“Elis”, de Hugo Prata, desponta como favorito no Festival de Gramado
Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado
“Se você não ganhar o Kikito é GOLPE”. Este espirituoso e politizado comentário do crítico Marcus Mello, da revista TEOREMA, foi feito no encerramento do concorrido debate de ELIS, o primeiro longa da competição – e já franco favorito ao Kikito de melhor filme. O crítico referia-se, claro, à atriz ANDREIA HORTA (na foto, com o diretor HUGO PRATA, a figurinista CRIS CAMARGO e o produtor FABIO ZAVALA).
ANDREIA recria parte da trajetória da cantora Elis Regina (1945-1982) com tal paixão e entrega, que não houve debatedor que não exaltasse a excelência de seu trabalho. Curioso notar o quão diferenciados sãos os métodos de interpretação de nossos atores. Tony Ramos não gosta de ensaiar. ANDREIA não só gosta, como exige, em seus contratos, prazos longos de preparação. No simpático e produtivo debate do filme, ela contou que aceitou o papel, mas depois teve que rejeitá-lo, pois faria a protagonista da novela A Regra do Jogo, na Globo. Só que a emissora entendeu que não ficava bem tê-la como par de Alexandre Nero, pois em novela anterior, ele fôra pai da personagem dela. Com o tempo livre, Andreia resolver correr atrás do papel de ELIS. Pediu-o de volta ao próprio Hugo Prata. O diretor, estreante no longa-metragem, avisou que ela teria que submeter-se a teste, pois várias outras atrizes vinham sendo testadas. Ela topou, se produziu com peruca curtinha, maquiou-se e foi para o teste. Prata viu que tinha, nela, a sua ELIS. Aí surgiu a questão dos prazos. Ela pediu cinco meses para incorporar a grande estrela de nossa MPB com ajuda de uma fonoaudióloga (Maria Sílvia), uma preparadora de corpo (a grande atriz e diretora Georgette Fadel) e um preparador para o canto (Felipe Habib).
Embora a voz que ouvimos no entoar de todas as canções do filme seja da própria Elis, Andreia treinou para que seu CORPO assumisse os gestos da cantora no exercício de seu ofício. Queria que cada uma das veias de seu pescoço ganhasse o relevo ganho pelas veias de Elis quando ela cantava.
No debate, não foi só ANDREIA, cercada de elogios, que exalou simpatia. Hugo Prata, pouco conhecido nos meios cinematográficos (dirigiu três curtas, passou pela Olhar Eletrônico de Fernando Meirelles e companhia, ajudou a implantar a MTV no Brasil e esteve na equipe de direção das séries Rá-Tim-Bum e Castelo Rá-Tim-Bum), também foi de simpatia ímpar. Assim como a figurinista Cris Camargo e o produtor Fábio Zavala. Não fugiram de nenhuma pergunta e deram respostas sólidas e (muitas delas) aplaudidas.
O filme dá destaque a dois momentos controvertidos na vida da cantora: a briga com a esquerda, representada na figura de Henfil, que a “enterrou” num cartum quando ela cantou nas Olimpíadas do Exército, e a angústia que foi tomando conta dela na fase final de sua curta vida (morreu aos 36 anos). Angústia – registre-se – embalada em muito álcool e drogas. O filme não esconde nada. ELIS faz uso de drogas em vários momentos da narrativa. E, principalmente, na fase derradeira (até a overdose que a matou).
Os três filhos de ELIS, João Marcelo, Pedro e Maria Rita, não impuseram nenhum limite ao longa de PRATA. João Marcelo, filho de ELIS e Ronaldo Bôscoli (o filme dá a entender que o compositor carioca, metade gentleman, metade cafajeste, foi o grande amor da vida da cantora), disse a Hugo Prata: “minha mãe passou toda a sua carreira profissional (dos 18 anos, quando chegou ao Rio, até sua morte) sob os rigores da Censura imposta pelo regime militar. Não seremos nós, agora, que vamos censurar algum momento de sua trajetória”.
O astral do debate com a imprensa e o público esteve tão alto, que Hugo Prata foi de sinceridade rara, raríssima, em encontros do gênero. Quando perguntei ao diretor, por que ELIS, depois de uma briga pesada com Bôscoli, dizia que ia pedir DIVORCIO, se tal direito civil só se tornou lei, no Brasil, em 1977. Havia ali um anacronismo. E mais: noutro trecho do próprio filme, ao ser interrogada por um militar (Aramis Trindade), este a definia como mãe de um filho, DESQUITADA e disposta a gravar mais uma composição de CHICO BUAQUE (composição cuja letra, escrita numa folha branca, é rasgada com gosto pelo fardado)… HUGO PRATA, com franqueza cristalina, admitiu: ERRAMOS.