Fest Brasília: nove vozes e a obra de Eduardo Coutinho
Por Maria do Rosário Caetano, de Brasília
O público que compareceu, na tarde de ontem (21), ao Museu da República, assistiu a um curta ficcional de Eduardo Coutinho, realizado em 1959, em Paris, no IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos, atual FEMIS). Com fino humor, Coutinho dirige atriz e ator franceses. A moça não desgruda do telefone. O rapaz leva para ela o anel de noivado. Mas o telefone se impõe de forma avassaladora…
Coutinho estudou no IDHEC de 1958 a 1961. Os cineasta Alice Andrade e João Moreira Salles envidaram todos os esforços necessários para localizar e trazer uma cópia do filme, realizado há 55 anos, ao Brasil.
O seminário, com curadoria de Vladimir Carvalho e moderação de Luiz Zanin Oricchio, reuniu o editor Milton Ohata, que selecionou (para a Cosac Naify) muito do que Coutinho escreveu (inclusive críticas de cinema para o Jornal do Brasil do início dos anos 1970) e algumas das entrevistas que concedeu. Todo material foi reunido num livro de mais de 700 páginas, cuja primeira edição se esgotou e uma nova já foi providenciada.
Beth Formaggini relembrou “Apto 608” (2009), que poderia também chamar-se “Teste de Elenco”, pois o documentário mostra Coutinho e equipe buscando personagens para o longa-metragem “Edifício Master”. Zelito Viana, que produziu “Cabra Marcado para Morrer” (cujos negativos das filmagens interrompidas foram escondidos na casa do General Neves, pai do cineasta Davi Neves) relembrou que recebera a missão de concluir o filme iniciado como produção do CPC-UNE. Só encontraram ambiente e condições de fazê-lo no começo dos anos 1980, quando a Ditadura Militar conhecia seus extertores.
Jean-Claude Bernardet analisou “Jogo de Cena”, filme que, na opinião dele, ainda não foi ultrapassado em sua ousadia narrativa. O ensaísta atribuiu o alcance apenas nacional do filme ao fato de “Jogo de Cena” ser falado em português. “A limitação da língua portuguesa impede – com o recurso da legenda – o público internacional de perceber a riqueza de vocábulos, entonações e também a riqueza filosófica do filme”.
Carlos Nader, diretor do documentário “Coutinho, Sete de Outubro”, realizado para o Sesc TV, no final de 2013, portanto poucos meses antes da trágica morte de Coutinho (ocorrida em fevereiro deste ano), contou que recebera de João Moreira Salles sugestão para que acompanhasse as filmagens de “Palavra”, o longa, ainda inédito, que tornou-se o último trabalho do diretor de “Cabra Marcado para Morrer”. E realizasse um documentário sobre as filmagens. Nader achou que sua presença seria invasiva. Mas viu a chance de realizar um documentário com Eduardo Coutinho quando o Sesc TV o convidou a realizar um filme para um grande encontro que mobilizaria a Terceira Idade. Como Coutinho já chegara aos 80 anos, a hora era chegada e apropriada. De início, Coutinho não se entusiasmou muito. Mas depois, como sempre acontecia, conversou por cinco horas com Nader. O filme de 60 minutos foi apresentado no Sesc TV e lançado no CineSesc.
O encontro brasiliense que analisou a obra de Coutinho contou com três participações especiais: a do secretário Hamilton Pereira, que conheceu Eduardo Coutinho no começo dos anos 80, quando o cineasta buscava recursos para retomar o projeto do Cabra. “Como eu atuava na Pastoral da Terra, com Dom Tomás Balduino, Coutinho nos procurou e a CNBB ajudou na medida do possível, pois ficou fascinada pelo projeto”. Vladimir Carvalho, que integrara a equipe de “Aruanda” (Linduarte Noronha, 1960) e conhecera em suas lides como jornalista as Ligas Camponesas e seu líder assassinado, João Pedro Teixeira, vivia na sua Paraíba natal. Foi procurado por Coutinho para engajar-se na produção do “Cabra” (em 1963). Como militante comunista aplicado e apaixonado, assumiu a tarefa e desempenhou as funções necessárias. Uma delas consistia em cuidar do elenco, em especial de Dona Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, e das crianças que representariam os muitos filhos do casal. Vladimir deu um depoimento vivo sobre sua experiência com Coutinho e o “Cabra” e emocionou a plateia.
O encontro contou, ainda, com a presença de Pedro Coutinho, filho do cineasta, que agradeceu ao festival e aos palestrantes por tudo que ouvira (e pelos filmes que vira) no seminário. Depois dos debates, o público que assistira ao curta “O Telefone”, “Apartamento 608” e “Sobreviventes da Galileia”, que o próprio Coutinho realizou para os extras do DVD do “Cabra”, assistiu, então, ao documentário “Coutinho, Sete de Outubro”.