Streaming: onde encontrar filmes brasileiros em plataformas digitais?

Por Maria do Rosário Caetano

As plataformas de streaming costumam oferecer boa quantidade de filmes brasileiros a seus assinantes? Ou estão totalmente tomadas pelo cinema estrangeiro, em especial o produzido nos EUA?

Há concentração, quando se verifica oferta brasileira, nos títulos da produção recente, caso da bem-sucedida trilogia de Paulo Gustavo (“Minha Mãe É uma Peça 1, 2 e 3”)? Ou há, também, espaço para filmes antigos, inclusive os poucos que restaram da fase muda? E para as chanchadas e o ciclo da Vera Cruz? Ou os grandes momentos do Cinema Novo ou do Cinema “Marginal” ou de Invenção?

É possível assistir a mostras completas de grandes nomes da história do cinema brasileiro? Ou seja, todos os filmes de Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Rogério Sganzerla, Júlio Bressane. E eles são disponibilizados em boas cópias?

A exemplo de outros países – como México, Argentina e Rússia –, há oferta em plataforma mantida por organismos estatais (ou a Mosfilm, no caso russo)?

O que faz um professor universitário que pesquisa cinema? Onde ele encontra boas cópias de filmes antigos?

Para responder a estas perguntas, a Revista de CINEMA ouviu Laís Bodanzky, da Spcine, André Sturm, do Petra Belas Artes à la Carte, Igor Kupstas, da O2 Play, além de produtores, cineastas e pesquisadores de cinema.

Uma das perguntas tem resposta concreta: há filmes brasileiros disponíveis, sejam de curta, média ou longa duração, na Spcine Play, no Canal Brasil Play, no Vídeo nas Aldeias (cinema indígena), no Afroflix, este dedicado ao cinema de autores e temática afro-brasileiros, no Petra Belas Artes à la Carte, no Porta Curtas, no Mubi, na Cinemateca Brasileira, no Olhar de Cinema, na Tamanduá/Canal Curta!, no iTunes, Google Play, Vivo, Looke, Now, Globo Play, Apple e, até, na Netflix, Amazon e HBO.

Há, porém, que constatar: quanto maior for a plataforma, mais poderosa, menos espaço a produção brasileira encontrará em sua lista de ofertas. Menor será a vitrine, a exposição. Raramente títulos aqui produzidos serão ofertados, de forma sedutora, na tela de apresentação do cardápio de filmes e séries.

São raras, para não dizer inexistentes, as ofertas de ciclos do cinema brasileiro e obra completa de realizadores, por mais destacados que sejam. A cineasta Paloma Rocha testemunha ser impossível assistir, no streaming, à obra completa do pai, o baiano Glauber Pedro de Andrade Rocha (1939-1981). E dá um irônico testemunho: “há distribuidoras capazes de alegar que ‘Terra em Transe’ está fora de sincronia”. Ou seja, ao mais importante título do autor da Trilogia da Terra – eleito um dos dez maiores filmes brasileiros de todos os tempos, admirado por Martin Scorsese – faltaria “qualidade técnica”.

Neste exato momento, em que o acesso digital ganha imenso vulto por causa da pandemia do coronavírus, a Spcine vem chamando significativa atenção do público cinéfilo. Afinal, tornou-se vitrine privilegiada (junto com o Itaú Cultural) da versão online do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários. Com a quarentena sanitária, o evento foi adiado para setembro, mas resolveu comemorar seus 25 anos exibindo duas poderosas séries: a francesa “A Herança da Coruja”, de Chris Marker, e a britânica “Women Make Film”, de Mark Cousins.

A cineasta Laís Bodansky, que preside a Spcine, lembra que a empresa, mantida pela Prefeitura de São Paulo, “mantém diversos filmes brasileiros em seu catálogo, desde produções mais recentes, como os documentários “O Caso do Homem Errado”, de Camila de Moraes, e “São Paulo em Hi-Fi”, de Lufe Steffen, e a ficção “Meu Amigo Hindu”, de Hector Babenco. E há, também, títulos quase cinquentenários, como “São Bernardo”, de Leon Hirszman (1973) e “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, de Babenco (1976). E quarentões, como “O Homem que Virou Suco”, de João Batista de Andrade (1980).

