Festival Aruanda exibe seis longas paraibanos

Pela primeira vez em sua história, o Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, que acontece há 13 anos em João Pessoa, capital da Paraíba, terá na produção local a sua grande estrela. De 6 a 12 deste mês, cinemas da Rede Cinépolis, no Manaíra Shopping, exibirão seis longas-metragens paraibanos e seis brasileiros, em duas mostras competitivas (Sob o Céu Nordestino e Mostra Nacional).

A mostra Sob o Céu Nordestino foi criada há três anos, mas compunha sua programação com filmes realizados por cineastas nascidos no Nordeste ou filmados na região. Este ano, fato único na história da Paraíba, serão exibidos apenas longas locais. Não sobrou espaço nem para os poderosos vizinhos pernambucanos, que há duas décadas transformaram-se na mais importante vitrine do cinema realizado no Nordeste.

Além de contar com seis longas paraibanos, o Aruanda registra outro fato excepcional: das seis produções selecionadas, cinco são ficcionais. Apenas uma se construiu como documentário. A terra adotiva de Linduarte Noronha, autor do seminal curta-metragem que batiza o festival (“Aruanda”, 1960), e de Vladimir Carvalho (“O País de São Saruê”), parecia viver atada à tradição documental. Pois “Beiço de Estrada”, de Eliézer Rolim, “Ambiente Familiar”, de Torquato Joel, “Estrangeiro”, de Edson Lemos de Axatou, “Rebento”, de André Morais, e “Sol Alegria”, de Tavinho e Mariah Teixeira, vieram quebrar a escrita. Só Beltrand Lira, professor da Universidade Federal da Paraíba, assina um longa documental, “Seu Amor de Volta, mesmo que Ele Não Queira”.

O que levou um estado com participação modesta na produção de longas-metragens a acumular num só ano — tendo como vitrine privilegiada seu principal festival — cinco ficções e um documentário?

Com a palavra, o criador e diretor do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, Lúcio Vilar, também cineasta e professor da UFPB:

Este fato (seis longas paraibanos num só ano) não encontra precedente em nossa cinematografia. Este momento ímpar, que comemoramos com esta edição especialíssima da mostra Sob o Céu Nordestino, se deve, em primeiro lugar, ao Edital Walfredo Rodriguez, criado pela Funjope (Fundação Cultural da Prefeitura de João Pessoa), em 2012, e que, nestes últimos anos, contou com aporte da Ancine (Agência Nacional de Cinema).

O Prof. Da UFPB lembra que, com exceção de “Estrangeiro”, produzido por alunos do curso de Cinema da Universidade Federal da Paraíba, os outros cinco foram selecionados e apoiados por edições do Edital Walfredo Rodriguez. E coloca ênfase na presença avassaladora de obras ficcionais: “nossa história cinematográfica sempre teve no documentário sua maior expressão. Agora, estamos quebrando tabu que nos acompanha desde o século passado, estamos superando uma dificuldade que parecia crônica”. E adiciona: “No primeiro semestre de 2019, teremos mais dois longas-metragens paraibanos concluídos” (o longa documental “Jackson na Batida do Pandeiro”, de Marcus Vilar e Cacá Teixeira, e o ficcional “Desvio de Conduta”, de Arthur Lins).

Lúcio Vilar, premiado no Cine PE com o curta “O Menino e Bagaceira”, e autor de “Kohbac – A Maldição da Câmara Vermelha” (sobre perseguição a Linduarte Noronha, por causa de uma “subversiva” câmara de filmar soviética), arremata: “nosso pioneiro Walfredo Rodriguez , quase um século depois de sua peleja cinematográfica na Paraíba, transforma-se no signo deste redirecionamento de nossa produção cinematográfica, graças à correção de política pública pela Prefeitura de João Pessoa”. Via edital, “a instituição pôde somar-se à pujança do audiovisual brasileiro, cada vez mais presente em todas as regiões”.

Para refletir sobre esta significativa safra de longas paraibanos, o Festival Aruanda organizou debates de todos os filmes e painel de nome longo e instigante: “Cinema Paraibano de Longa-Metragem Pede Passagem: Editais, Tecnologia, Regionalização da Produção, Diversidade Temática e Fortalecimento do Fundo Setorial do Audiovisual na Paraíba”. À mesa, se sentarão os cineastas Bertrand Lira, Marcus Vilar, Eliézer Rolim, André Morais, Tavinho Teixeira, o jovem Edson Lemos Akatou e o presidente da Funjope, Maurício Buriti. Lúcio Vilar, que dirigiu a instituição quando o Edital Walfredo Rodriguez ganhou relevo, vai moderar o debate.

Os seis longas-metragens paraibanos serão avaliados por um júri 100% feminino. Marília Franco, professora da ECA-USP, Suyene Corrêa, da Universidade Federal de Sergipe, e a cineasta pernambucana Katia Mesel escolherão o filme, atores e técnicos que farão jus aos Troféus Aruanda.

Entre todos os longas paraibanos, o que chama mais atenção é “Beiço de Estrada”. E por razão especial: trata-se de adaptação cinematográfica de uma das montagens teatrais mais famosas da Paraíba. No começo da década de 1980, um grupo de jovens de Cajazeiras, sob o comando de Eliézer Rolim, uniu-se no Grupo Terra e criou a peça “Beiço de Estrada”. A montagem foi selecionada, algum tempo depois, pelo Projeto Mambembão, do MEC, para percorrer o país e recebeu ótimas críticas na imprensa do centro-sul. A cineasta Suzana Amaral procura, na ocasião, uma jovem atriz nordestina para protagonizar seu primeiro longa-metragem, “A Hora da Estrela”, adaptação de romance homônimo de Clarice Lispector. Recebeu, então, recomendação para que assistisse a “Beiço de Estrada” e prestasse atenção em Marcélia Cartaxo, um dos destaques do elenco. A jovem foi escolhida, protagonizou o filme e ganhou, por seu trabalho, o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim.

