Cine Ceará tem a melhor seleção de sua história

O Cine Ceará – Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza volta à sua casa tradicional, o Cine São Luiz, depois de longo afastamento. A vigésima quinta edição do festival, que acontece de 18 a 24 de junho, além de apresentar a melhor seleção de longas-metragens de sua trajetória, reocupará um dos mais belos cinemas do país. Tentativas de aclimatar-se ao centenário Theatro José de Alencar e ao Centro Dragão do Mar estão, pois, superadas.

“O Cine São Luiz passou por ampla reforma”, garante o cineasta Wolney Oliveira, diretor do Cine Ceará. “Foram gastos R$ 18 milhões e não teremos mais problemas de refrigeração, nem acústicos”. A festa comemorativa do jubileu de prata deste que é um dos mais tradicionais festivais do Nordeste brasileiro “será inesquecível”. Wolney está muito satisfeito com a seleção, “pluralista, com fortes títulos hispano-americanos e brasileiros”.

O Cine Ceará será palco das primeiras exibições públicas do documentário “Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro”, do pernambucano Geneton Moraes Neto, e do novo filme de Jorge Furtado, “Real Beleza”, com Vladimir Brichta, Adriana Esteves e jovens aspirantes a modelo (destaque para Vitória Strada), oriundas da região que revelou Gisele Bündchen.

“Real Beleza”, de Jorge Furtado

O cineasta e roteirista gaúcho, que estará com os principais nomes de seu elenco (entre eles estão o veterano Francisco Cuoco e o jovem Samuel Reginatto), em Fortaleza, avisa que seu filme é “98% ficção”. Ou seja, a história nasceu inteira de sua fértil imaginação. “Só os testes para escolha das modelos são reais”.

“Cordilheiras no Mar, o documentário de Geneton Moraes Neto” – acredita Wolney Oliveira – “além de agradar a muita gente, servirá para que entendamos por que Glauber Rocha defendeu o General Golbery a ponto de chamá-lo de gênio da raça”.

“Cordilheiras no Mar: a Fúria do Fogo Bárbaro”, de Geneton Moraes Neto

“Eu não entendia as razões do Glauber”, confessa o diretor do Cine Ceará. “Nem as conhecia direito. Depois de assistir aos depoimentos de pessoas que entenderam as razões do Glauber, pude reavaliar as duras críticas feitas a ele. Em especial, os depoimentos do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e do ex-líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião. São muito esclarecedores”.

Wolney acredita que os cearenses, em especial, vão se divertir com o depoimento do cantor e compositor Fagner. “Ele visitou Glauber a pedido de Jorge Amado poucos dias antes da morte do cineasta. O que rememora é incrível e vai, tenho certeza, arrancar sonoras gargalhadas do público”.

Invenção e política

Pablo Arellano, que assina a curadoria da competição ibero-americana, diz que buscou filmes que alcançaram grande repercussão em mostras e festivais internacionais. Caso do lusitano “Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa, e de “Jauja”, do argentino Lisandro Alonso. Este, protagonizado pelo ator Viggo Mortensen, norte-americano de origem escandinava. Os dois filmes já passaram por diversos festivais brasileiros.

Como são inéditos em nosso circuito comercial e “muito inventivos”, foram escalados para disputar o Troféu Mucuripe. Pedro Costa é hoje um dos mais festejados realizadores de importante vertente do cinema, a que esboroa fronteiras entre o documentário e a ficção. Os críticos e cinéfilos brasileiros dedicam imensa devoção a “Cavalo Dinheiro” e a outras de suas realizações (“Ossos”, “No Quarto de Vanda” e “Juventude em Marcha”).

No novo filme, premiado em Locarno, Pedro Costa retoma o personagem Ventura (ele mesmo), um exilado caboverdiano, radicado no bairro lisboeta de Fontaínhas. Ele rememora, nos largos e silenciosos corredores de um hospital, sua partida da África para Portugal, os anos de guerra e o cavalo Dinheiro, que lá deixou.

“Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa

O Chile se fará representar por “El Club”, de Pablo Larraín. “Assim como Jorge Furtado” – diz o curador – “Larraín é um diretor reconhecido por trajetória marcada por filmes que buscam o diálogo com o grande público”. Seu penúltimo longa – “No”, sobre o plebiscito que derrotou Pinochet – foi finalista ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Arellano aponta outra vertente privilegiada pela curadoria: “selecionamos cineastas jovens que estejam realizando filmes de grande personalidade, como Carlos M. Quintela, diretor de “La Obra del Siglo”, premiado recentemente em Roterdã, e o espanhol Miguel Llansó, autor da coprodução hispano-etíope, “Crumbs”, uma loucura pós-apocalíptica. Mesmo caso de “Loreak”, dos também espanhois Jon Garaño e José Mari Goenaga”.

Como o Cine Ceará pretende “continuar comprometido com a vertente do cinema mais político, que busca aprofundar a terrível experiência com governos militares” – arremata o curador – “selecionamos este ano dois trabalhos bem distintos, a coprodução peruano-colombiana “NN”, de Héctor Gálvez, e o documentário do brasileiro Geneton Moraes”.

Buñuel e Erice

A Espanha – terra de Victor Erice e Luis Buñuel, cineasta que inspira o cartaz do Cine Ceará (com a famosa cena do olho cortado por uma navalha, em “O Cão Andaluz”) – é, este ano, o país homenageado pelo Cine Ceará.

Pablo Orellano, que também assina a curadoria da Mostra Informativa do Novo Cinema Espanhol, diz que seguiu critérios semelhantes aos que nortearam a mostra competitiva.

“Tivemos, ao montar a Mostra Espanhola” – detalha –, “maior liberdade na seleção de títulos muito novos, de forma que fossem somados a filmes dos pais do cinema contemporâneo espanhol, como Buñuel (“Simão do Deserto”) e Victor Erice  (“O Espírito da Colmeia”). Trouxemos, também seleção dos melhores curtas espanhois dos últimos anos e uma grande representação de filmes de ficção científica”. E mais: “uma retrospectiva dos curtas de Chema García Ibarra, além de diretores que gostam de correr riscos como Luis Minharro e Kikol Grau. Este realizador nos traz um incrível documentário musical punk (“Las Más Macabras de las Vidas)”.

"Simião do Deserto", de Luis Buñuel

O curador recomenda, com entusiasmo, o longa “Nem Tudo é Vigília”, de Hermes Palalluelo, e o curta “Ser e Voltar”, de Xacio Baño, que ele define como “grandes exemplos de delicadeza, filmes feitos com muito carinho, duas pequenas obras de arte”. A este títulos foram acrescentados filmes reconhecidos como “História de Minha Morte”, de Albert Serra, “Estrela Cadente”, de Luis Minaro, e “Costa da Morte”, de Lois Patiño.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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