No terreno do cinema feminino, no qual Laís se destaca como realizadora das mais festejadas, há, no catálogo da Spcine, filmes como o excelente “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral (1985), e vários títulos de Ana Carolina, como “Mar de Rosas”, “Das Tripas Coração” e “Sonho de Valsa”.

O cineasta, distribuidor e exibidor André Sturm está aproveitando o período de imensa demanda por produtos audiovisuais (com os cinemas, inclusive o dele na Consolação paulistana, fechados) para divulgar sua plataforma de streaming (a Petra Belas Artes à la Carte). A vocação da empresa é o cinema de arte, em especial o europeu e o asiático (destaque para filmes franceses, italianos, espanhóis, russos e japoneses), sem esquecer clássicos dos EUA e da América Latina (caso do cubano “Morte de um Burocrata”, de Gutierrez Alea, e de dois “Darin movie”, “Truman” e “Uma Pistola em Cada Mão”).

Sturm lembra que o Belas Artes digital conta com “uma seleção de filmes brasileiros, muitos de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, outros tantos de Hector Babenco, e alguns documentários, caso de ‘Samba Riachão’, de Jorge Alfredo Guimarães”. Entre estes títulos nacionais, estão disponibilizados, e não poderia ser diferente, dois longas-metragens do próprio comandante do Belas Artes: “Bodas de Papel”, com o argentino Darío Grandinetti, e “Sonhos Tropicais”. Este, com tema da hora: a revolta da vacina contra campanha sanitária empreendida por Oswaldo Cruz, no Brasil do começo do século XX.

O Canal Brasil Play é, entre os que se dedicam à difusão do cinema brasileiro, o que dispõe do maior acervo, principalmente no que se refere à produção contemporânea. O canal, nascido para ser uma espécie de “cinemateca televisiva do cinema nacional”, disponibiliza também títulos clássicos no on demand de operadoras de TV por assinatura e no canal próprio, o Canal Brasil Play.

Para esta época de quarentena, o streaming do Canal Brasil oferece a seus espectadores (assinantes ou não), a “título de degustação, por um mês”, a chance de assistir, gratuitamente, a alguns clássicos do cinema brasileiro. Para ajudar na escolha, foram destacados quatro longas realizados na década de 1960 e essenciais à história de nossa cinematografia: “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, premiado em Berlim, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe” e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, os três de Glauber Rocha. E um título de Bruno Barreto, “O Beijo no Asfalto” (1981).

No terreno dos filmes clássicos, a melhor pedida é acessar o Banco de Conteúdos Culturais (BCC), da Cinemateca Brasileira, que disponibiliza 300 títulos de curta, média e longa-metragem. A quantidade parece mínima se levarmos em conta que, cálculos aproximados, dão a crer que, em doze décadas, foram produzidos perto de 6 mil longas-metragens e 20 mil curtas e médias (claro que parte significativa desapareceu em incêndios e inundações). Até “Quelé do Pajeú”, um nordestern de Anselmo Duarte, realizado em 1969, era dado como perdido. Mas, como lembra o pesquisador Donny Correia (ver depoimento abaixo), esta produção em cores, com Tarcísio Meira no papel título, foi resgatada e, depois, exibida pelo Canal Brasil.

Quem dispuser de muita paciência poderá assistir (no BCC da Cinemateca Brasileira) a filmes do acervo do INCE – Instituto Nacional do Cinema Educativo, em especial aos documentários de Humberto Mauro (1897-1983), incluindo os clássicos “A Velha a Fiar” e curtas sobre cidades históricas de Minas Gerais, como Ouro Preto, Sabará e Congonhas. Poderá também assistir a raridades da era muda, como os filmes de José Medina (1894-1980): “Exemplo Regenerador”, de 1919, e “Fragmentos da Vida”, de 1929.

Alguns dos filmes de Glauber Rocha também estão no BCC da Cinemateca. Mas, como lembra Carlos Alberto Mattos, crítico e autor de livros sobre Eduardo Coutinho, Capovilla e Bodanzky, “o carregamento se dá de forma muito lenta e a marca d’água é imensa, dois fatores que prejudicam a plena fruição”.

