O Brasil em Cannes com “Bacurau”, “A Vida Invisível…” e “O Traidor”

Por Maria do Rosário Caetano

Kleber Mendonça voltará a disputar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, que realiza sua septuagésima-segunda edição, de 14 a 25 de maio, com seu quarto longa-metragem, “Bacurau”, parceria com Juliano Dornelles. Além da dupla pernambucana, o Brasil se fará representar (na mostra Un Certain Regard) pelo cearense Karim Aïnouz, com “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, com Fernanda Montenegro, Gregório Duvivier e Carol Duarte no elenco, e por “O Traidor”, do italiano Marco Bellocchio.

Por que colocar um filme do mestre pensinsular, autor de clássicos como “De Punhos Cerrados”, “Bom Dia, Noite” e “Vincere”, na cota brasileira? Por tratar-se de parceria real entre Itália e Brasil. “O Traidor” tem a atriz Maria Fernanda Cândido no elenco, parte de suas filmagens realizadas no Rio de Janeiro e a produtora paulistana Gullane como parceira. As locações cariocas foram necessárias, porque foi aqui que o mafioso Tommaso Buscetta (1928-2000) encontrou guarida temporária, até ser extraditado para a Itália e delatar mais de 300 mafiosos.

Kleber Mendonça regressa ao mais famoso festival de cinema do mundo, depois de ruidosa participação com “Aquarius”, três anos atrás. Nas escadarias do Palácio do festival, o cineasta pernambucano e sua equipe artística protestaram contra o “golpe contra o governo eleito de Dilma Roussef”. A partir de então, sua vida artística e civil sofreu revezes. Foi montado júri carimbado para impedir que “Aquarius” representasse o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro e abriu-se processo contra sua produtora, a Cinemascópio, para obrigá-la a devolver mais de R$ 2 milhões à Ancine. Mesmo assim, o cineasta continuou exercitando sua criatividade. Agora, em parceria com o curta-metragista (do ótimo “Mens Sana in Corpore Sano”) e grande diretor de arte (inclusive de “O Som ao Redor” e “Aquarius”) Juliano Dornelles.

Cena de "O Traidor", de Marco Bellocchio © Marcio Amaro

A seleção oficial da principal competição cannoise coloca, na disputa, pesos-pesados como os Irmãos Dardenne (“Young Ahmed”, Bélgica), o inglês Ken Loach (“Sorry We Missed You”), o espanhol Pedro Almodóvar (“Pão e Glória”), os estadunidenses Terrence Malick (“A Hidden Life”) e Jim Jarmusch (”The Dead Don’t Die”) e o italiano Marco Bellocchio (“O Traidor”).

Completam a seleção, o romeno Corneliu Porumboiu (“The Whistlers”), o palestino Elia Suleiman (“It Must Be Heaven”), os franceses Céline Sciamma (“Portrait of a Lady on Fire”), Justine Triet (“Sibyl”), Ladj Ly (“Les Misérabeles”) e Arnaud Desplechin (“Oh Mercy”), o chinês Diao Yinan (“The Wild Gosse Lake”), o coreano Bong Joon-ho (“Parasite”), a senegalesa Mati Diop (“Fire Next Time”), o canadense Xavier Dolan (“Matthias et Maxime”), a austríaca Jessica Hausner (“Little Joe”), e o estadunidense Ira Sachs (“Frankie”).

O quarto longa-metragem de Kleber Mendonça, 50 anos – ele estreou com o longa documental “Crítico”, em 2008, depois de bem-sucedida carreira como jornalista, crítico de cinema e curta-metragista –, era definido em suas origens como um mergulho do realizador (e de seu parceiro Juliano Dornelles) no gênero terror. Mas, informações contidas no material de divulgação definem o filme como um mix de “aventura e ficção científica”. Ou “um western brasileiro”.

À frente do elenco, as brasileiras Sonia Braga (“Dona Flor”, “Aquarius”), Karine Teles (“Que Horas Ela Volta?”, “Benzinho”) e Barbara Colen (“Aquarius”), e o alemão Udo Kier (“Berlin Alexanderplatz” e “Melancolia”). E, como é do gosto de Kleber e Dornelles, com muitos (e bons) atores nordestinos como Silvero Pereira, Thomas Aquino, Antonio Saboia, Rubens Santos, Luciana Souza, Rodger Rogério e a cantora Lia de Itamaracá (que brilhara no luminoso final do curta “Recife Frio”).

A narrativa de “Bacurau” situa-se em lugar ermo, o sertão do Seridó, localizado na divisa entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba. Os moradores de um pequeno (e fictício) povoado sertanejo, de nome Bacurau, dá adeus a Dona Carmelita (Lia de Itamaracá), mulher forte e querida, falecida aos 94 anos. Dias depois, os moradores do lugarejo perceberão que sua comunidade não consta mais nos mapas.

Kleber Mendonça lembrou, no material de divulgação do filme, que “Bacurau” é “um trabalho de muitos anos (ele aprimorou a ideia com Dornelles ao longo da última década), feito com os colaboradores próximos de sempre e alguns outros novos”. E mais : “creio que esse longa-metragem é o resultado da nossa relação com os filmes e as pessoas que amamos e que nos formaram, com Pernambuco, com o Brasil e com o mundo”.

Juliano Dornelles, por sua vez, registrou que “Bacurau é um projeto desenvolvido desde 2009, “quando era só uma ideia, até ser filmado no ano passado”. Enquanto “o roteiro se transformava, o país e nosso cotidiano também se modificavam”. Estrear em Cannes nesse ano de 2019 – pondera – “é dar um lugar de respeito ao Brasil, ao seu cinema e à sua cultura.”

A fotografia de “Bacurau” traz a assinatura do pernambucano Pedro Sotero, som (aspecto que Kleber e Dornelles sobrevalorizam) de Nicolas Hallet, direção de arte de Thales Junqueira e produção (brasileiro-francesa) de Emilie Lesclaux, Said Ben Said e Michel Merkt.

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