Oscar 2019
Se “Green Book – O Guia”, de Peter Farrelly, não tivesse derrotado o mexicano “Roma”, de Alfonso Cuarón, o Oscar 2019 entraria para a história do cinema como “o ano da quebra de tabus”.
Afinal, o triunfo de “Roma” na categoria principal estabeleceria dois paradigmas realmente transgressores. Primeiro, a consagração de longa-metragem falado 100% em língua não-inglesa (espanhol e mixteca). Segundo, o reconhecimento de um filme produzido e lançado pelo mais poderoso grupo de streaming do planeta, a Netflix. Ou seja, uma narrativa feita para ser mostrada na TV e não nas salas de cinema convencionais.
“Roma”, não há como negar, obteve desempenho notável na cerimônia do Oscar, ao conquistar três troféus de grande peso (melhor filme estrangeiro, diretor e fotografia). Mas, ao não receber o prêmio principal, a Academia de Hollywood reafirmou sua natureza: consagrar (não se sabe até quando) o filme realizado para celebrar a indústria cinematográfica, aquela que tem nas salas de cinema sua razão de ser.
Em breve, grandes estúdios de cinema (como a Disney, de “Pantera Negra”) lançarão seus serviços de streaming. Mas, por enquanto, a Netflix ainda é vista com desconfiança. Este, aliás, fora o recado explícito do poderoso Sindicato dos Produtores de Cinema dos EUA, quando, semanas antes, escolhera “Green Book” como o melhor filme do ano. Estava dado o sinal.
A maioria dos nove mil acadêmicos captou a mensagem: eleger “Green Book” era reafirmar a defesa do cinema como se fizera ao longo das 90 edições (esta foi a nonagésima-primeira) do Oscar.
No mais, a festa celebrou em grande estilo (e desta vez sem parecer interminável) o cinema e a diversidade. Spike Lee, finalmente, ganhou sua primeira (e tardia) estatueta: a de melhor roteiro adaptado, por “Infiltrado na Klan”, escrito com três parceiros. Atores e técnicos negros brilharam. Regina King e Mahersala Ali foram os melhores coadjuvantes (ela, por “Se a Rua Beale Falasse”, ele, por “Green Book”) e Jay Hart, melhor direção de arte por “Pantera Negra”. Havia muitos astros black (como Samuel L. Jackson e Angela Basset) nas duplas que entregavam prêmios e na plateia do monumental Dolby Theatre de Hollywood.
A diversidade marcou, também, o discurso de Rami Malek, o Fred Mercury, protagonista absoluto de “Bohemian Rhapsody”. O jovem, que derrotou Christian Beale (em notável interpretação do vice presidente Dick Channey), lembrou que era filho de imigrantes egípcios, portanto um norte-americano de primeira geração. Mas coube a Spike Lee o discurso mais irreverente e político da noite.
O elétrico novaioquino, de 61 anos, ex-aluno e hoje professor de Cinema na New York University, vestiu-se inteiro de roxo, incluindo óculos e boné. Nas mãos, levava imensos anéis estilo gangsta com as palavras “hate” (ódio) e “love” (amor). E por que acessório tão dissonante em noite de joias e brilhantes caríssimos?
Spike Lee esclareceu, depois de lembrar a origem escrava de seus ancestrais e de homenageá-los: “as eleições estão próximas, façam a coisa certa, não votem no ódio”. Todo mundo sabe que ele é crítico feroz da gestão Donald Trump.
Outro agradecimento digno de nota foi o de Alfonso Cuarón, homem de múltiplos instrumentos (diretor, produtor, fotógrafo e montador), único na história da Academia a ser laureado (numa mesma edição) como melhor diretor e melhor fotógrafo. O mexicano evocou Billy Wilder para homenagear um conterrâneo.
Segundo Cuarón, o diretor de “Crepúsculo dos Deuses” mantinha, em seu escritório, placa que dizia “o que faria Lubitsch?” Ou seja, como agiria Lubitsch naquela determinada situação?
No caso dele, Cuarón, a pergunta é “o que faria Lubeski”? Wilder referia-se ao diretor Ernst Lubitsch (1892-1947). Cuarón, ao conterrâneo Emmanuel Lubeski, 54 anos, diretor de fotografia e detentor de três estatuetas por seu trabalho em filmes como “O Regresso”, “Gravidade” e “Birdman”.
A nova derrota de Glenn Close como melhor atriz (sete tentativas) não deve desanimar a grande intérprete. Afinal, ela perdeu para a inglesa Olivia Colman, a magnífica intérprete da Rainha Anne, lésbica e de saúde frágil, no atrevido “A Favorita”. Olívia é uma grande atriz, num grande filme. Glenn Close, uma grande atriz, mas num filme apenas mediano (“A Esposa”). Nesta categoria, a Academia fez a coisa certa.
O Brasil teve presença fugaz, mas emocionante, na cerimônia do Oscar. Na hora de apresentar os que se foram entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2019 (sob acordes de Sinfônica regida pelo venezuelano Gustavo Duhamel), nos deparamos com imagem em preto-e-branco de Nelson Pereira dos Santos, o diretor de “Vidas Secas”. Junto com ele, retratos de outros grandes que partiram: Bernardo Bertolucci, Ermano Olmi, Vittorio Taviani, Stéphane Audran, Claude Lanzman, Milos Forman, Bruno Ganz, Albert Finney.
Confira os vencedores do Oscar 2019:
. “Green Book, o Guia” – melhor filme, ator coadjuvante (Mahersala Ali), roteiro original
. “Roma” – melhor filme estrangeiro, melhor direção (Alfonso Cuarón), melhor fotografia (Alfonso Cuarón)
. “Bohemian Rhapsody” – melhor ator (Rami Malek), montagem (John Ottman), edição de som, mixagem de som
. “Pantera Negra” – melhor figurino (Ruth Carter), direção de arte (Jay Hart), trilha sonora original (Ludwig Goransson)
. “A Favorita” – melhor atriz (Olívia Colman)
. “Infiltrado na Klan” – melhor roteiro adaptado (Spike Lee, Charlie Watchel, David Rabinowitz, Kevin Willmont)
. “Vice” – melhor maquiagem e penteados (Greg Cannon, Kate Biscoe, Patricia Dehaney)
. “Nasce uma Estrela” – melhor canção original (“Shallow)
. “Se a Rua Beale Falasse” – melhor atriz coadjuvante (Regina King)
. “O Primeiro Homem” – melhores efeitos especiais (Paul Lambert, Ian Hunter e Tristan Muller)
. “Free Solo” – melhor longa documental
. “Homem Aranha no Aranhaverso” – melhor longa de animação
.”Skin” – melhor curta-metragem de ficção
. “Bao” – melhor curta-metragem de animação
. “Absorvendo o Tabu” – melhor curta documental
Por Maria do Rosário Caetano