Igor Kupstas, que comanda a O2 Play, conta que os títulos desta jovem distribuidora (parte da poderosa empresa de Fernando Meirelles e sócios) estão “em praticamente todas as plataformas”, já que “somos agregadores de conteúdo e colocamos os filmes, diretamente, no iTunes, Google Play, Now, Vivo, Looke, Netflix, Amazon, entre outras”. Graças aos esforços de Kupstas, dois cineastas – fato raro no Brasil – têm sua obra disponibilizada integralmente no streaming. São eles, Ugo Giorgetti e Toni Venturi.

Giorgetti dirigiu mais de 30 longas, médias e curta-metragens. Entre sua produção ficcional destacam-se “Festa”, premiado em Gramado, “Sábado” e “Boleiros 1 e 2” e, entre os documentários, “Quebrando a Cara”, sobre o pugilista Eder Jofre, e “Uma Outra Cidade”, sobre poetas paulistanos e sua memória da grande metrópole. Toni Venturi, também dedicado à ficção (“Latitude Zero”, “Cabra Cega” e “Estamos Juntos”) e ao documentário (“O Velho”, sobre Luiz Carlos Prestes, “Dia de Festa”, “Rita Cadillac, a Lady do Povo” e “Vocacional, uma Aventura Humana”). Os filmes de Ugo e Toni podem ser acessados no Google Play e iTunes.

Beto Brant indica a quem quiser assistir a filmes brasileiros, que comece consultando o site Filmmelier. Ou seja, “um site do Sofá Digital, que realiza boa curadoria de filmes e indica as plataformas em que eles estão disponibilizados”. No caso dos longas de Brant (do primeiro, “Os Matadores”, passando pelo poderoso “O Invasor” e chegando a “Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios”), boa parte está disponível, seja na Apple TV, iTunes, Google Play, Vivo Play ou Now.

Quem ainda não conhece os filmes do realizador paulistano e seu mais belo curta (“Dov’è Meneghetti”, de 1989) deve começar, claro, pelo raçudo “O Invasor”, com Paulo Miklos, Marco Ricca e Alexandre Borges em ótimas performances. O roteirista do filme, Marçal Aquino, orgulha-se de ser o criador do personagem (um empreiteiro atormentado) que recebeu de Marco Ricca “seu melhor desempenho”.

Da escola audiovisual mineira contemporânea, um filme dos mais representativos está disponibilizado na poderosa Netflix: “Temporada”, de André Novais Oliveira, vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, dois anos atrás. Outros, como “Arábia”, de Affonso Uchôa e João Dumans, e “No Coração do Mundo”, de Maurílio e Gabriel Martins, estão espalhados por plataformas não tão poderosas. Mas, quem, de agora em diante, quiser acompanhar o novo cinema mineiro, deve ficar de olho na Embaúba.

Daniel Queiroz, do comando da nova empresa, explica o funcionamento dessa emergente janela para a exibição de filmes alternativos: “A Embaúba coloca todos os filmes por elas lançados nos cinemas em seu próprio site, para locação em VOD”. Na semana passada, “fizemos nosso primeiro lançamento direto na internet – o documentário ‘Eu Sou o Rio’, de Anne Santos e Gabraz Sanna”. Além deste filme, inédito nos cinemas, a Embaúba oferece mais sete títulos: além de “Arábia”, de Uchôa e Dumans, “A Vizinhança do Tigre”, também de Uchôa, “Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos”, de João Salaviza e Renée Nader Messora, “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diógenes (2018), “A Misteriosa Morte de Pérola”, de Guto Parente e Ticiana Augusto Lima, “Foro Íntimo”, de Ricardo Mehedff, e “Inaudito”, de Gregório Gananian. E anotem: o próximo lançamento da Embaúba será “Jovens Infelizes ou um Homem que Grita Não é um Urso que Dança”, de Thiago Mendonça.

