Um Casamento
Manchas negras na tela prateada. Frame após frame, as formas desconexas vão se transformando. Até que se vislumbra por alguns segundos um casal de noivos, eles sorriem enquanto cortam o bolo. Do filme de casamento de Maria Moniz e Ruy Simões, pais da diretora Mônica Simões, só restaram pequenos fragmentos. Filmado na década de 1950, os anos foram implacáveis com o rolo de 16 milímetros.
Esse mergulho no álbum de família originou o documentário “Um Casamento”, primeiro longa-metragem em 35 anos de carreira da videomaker, fotógrafa, documentarista e artista plástica, que chega aos cinemas em 18 de maio, com distribuição da Pandora Filmes e Spcine. O trabalho reconstrói a história de vida dos pais da diretora baiana, antes e depois daquele dia especial celebrado em 28 de julho de 1954. A narrativa é conduzida pelas lembranças da atriz e jornalista Maria Moniz, 82 anos, que revisita o passado através do vasto acervo de fotos e filmes familiares, sempre guiada pelas conversas francas com a filha.
Nascida em Salvador (BA) em 1935, Maria sempre se considerou “uma espécie de ovelha negra”. Filha única, aos 12 anos começou o namoro com Ruy Simões, 12 anos mais velho, sob os protestos da mãe. A rebeldia se manteve depois de casada, quando ingressou na escola de teatro contra a vontade do marido.
O filme, fugindo à regra, foi gravado na sequência do roteiro e todas as cenas rodadas uma única vez. Tudo isso no intuito de não interferir na espontaneidade da personagem e da diretora. Essa naturalidade é captada na tela. Como narrativa, os bastidores muitas vezes assumem o primeiro plano.
Mônica idealizou o filme há 15 anos, quando pesquisava para o documentário “Uma Cidade” (2000), que conta a história da vida privada de Salvador, por meio de filmes domésticos realizados entre 1920 e 1970.
Contemplado pela Fundação Cultural da Bahia via edital, “Um Casamento” foi rodado em Salvador em 2015. A locação, por si só, funciona como um personagem na narrativa. Chamado pela família de Boulevard, a casa esteve presente em todos os momentos da vida da protagonista: foi o local onde nasceu, cresceu e mora até hoje. Onde os três filhos foram criados e onde o casal morou até a separação.
Historiadora de formação, Mônica Simões sempre dedicou seu trabalho como diretora à etnografia – principalmente a situação do negro – por meio de documentários, como “Eu Sou Neguinha” (1988), “Quilombos Urbanos” (1994) e “Negros” (2009). Mas, em “Um Casamento”, obra autoetnográfica, o desafio foi relaxar o olhar crítico de pesquisadora e se deixar aberta à subjetividade.