O Jovem Ahmed

Por Maria do Rosário Caetano

“O Jovem Ahmed”, décimo-sexto longa-metragem dos irmãos Dardenne (Jean-Pierre, de 68 anos, e Luc, de 65), estreia nesta quinta-feira, 20 de fevereiro, no circuito de arte brasileiro. O filme, que introduz nova temática – o radicalismo religioso – no universo cinematográfico dos festejados realizadores belgas, rendeu a eles o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, ano passado.

Os Dardenne mantêm poderosa relação com o festival francês. Ganharam duas Palmas de Ouro (com “Rosetta”, em 1999, e “A Criança”, em 2005). Depois, foram laureados com o “melhor roteiro”, por “O Silêncio de Lorna”, e o Grande Prêmio do Júri, por “O Garoto da Bicicleta”. No total, são cinco reconhecimentos no maior e mais badalado festival de cinema do mundo.

Além de diretores e roteiristas, os irmãos, com sua produtora Les Films du Fleuve, têm participado da produção de dezenas de longas belgas e internacionais. Caso de “O Exercício do Poder”, de Pierre Schoeller, “Ferrugem e Osso”, do francês Jacques Audiard, e de “Heli”, do mexicano Amat Escalante. A folha de serviços cinematográficos da dupla é imensurável e eles são festejados, com entusiasmo e renovado interesse, pelos que acompanham suas carreiras.

No Brasil, depois da consagração de “Rosetta”, todos os filmes da dupla chegaram aos nossos cinema. Inclusive “A Promessa”, realizado três anos antes da trágica história da jovem que buscava inserção no mercado de trabalho belga. Este filme causou tamanho impacto em seu país, que deu origem à Lei Rosetta, de inserção de jovens no mundo laboral.

Todos os cinéfilos sabem que os Dardenne contam histórias contemporâneas, praticam o realismo crítico, fazem filmes baratos (nunca assinaram uma superprodução), têm imenso interesse por crianças e jovens e adotaram o jeito de filmar que coloca a câmera rente aos corpos de seus atores. De forma que seus planos muito próximos e realizados em longas sequências (portanto com poucos cortes), nos colocam em total comunhão com suas criaturas. Embora já tenham dirigido atrizes famosas como Marion Cotillard (“Dois Dias, Uma Noite”), Cecile de France (“O Garoto da Bicicleta”) e Adèle Haenel (“A Garota Desconhecida”), eles estão sempre revelando novos atores. Se hoje o veterano Olivier Gourmet é nome recorrente em importantes elencos de expressão francesa (mesmo caso de Jérémie Renier), ele deve tudo aos primeiros e austeros filmes da dupla belga.

Quem for assistir a “O Jovem Ahmed” encontrará um filme humanista, sintético (apenas 84 minutos), colado aos personagens, em especial a seu jovem protagonista, o estreante Idir Ben Addi. Ele dá vida a Ahmed, estudante muçulmano de 13 anos, que vive numa cidade belga. Sob influência da pregação de um imã local (Othomene Mounon) e inspirado nos passos do primo extremista (que tornou-se mártir na Síria), o garoto começa a rejeitar a autoridade da mãe (e a recriminá-la, por consumir bebida alcoólica) e a condenar a irmã (Cyra Lassman), por usar roupas decotadas. Mas o alvo principal de sua indignação é a professora Inès (Myriem Akheddiou).

É contra a mestra que ele dirigirá sua ira religiosa. Ahmed entende que ela é uma pecadora, já que ousa ministrar curso de língua árabe sem ter o Corão como base e até utilizando música como instrumento didático. E, mais, capaz de namorar um rapaz judeu. Por isto, decide matá-la. Ele espera, com tal e extremo gesto, impressionar os líderes religiosos e agradar a Alá.

Ahmed acabará submetido, por vontade da família, a programa de ressocialização (tentativa de afastá-lo do fanatismo religioso), sob atendimento de psicólogo e educadores. Um dia por semana, terá que prestar serviços manuais em uma fazenda. É na lida no campo que ele conhecerá a adolescente Louise (Victoria Bluck). O garoto desistirá de sua cruzada contra os “impuros”?

“O Jovem Ahmed” não está entre os melhores momentos das obras dos irmãos Dardenne. Eles ainda não superaram “Rosetta”, “A Criança” e o originalíssimo e perturbador “O Filho”. Este, um filme, que, visto pela primeira vez, causa funda emoção no espectador. Afinal, propõe, sem nenhuma chantagem emocional, trama (um dilema) impressionante: um carpinteiro (o belga Olivier Gourmet) dá oportunidade a um menor (Morgan Marinne) condenado por ter cometido um crime. Na oficina, o garoto desempenhará trabalho que deve ajudar em sua ressocialização. Só que o jovem (por cuja morte o garoto foi punido) era ninguém mais, ningém menos que o filho do marceneiro.

A complexidade do tema de “O Jovem Ahmed” – o que leva um adolescente a querer matar sua professora tendo como única motivação princípios religiosos? – exigiria mais elaboração. Os atos do estudante belga de origem árabe, que se torna um fanático religioso, parecem, às vezes, inconvicentes. Mesmo que a adolescência seja fase de autoafirmação, na qual se busca afrontar os mais velhos, em especial a autoridade familiar. E, também, instituições como a escola.

Registre-se, porém, que, mesmo sem o vigor mostrado no final dos anos 1980, começo dos 1990, os Dardenne seguem como criadores sensíveis e antenados com seu tempo. Depois de realizarem cinco longas documentais e dez ficções (onze, com “Ahmed”), Jean-Pierre e Luc ainda são capazes de nos apresentar filmes instigantes, nunca banais.

 

O Jovem Ahmed
Bélgica/França, 84 minutos, 2019
Direção: Jean-Pierre e Luc Dardenne
Elenco: Idir Ben Addi, Olivier Bonnaud, Myriem Akheddiou, Victoria Bluck, Claire Bodson, Othmane Moumen
Distribuição: Imovision

 

FILMOGRAFIA
Jean-Pierre Dardenne (1951), Luc Dardenne (1954)

1978 – “O Canto do Rouxinol” (doc)
1980 – “Para que a Guerra Acabe, Os Muros Devem Cair” (doc)
1981 – “R. Não Responde Mais” (doc)
1982 – “Lições de Uma Universidade Volante” (doc)
1983 – “Olhe Jonathan, Jean Louvet, sua Obra” (doc)
1987 – “Falsch” (ficção)
1992 – “Eu Penso em Você” (fic)
1996 – “A Promessa” (fic)
1999 – “Rosetta” (dic) – Palma de Ouro em Cannes
2002 – “O Filho” (fic)
2005 – “A Criança” (fic) – Palma de Ouro
2008 – “O Silêncio de Lorna” (fic) – melhor roteiro (Cannes)
2011 – “O Garoto da Bicicleta” (fic) – Grande Prêmio do Júri (Cannes)
2014 – “Um Dia, Uma Noite” (fic)
2016 – “A Garota Desconhecida” (fic)
2019 – “O Jovem Ahmed” (fic) – melhor direção (Cannes)

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