A produtora Assunção Hernandez, da Raiz, conta que os filmes de sua cartela (destaque para “A Hora da Estrela”, “A Dama do Cine Shangai”, “A Próxima Vítima” e “O País dos Tenentes”) estão disponíveis na Spcine, Canal Brasil Play e na rede Tamanduá, braço do Canal Curta!, no streaming.

Anna Muylaert tem seu filme mais famoso – “Que Horas Ela Volta?”, protagonizado por Regina Casé, no Now. O mais recente, “Mãe Só Há Uma”, está na Netflix. E os deliciosos “Durval Discos” e “É Proibido Fumar”, no Youtube. Mesmo espaço de seu curta mais premiado, “A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti”.

Tata Amaral tem “Um Céu de Estrelas”, que ela escreveu com Jean-Claude Bernardet e Fernando Bonassi, no Spcine Play. E seu longa mais recente, “Sequestro Relâmpago”, está no Canal Brasil Play, Now e Telecine Play.

Três dos filmes de Laís Bodanzky estão disponíveis no streaming, graças à distribuição da Gullane Filmes, que mantém sólida parceria com dezenas de empresas (da Apple ao Now, da Google à Sky, do iTunes à Vivo, do Looke ao Youtube, sem falar no Canal Brasil Play). Caso de “Bicho de Sete Cabeças” (Apple, Now e Vivo), “Chega de Saudade” (iTunes e Google) e “As Melhores Coisas do Mundo” (Looke). Há outras ofertas no amplo cardápio da Gullane: o ousado e atmosférico “O Lobo Atrás da Porta”, de Fernando Coimbra (Apple, Now, Google, Vivo, Youtube), o importante documentário “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi (Apple, Now, Google, Vivo), “Bingo, o Rei das Manhãs”, de Daniel Rezende (Sky, Apple, Now, Google, Vivo) e o sensível e cativante “O Ano em que meus Pais Saíram de Férias“, de Cao Hamburger (Now, Google, iTunes e Youtube). A produção internacional “Amazônia”, que a Gullane coproduziu, está na Netflix.

Há produtoras, como a Casa de Cinema de Porto Alegre, ou cineastas, como o documentarista Evaldo Mocarzel, que resolveram colocar boa parte de seus filmes no espaço digital de forma integralmente gratuita.

Mocarzel, que além de cineasta é doutor em Cinema pela USP, abriu espaço próprio no YouTube. “No meu canal”, detalha, “estão curtas e longas-metragens, programas de TV, registros de espetáculos cênicos e de encontros que realizamos nas últimas décadas”, além de “vestígios audiovisuais dos filmes que fizemos em parceria com diversos grupos de teatro de São Paulo”.

Entre os destaques da carreira do prolífico diretor niteroiense radicado em São Paulo, estão a Trilogia Marginal (“À Margem da Imagem”, “do Concreto” e “do Lixo”), o mobilizador “Do Luto à Luta” (seu longa mais conhecido) e registros de grupos teatrais da grandeza do Teatro da Vertigem (que tornou-se nacionalmente conhecido com o impactante “Livro de Jó”, com Matheus Nachtergaele em estado de possessão criativa).

Mocarzel criou, também, uma playlist com parte do material bruto não-utilizado em outros projetos de sua lavra. “Só deixei de fora” – avisa – “o filme que realizei em parceria com a atriz Vera Holtz, o inédito ‘As Quatro Irmãs’”. Pois, “este será lançado em cinema e streaming pela O2 Play”. Também está fora da lista um curta que Evaldo está finalizando em homenagem a um de seus ídolos, o cineasta francês Robert Bresson (1908-2004).

O cardápio do canal de Mocarzel é mesmo amplo e inclui “um pequeno ‘museu’ audiovisual da vitalidade e da efervescência da cena teatral paulistana contemporânea”. Ele finaliza: “criei, também, um blog com todos os filmes, incluindo ainda todos os textos que escrevi: cartas de montagem, peças de teatro, argumentos, roteiros, palestras, artigos sobre Bresson, livros e textos acadêmicos, incluindo a minha tese de doutorado na USP”.

