O golpe de 64 explorado em terreno familiar
Para o cineasta André Ristum, que acaba de filmar em Brasília seu segunda longa-metragem, “O Outro Lado do Paraíso” é um projeto bastante pessoal. Para começar, o filme nasceu de uma obra autobiográfica de Luiz Fernando Emediato, que evoca a saga de sua família, que saiu do interior de Minas Gerais em direção à recém-inaugurada Brasília, norteada pelo sonho do pai. A realidade, porém, se impôs de maneira dura com o Golpe Militar. Mais do que um simples relato dos fatos, Emediato – que escreveu a história no início da década de 80, quando tinha 30 anos – procurou se colocar no lugar da criança que havia sido. É sob o ponto de vista dela que tudo é descrito.
O enredo do filme é narrado sob a ótica de Nando, um menino de 11 anos, interpretado por Davi Galdeano, e relata as aventuras do pai, Antônio, com Eduardo Moscovis no papel, um brasileiro sonhador e aventureiro de 37 anos que nunca teve um emprego fixo, vive viajando por garimpos e sonha com a “terra prometida”. Um dia, resolve ir para Brasília, que está sendo construída, atraído pelas promessas de reformas do governo de João Goulart. Mas logo vem o Golpe de 64 e os sonhos se tornam pesadelo de uma hora para outra. A aventura épica e quixotesca é vista pelos olhos do filho, numa mistura de sentimentos que vai da admiração, amor, dor, orgulho e tristeza.
Reconstituição da memória política
Emediato hesitou diante da proposta de transportar “O Outro Lado do Paraíso” para o cinema. “Aceitei contanto que pudesse me envolver na produção e acompanhar desde a elaboração do roteiro até as filmagens”, afirma o escritor, jornalista e editor (da Geração Editorial), que concebeu o livro em homenagem ao pai, falecido em 2005. Sua mãe, hoje com 79 anos, teme assistir ao filme. “Ela disse que o breve momento em que residiu em Brasília foi o mais sofrido da sua vida”, ressalta. A família de Emediato chegou a Brasília em fevereiro de 1963 e permaneceu na capital até 13 de abril de 1964. O pai foi preso na noite do Golpe e libertado meses depois. O avô materno, então, levou-os para a fazenda, no interior de Minas.
Não foi fácil revisitar essa parte emblemática da sua vida. “Mas acabou se tornando emocionante”, constata Emediato, que teve outra obra, “Verdes Anos” (1984), adaptada para a tela por Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil. Em “O Outro Lado do Paraíso”, garante não ter resistido à necessidade de criação de novos personagens e situações durante o processo de passagem da literatura para o cinema. “A memória da minha família foi respeitada”, avalia. O bom andamento do trabalho talvez tenha sido propiciado pela afinidade com André Ristum que, convidado a assumir a direção, apropriou-se rapidamente do material. Afinal, há associações diretas entre a jornada de Emediato e o passado do cineasta. Ristum também tem no pai, Jirges, uma figura marcante, mesmo que ele tenha morrido quando estava com apenas 12 anos. Além disso, sua trajetória foi determinada pelo Golpe Militar.
Diretor tem fortes ligações familiares com o tema do filme
Os pais de Ristum moravam em Ribeirão Preto e foram para São Paulo na segunda metade da década de 60. Ligaram-se à militância política. O pai foi capturado logo após o Golpe. “Ele ficou uns dez dias preso. Ainda não era prisão com tortura. No entanto, passou por muitos interrogatórios”, informa Ristum. Saíram do Brasil. André Ristum nasceu na Inglaterra em 1971, época em que o pai trabalhava para a BBC, e cresceu na Itália, onde conheceu Encarnação, a mãe da militante Denise Crispim, entrevistada por Maria de Medeiros para o filme “Repare Bem” (2013). Com a Anistia, o pai voltou para o Brasil. A mãe seguiu na Itália – onde se encontra até hoje, assim como a irmã. Ristum ficou com a mãe até decidir vir para o Brasil, aos 16 anos. Desembarcou aqui no final de 1987 para morar com a avó materna.
