine de mort Khmer Rouge, 2003), Panh coloca em ação um dispositivo fílmico que confronta os depoimentos de três dos sete sobreviventes do S-21 (centro de detenção onde morreram cerca de 17 mil pessoas) com os antigos funcionários ­­do lugar. Os carrascos, recém-saídos da adolescência na época do extermínio, reencenam na prisão desativada as ações que costumavam repetir diariamente durante o regime. Diante desta obra, o governo do Camboja e as Nações Unidas foram finalmente obrigados a reconhecer o genocídio do Khmer Vermelho, até então “esquecido” pelas autoridades. S21 é um dos documentários políticos mais importantes do século 21, vencedor do Human Rights Awards.

Por seu mais recente trabalho, A Imagem que Falta, o diretor recebeu o prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes. Reinventando-se, o diretor utiliza dois recursos inéditos em sua obra para recompor cenas de seu passado: o uso de miniaturas de argila e narração em primeira pessoa. Sua declaração sobre esse filme resume bem o conjunto de sua obra: “Há tantas imagens no mundo que acreditamos ter visto tudo. Pensado tudo. Há muitos anos que procuro uma imagem que falta. Uma fotografia tirada entre 1975 e 1979 pelos Khmers vermelhos, quando dirigiam o Camboja. Claro, por si só, uma imagem não prova o crime massivo; mas faz pensar; faz meditar. Ajuda a construir a história. Procurei-a em vão nos arquivos, nos documentos, nas aldeias do meu país. Agora eu sei: essa imagem deve faltar; e não a procurava – não seria obscena e sem significado? Então fabrico-a. O que eu ofereço hoje não é uma imagem, ou a busca de uma única imagem, mas a imagem de uma busca: aquela que o cinema permite. Algumas imagens devem continuar a faltar, devem sempre ser substituídas por outras: nesse movimento encontra-se a vida, o combate, a pena e a beleza, a tristeza dos rostos perdidos, a compreensão daquilo que existiu; por vezes a nobreza, e até a coragem: mas o esquecimento, nunca.”

Além da direção de filmes, Rithy Panh dedica-se ao resgate da memória visual do Camboja e à produção de filmes dirigidos por jovens cineastas cambojanos. Na mostra, serão apresentadas seis obras produzidas ou coproduzidas por ele: O Khmer Vermelho e o Pacifista (Le Khmer Rouge e le non-violent, 2011), Cinco Vidas (Five lives, 2010), Casamento Vermelho (Red wedding, 2012), Por Onde Eu Vou (Where I go, 2012), O Último Refúgio (The last refuge, 2013) e O Sono de Ouro (Le sommeil d’or, 2011). É possível identificar, nesses trabalhos, a influência do cinema de Panh, tanto em aspectos temáticos (a maior parte também trata do genocídio) quanto formais (a economia de recursos, o investimento na palavra, a recusa do drama).

Completa a programação o documentário de Jean Marie Barbie, Tio Rithy (Oncle Rithy, 2008). Com belas imagens dos tempos mortos da filmagem de Uma Barragem contra o Pacífico, o filme apresenta os companheiros cambojanos do cineasta. Também há uma longa entrevista com Panh, entrecortada por uma coleção de excertos de filmes dirigidos por ele.

Rithy Panh nasceu em 18 de abril de 1964 em Phnom Penh, capital do Camboja. Seu pai era professor de escola primária. Em 1975, com apenas 11 anos, o diretor e sua família foram expulsos da cidade pelo regime do Khmer Rouge, e enviados para um campo de trabalhos forçados. Todos morreram de fome e exaustão. Ele conseguiu fugir para um campo de refugiados em Mairut, na Tailândia. De lá, foi para a França, onde vive desde 1980. Sem conseguir esquecer o trauma do genocídio, viu no cinema um instrumento para reconstrução da memória de seu país. Desde os anos 80, seus filmes têm sido exibidos nos principais festivais internacionais, com carreiras premiadas.

 

O Cinema de Rithy Panh
CCBB Rio de Janeiro
Rua Primeiro de Março 66, Centro, tel (21) 3808-2020
De 30 de outubro a 11 de novembro
Salas de Cinema 1 (98 lugares) – Ingressos: R$ 4 (inteira) e R$ 2 (meia)

CCBB São Paulo
Rua Álvares Penteado, 112, Centro, tels. (11) 3113.3651 e (11) 3113.3652
De 6 a 17 de novembro
Cinema (70 lugares). Ingressos: R$ 4 (inteira) e R$ 2 (meia). Sessões em DVD: gratuitas.

Programação: www.bb.com.br/cultura

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