O cineasta, montador e roteirista Giba Assis Brasil, um dos fundadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, conta que a produtora gaúcha já usava “o Vimeo como meio para mostrar filmes a festivais, curadorias e possíveis compradores”. Agora, “neste período de quarentena, decidimos liberar para o público em geral o maior número possível de nossas obras audiovisuais”. Não todas, pois “muitas não podem ser liberadas, porque temos contrato de distribuição em vigor”. Basta ao interessado acessar o site da Casa de Cinema.

“O acesso óbvio” – pondera Assis Brasil – “consiste em assistir no computador, ou no celular (eu não recomendo, mas as novas gerações gostam!). Dá pra ver na Smartv, mas é muito complicado: tem que baixar o aplicativo do Vimeo na TV, entrar no computador e colocar na lista de ‘watch later’. Pouca gente tem essa prática”.

Entre os materiais disponibilizados pela Casa de Cinema, criada em Porto Alegre há 32 anos, destacam-se o longa-metragem “Meu Tio Matou um Cara”, com Lázaro Ramos e Deborah Secco (Jorge Furtado, 2004), curtas de ponta como “Ilha das Flores” (Furtado, 1989) e “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda” (Furtado e Goulart, 1986), os deliciosos “Barbosa” (Furtado e Ana Luiza Azevedo, sobre o goleiro brasileiro da Copa de 1950) e “Um Homem Sério”, que José Roberto Torero roteirizou (a partir de conto de Machado de Assis) e Dainara Toffoli e Diego de Godoy dirigiram. São, no total, 43 títulos, que incluem também, séries como “5 Vezes Érico” (o escritor gaúcho Érico Verissimo) e “Grandes Cenas” (sobre cenas inesquecíveis de filmes brasileiros e hispano-americanos).

Como e onde professores universitários e seus alunos assistem aos filmes que fundamentam suas pesquisas? A Revista de CINEMA fez esta pergunta a três professores-pesquisadores. Eis suas respostas:

Ivonete Pinto, professora da Universidade Federal de Pelotas, da equipe de críticos da revista Teorema e presidenta da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) – “Necessito de filmes de todas as épocas, porque ministro disciplinas envolvendo História do Cinema e Cinema Contemporâneo. Costumava carregar pilhas de DVDs, mas de uns anos para cá, tenho tudo num HD externo com filmes de várias ‘fontes’. Basicamente há, hoje, uma quantidade incrível de filmes (antigos principalmente) no Youtube. Nem sempre a qualidade é boa, mas para exibir trechos eles servem. Consigo muitos filmes em um site de compartilhamento (uso dois, mas é preciso ter convite para entrar). Ali os torrents são confiáveis (sem vírus) e há um bom acervo de filmes brasileiros lançados há mais tempo. Como os utilizo para fins didáticos, não se trata de pirataria. E, literalmente, peço ajuda aos universitários. Meus alunos cavam filmes na internet e me enviam. Além, é claro (no caso de títulos brasileiros) ser possível possível conseguir link com realizadores amigos. Às vezes, mesmo produtores e distribuidoras disponibilizam seus filmes, porque são sensíveis ao fato de que dou aula em Pelotas, uma cidade distante dos grandes centros e cujas salas de cinema, salvo exceções, costumam exibir apenas filmes comerciais. A verdade é que a internet alterou a dinâmica das aulas. Há cerca de 13 anos, quando comecei a dar aula, falava apenas de alguns filmes, de alguns nomes, não havia imagens. Hoje, é só procurar que se encontram filmes de nomes de realizadores como Alice Guy, Maya Deren e Jonas Mekas. Os alunos de Cinema da atualidade têm este privilégio”.