Mobilizado pela história familiar, Ristum trouxe à tona o contexto adverso da ditadura no documentário “Tempo de Resistência” (2005). “Pensava em dirigir uma ficção centrada no Golpe Militar. Mas ainda não tinha acontecido”, declara Ristum, que acumulou experiência como assistente de direção do renomado Bernardo Bertolucci em “Beleza Roubada” (1996) e de Rob Cohen em “Daylight” (1996). Como cineasta, assinou o curta-metragem “De Glauber para Jirges” (2005) e, nos últimos anos, o longa “Meu País” (2011), premiado no Festival de Brasília.
Estreia em 2014 coincide com 50 anos do golpe de 64
Produtor do filme, Nilson Rodrigues se sente conectado de modo afetivo à empreitada. Basta lembrar que viveu nos anos 80 em Taguatinga, no entorno de Brasília, cidade onde a história é ambientada. “O Golpe é abordado sob a perspectiva de pessoas comuns, integrantes de uma família que foi em busca do paraíso, se deparou com o outro lado e não desistiu. Assim como o país, que continuou perseguindo a democracia que, felizmente, chegou”, relaciona Rodrigues, valendo mencionar que o filme tem produção executiva de Marcio Curi.
Com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2014, nos 50 anos do Golpe, “O Outro Lado do Paraíso” é uma produção que deve se aproximar dos R$ 8 milhões, fora comercialização e finalização. O filme ainda não tem distribuidora. “Esse é o maior empreendimento com que me envolvi. Precisamos reconstituir a periferia de Brasília no início da década de 60”, destaca Nilson Rodrigues, que, em “Tainá 3 – A Origem” (2012), firmou parceria com Pedro Carlos Rovai, que figura como produtor minoritário desse filme, cujo roteiro ficou a cargo de Marcelo Muller (com consultoria do cubano Senel Paz).
O elenco é formado por atores conhecidos, como Eduardo Moscovis, Jonas Bloch e Flávio Bauraqui, e nomes advindos do teatro, como Simone Iliescu, que integrou o Centro de Pesquisa Teatral (CPT), capitaneado por Antunes Filho, e profissionais de Brasília, como Murilo Grossi e Adriana Lodi. Para o personagem do menino que conduz a história, foram testadas várias crianças em Brasília, São Paulo e Belo Horizonte, até chegar ao ator Davi Galdeano.
A volta do Polo de Brasília
“O Outro Lado do Paraíso” está revitalizando o Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo, localizado em Sobradinho, praticamente fechado há 12 anos. “O Polo recebeu uma produção de Pedro Lacerda há três anos, que permanece inédita”, diz Sergio Fidalgo, diretor do Polo, referindo-se a “Vidas Vazias e as Horas Mortas”, ainda sem data prevista para lançamento.
O Polo tem um passado digno de nota. “Até os anos 90, as atividades eram intensas. Houve oficinas na área audiovisual e produções filmadas lá. Entretanto, com as mudanças de gestão, as prioridades foram desviadas”, conclui Fidalgo. O objetivo, agora, é recuperar a efervescência. “Estamos pensando num modelo de gestão e na formação técnica de profissionais. Já foi feita a licitação de uma empresa – a Solé Associados, de Porto Alegre – que reestruturará o prédio e planejará um novo com estúdio, camarim, lavanderia”, enumera. Não existem, contudo, outros projetos previstos depois do filme de Ristum. “Mas o retorno do Polo não ficará restrito a ‘O Outro Lado do Paraíso’”, garante.
Não há como deixar de se associar com o modelo implantado em Paulínia. “Lá eles possuem três ou quatro estúdios maravilhosos, mas a parte administrativa, estrutural, não é tão boa. Em Paulínia, as salas e os camarins são pequenos. E a área é limitada a ambientes internos, enquanto nós contamos com um espaço enorme que permite montar uma cidade cenográfica”, compara. O Polo de Brasília tem tamanho estimado em 400 hectares, área na qual foi reconstituída a cidade de Taguatinga.
Por Daniel Schenker
Tive o prazer de trabalhar nesse filme e muitas vezes fiquei acompanhando como André Ristum dirigia e conduzia sua equipe, tudo bem que as vezes eu ficava afastado e as vezes mais próximo, não tenho dúvida que o André Ristum vai se tornar um dos maiores diretores de cima do Brasil, um camarada humilde que respeita a todos os colaboradores no set , consegue ser profissional sem precisar gritar ou desrespeitar as pessoas envolvidas.
Parabéns André Ristum
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