Passadas mais de três décadas, Eliézer Rolim resolveu transformar a peça em filme e convocou para o elenco os veteranos Darlene Glória (que interpreta uma prostituta) e Jackson Antunes, cantor e ator de muitas telenovelas e filmes. E, para o papel que foi de Marcélia, escalou outra nordestina: a ex-Miss Paraíba Mayana Neiva, que vive nos EUA, mas tem presença frequente na dramaturgia da TV Globo e desempenhou um dos principais papeis do longa “Para minha Amada Morta”, de Aly Muritiba.

Conseguirá “Beiço de Estrada”, o filme, a mesma repercussão da peça que conseguiu romper as fronteiras de Cajazeiras e revelar Marcília Cartaxo e o notável clã Lira (Soia e Nanego, em especial)? Eis a questão.

A décima-terceira edição do Festival Aruanda, que nasceu como competição de curtas-metragens, mas logo incorporou, também, a competição de longas, prossegue este ano como uma novidade: estabeleceu tema único para sua seleção nacional. Todos os filmes escolhidos têm a ver com música.

Tal opção transformou o Aruanda num mix do Festival É Tudo Verdade com o Mimo – Cinema e Música. Dos seis concorrentes aos troféus Aruanda, quatro são documentários (“Mussum, um Filme do Cacildis”, de Susana Lira, sobre o humorista que integrou o conjunto Originais do Samba, “Clementina”, de Ana Rieper, “Adoniran, meu Nome é João Rubinato”, de Pedro Serrano, e “Som, Sol & Surf: Saquarema”, de Hélio Pitanga), uma ficção (o carioca “Simonal”, de Leonardo Domingues) e um híbrido (o pernambucano “Azougue Nazaré”, de Tiago Melo). Os prêmios de interpretação se restringirão, portanto, a apenas duas equipes: a de atores profissionais, como Fabrício Boliveira e Isis Valverde (Simonal e esposa), ou os atores naturais de “Azougue Nazaré”.

Além de “Todas as Canções de Amor”, que abrirá o Aruanda na noite desta quinta-feira, junto com o curta “Ary Barroso, Ele Era Assim”, de Ângela Zoé, o festival exibirá dois longas-metragens documentais, em caráter hors concours: “Torre das Donzelas”, de Susana Lira, e “Humberto Mauro”, dirigido pelo ator (e sobrinho-neto do patriarca do cinema brasileiro) André Di Mauro. O primeiro filme, sobre presas políticas, incluindo Dilma Roussef, que, durante a ditadura militar foram encarceradas no presídio Tiradentes, recebeu prêmios no Fest Brasília (Especial do Júri) e no Festival do Rio (melhor documentário). Já “Humberto Mauro” passou por Veneza Classics e foi selecionado para diversos festivais brasileiros.

O Aruanda vai homenagear a atriz brasiliense-carioca Patrícia Pillar, o ator mexicano-brasileiro Chico Diaz e o pesquisador e cineasta paraibano Wills Leal. O trabalho dos três será tema de debates que reunirão os próprios homenageados e estudiosos de suas criações no teatro, cinema, TV (e pesquisa, no caso de Leal).

Dois filmes de Patrícia Pillar (“Zuzu Angel”, que ela protagonizou, e “Waldick, Sempre no meu Coração, que ela dirigiu) serão apresentados em horários alternativos do festival. E ela estará no centro de mesa que discutirá a macrossérie “Onde Nascem os Fortes” (Entre a TV e o Cinema – Novos Caminhos da Renovação da linguagem). Também debaterão o trabalho comandado pelo diretor José Luiz Villamarim os atores Zezita Matos e Nanego Lira, e o fotógrafo (e um dos diretores de “Onde Nascem os Fortes”) Walter Carvalho.

Walter, que ministrará masterclass sobre seus ofícios, tornou-se um dos principais diretores de fotografia do país e, como o cinema paraibano contemporâneo, dividiu-se entre a ficção (“Cazuza”, “Budapeste”) e o documentário (“Raul Seixas”, “Brincante”, “Um Filme de Cinema” etc). Já o irmão, paraibano como ele, Vladimir Carvalho, dedica-se, com fidelidade rara, ao sacerdócio do documentário.

Doze curtas-metragens complementam a programação do Aruanda. Três são paraibanos (“Rasga Mortalha”, de Patrícia Aquino, “Ultravioleta”, de José Nunes, e “De Vez em Quando, Quando Eu Morro, Eu Choro”, de R.B. Lima), dois gaúchos (“Fè Mye Talé”, de Henrique Lahude, e “Formidável Fabriqueta de Sonhos da Menina Betina”, de Tiago Ribeiro), dois pernambucanos (“Reforma”, de Fábio Leal, e “Edney”, de J.R. Cintra), dois paulistas (“Passo”, de Sérgio Rizzo, e “Distúrbio”, de Claudia Ribeiro), um capixaba (“Divina Luz”, de Ricardo Sá), um carioca (“Abismo”, de Ivan Angelis) e um brasiliense (“Roda da Fortuna”, de Luciano Porto).
O Festival Aruanda entregará seus prêmios no dia 12, antes de homenagear a memória de Roberto Farias (1932-2018), com a exibição de “Roberto Carlos a 300 Km por Hora”, parte da trilogia estrelada pelo rei da Jovem Guarda.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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