João Luiz Vieira, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), doutor em Cinema pela NYU (New York University), autor de “Câmera-Faca: O Cinema de Sérgio Bianchi” – “Além de que o pessoal tem colocado em suas páginas do Facebook, meus acessos se resumem aos meus próprios DVDs, que não são poucos – alguns dados por cineastas. Tão logo sou presenteado, encaminho as doações para a UFF. Nesta categoria, tenho vários DVDs doados por Roberto Farias. E raridades que chegam também de um ou de outro pesquisador, realizador ou produtor. E, no acesso aberto, dispomos, no Youtube, dos títulos de vários filmes brasileiros, incluindo algumas chanchadas via Canal Brasil. Na UFF, os arquivos do LIA (Laboratório de Investigação Audiovisual) e o IACS (no qual se insere o nosso Curso de Cinema) possuem muitos filmes brasileiros também. O que fiz questão de registrar no Facebook, no espaço que busca montar lista de ofertas digitais de filmes brasileiros, é que, estivéssemos em outro momento histórico, no qual a cultura em geral e o cinema brasileiro em particular fossem valorizados, seria muito bom reeditar uma atualizada Programadora Brasil, agora em versão streaming. Os catálogos da Programadora eram muito bons. Mas, nesse momento e com esse desgoverno que aí está, podemos esquecer. Aqui no Rio, ainda temos a excelente e irrepreensível locadora Cavídeo, no Humaitá, que conta com muito filmes brasileiros já fora de catálogo. E a Cinemateca do MAM, claro, continua ampliando suas coleções de filmes brasileiros, com muitos VHS ainda, sendo transferidos para DVD e outros suportes”.

Donny Correia, professor universitário e autor do livro “Cinefilia Crônica – Comentários sobre o Filme de Invenção” – “Quando preciso estudar determinado filme, fatalmente acabo procurando em site de compartilhamento ou no Youtube, que tem disponibilizado boas cópias de filmes que foram lançados em DVD há uns 12 anos ou mais. Há canais com quem me correspondo que disponibilizam os filmes, mas como não são monetizados e o sistema de direitos autorais nesse caso, no Brasil, é um limbo, os filmes não são removidos. O problema se apresenta quando trata-se de um filme muito antigo ou pouco conhecido hoje em dia. Por exemplo, os do Walter Hugo Khouri (1929 -2003): há 10 anos, eu consegui praticamente a filmografia dele toda em sites de compartilhamento, mas são cópias sofríveis, na maioria dos casos transferências do VHS lançado nos anos 80 ou gravados da TV. Servem apenas para pesquisa, mesmo, porque não dá pra exibir. “Amor, Estranho Amor”, por exemplo, só tinha a cópia do VHS, completamente destruída. Há poucos meses, descobri que a versão em DVD para os Estados Unidos vazou na net. Ela é muito melhor e tem a dublagem original para o inglês. Do Anselmo Duarte (1920-2009), então, só pelo Youtube e mesmo assim somente os mais conhecidos, diga-se “O Pagador de Promessas”, “Absolutamente Certo” e “Vereda da Salvação”. Esses dois últimos, de novo, são versões do VHS. “Quelé do Pajeú” foi dado como perdido por décadas, até que, há uns dois anos mais ou menos, o Canal Brasil exibiu e já vazou no Youtube. As chanchadas são mais difíceis. Há no Youtube vários filmes da Cinédia e alguns da Atlântida, mas torno a dizer que são versões que servem apenas para pesquisas, via de regra. Tem um caso curioso: lá por 1998, gravei em VHS, da TV Cultura, o filme “Uma Aventura aos 40”, de 1947, brasileiro, que mostra um personagem conversando com um apresentador na TV! É uma ficção científica brasileira e absolutamente independente. Eu perdi meus VHS para o tempo e passei uns 15 anos tentando achar esse filme. Até que, no ano passado, alguma boa alma jogou essa mesma versão da TV no Youtube. Agora, eu estou desenvolvendo um estudo sobre ele num livro em que pretendo mostrar que o cinema brasileiro também teve seu modernismo. Mas, percebe como é difícil ter acesso e, ainda assim, tem gente que se interessa por eles? No Mercado Livre, há colecionadores que anunciam chanchadas e filmes nacionais mais antigos, mas caem naquele problema da qualidade, só para pesquisadores e entusiastas. Inclusive encontrei “Caçula do Barulho”, primeiro filme de ação e pancadaria, produzido pela Atlântida, estrelado pelo Anselmo. A cópia é horrível, deve ter sido telecinada de uma cópia em 16mm. Serve somente pra gente que é do ramo!”

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