Mostra exibe filmes dedicados ao mundo do trabalho

Por Maria do Rosário Caetano

Filmes de Leon Hirszman, João Batista de Andrade e Renato Tapajós, que tematizam o mundo do trabalho, compõem a mostra CineTVT – O Cinema e a Luta dos Trabalhadores. Ao longo de três meses, de primeiro de maio a 17 de julho (sempre aos sábados, às 21h) serão apresentados doze filmes. Entre eles, clássicos ficcionais como “O Homem que Virou Suco”, Medalha de Ouro no Festival de Moscou, e “Eles Não Usam Black-Tie”, Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza. Além de clássicos documentais.

“Linha de Montagem”, documentário de Renato Tapajós, será o filme inaugural da mostra, com exibição no dia dedicado ao Trabalho e a seus artífices. O CineTVT faz parte da programação da TV dos Trabalhadores, emissora que tem sua sede física em São Bernardo do Campo e é mantida por sindicatos operários.

A ideia da mostra CineTVT nasceu do livro “Filmar Operários – Registro e Ação Política de Cineastas Durante a Ditadura Militar no Brasil”, fruto de tese de doutoramento do pesquisador Marcos Corrêa. Com mestrado na Unicamp e doutorado na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Corrêa dedicou-se ao estudo do ciclo de produção que agitou o ABC Paulista durante as greves operárias da virada dos anos 1970 para os 80. Foram realizados, neste curto espaço de tempo, 26 filmes “metalúrgicos”, de curta, média e longa-metragem (a maioria no ABC, um na capital paulista, “Braços Cruzados, Máquinas Paradas”, de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo, e um em Campinas, “Chapeleiros” de Adrian Cooper). Em maioria, os diretores eram paulistas, mas do Rio de Janeiro vieram, além de Leon Hirszman, os documentaristas Sérgio Péo, Luiz Arnaldo Campos e José Carlos Asbeg, diretores do curta-metragem “ABC, Brasil”.

Marcos Corrêa estudou nove das 26 produções catalogadas em seu livro (ver tabelas abaixo). E alargou o tempo histórico do “ciclo operário”, tomando a Igreja católica, pelo menos sua ala progressista, como “incubadora eclesiástica” da organização do movimento operário e de sua incursão pelo registro audiovisual.

O primeiro documentário estudado por Marcos Corrêa é “Operários da Volkswagen”, de Jorge Bodanzky e Wolf Gauer, realizado em 1974, em locações na Alemanha e no Brasil. Concebido como um “filme didático”, destinado a comparar a vida de dois operários da VW, um germânico e um brasileiro, a dupla de diretores conseguiu ultrapassar o terreno pedagógico e chegar a bom resultado. É gritante o contraste entre o nível de vida (moradia, grau de instrução etc.) entre o operário europeu e o latino-americano.

O último documentário estudado por Corrêa é “Linha de Montagem” (1983), do cineasta paraense-paulista Renato Tapajós, autor de doze das 26 produções do “ciclo metalúrgico”. O filme, eleito pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) um dos 100 Melhores Documentários Brasileiros de Todos os Tempos (73º lugar), registra as greves de 1979 a 1981 e dá significativo destaque à liderança do sindicalista Luiz Inácio da Silva.

Marcos Corrêa não incluiu o longa documental “ABC da Greve” em sua análise, porque o vigoroso filme de Leon Hirszman (1937-1987) só ficou pronto em 1990, portanto, três anos após a morte do cineasta (e onze após a captação de suas imagens). Realizado no calor da hora, em meio às greves metalúrgicas – como espécie de laboratório para o ficcional “Eles Não Usam Black-Tie” –, “ABC da Greve” acabou não repercutindo em seu tempo. Mas sua consagração póstuma seria notável. O filme ocupa o décimo-quarto lugar na Lista Abraccine.

A morte prematura de Leon Hirszman uniu seu fotógrafo, Adrian Cooper, inglês radicado no Brasil, e o gestor cultural Carlos Augusto Calil a investir imensos esforços na finalização de “ABC da Greve” (1979-1990). O filme está programado como segunda atração do CineTVT (dia 8 de maio).

O papel de Adrian Cooper no ciclo do cinema operário brasileiro é fundamental. Duas das mais impressionantes sequências de “ABC da Greve” devem muito à poesia de suas imagens. Na primeira, ele registra trabalhadores nos incendiários fornos que preparam a matéria-prima dos carros. Faíscas voam para todos os lados e nos transportam para aquele ambiente de incômodo calor e grande desconforto. Na outra sequência, Hirszman e Cooper embrenham-se pelas periferias do ABC Paulista para registrar as condições de vida dos metalúrgicos. Muitos vivem em favelas. A pobreza grita. Terceiro Mundo em imagens aterradoras.

Diretor de arte (“Desmundo”), diretor de fotografia (“O País dos Tenentes”), diretor de cinema. Nesses três ofícios, Cooper mostrou excelência. Dirigiu poucos filmes. Um pelo menos – “Chapeleiros” (1983) – é uma pequena obra-prima (53º lugar na Lista da Abraccine de “melhores curtas”). Colaborou com outro filme essencial na história do cinema operário brasileiro – “Libertários”, de Lauro Escorel.

Marcos Corrêa estuda “Chapeleiros” com entusiasmo e empenho e destaca suas excepcionais qualidades. Adrian Cooper realizou um filme sensorial, que acredita na potência da imagem. Infelizmente, o mais famoso dos curtas do realizador britânico-brasileiro não está na mostra CineTVT.

A curadoria da emissora preferiu buscar (e priorizar) títulos de longa-metragem com capacidade de diálogo com o grande público. E nesse quesito, “Black Tie” e “O Homem que Virou Suco” mostram-se imbatíveis. Marcos Corrêa, em seu importante livro, só estudou o cinema documentário.

Na lista mais ampla de produções ligadas ao mundo do trabalho (ver página 24), Marcos Corrêa acrescentou “Cabra Marcado para Morrer”, longa-metragem de Eduardo Coutinho, iniciado em 1964 e embargado com o triunfo do golpe militar. O filme sobre as Ligas Camponesas do Nordeste brasileiro só seria concluído e lançado vinte anos depois (1984).

Ismail Xavier, professor da USP, que participa do programa Encontros Notáveis (O Cinema Operário Brasileiro) – disponível no YouTube do cineasta Evaldo Mocarzel –, destaca a importância de outro filme de Eduardo Coutinho, o longa-metragem “Peões”, de 2004, como uma espécie de fecho do “ciclo metalúrgico”. Afinal – defende Xavier – o diretor de “Jogo de Cena” revisita personagens (os “peões” de fábrica) que estiveram em muitos dos filmes do ABC grevista.

Grande vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2004, “Peões” está programado pela mostra CineTVT (mas sua exibição depende ainda de pequenos acertos burocráticos; fiquem, pois, atentos).

Só três dos filmes estudados por Marcos Corrêa integram a programação do CineTVT: o longa-metragem “Braços Cruzados, Máquinas Paradas”, de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo Segall, e os médias-metragens “Greve!” e “Trabalhadores, Presente!”, ambos de João Batista de Andrade.

Um dos nove longas-metragens programados pela TVT chama atenção por seu ineditismo – “Esquerda em Transe”, de Renato Tapajós. O documentário, que será exibido no dia 3 de julho, foi realizado em anos bem recentes com a intenção de refletir criticamente sobre os descaminhos da esquerda brasileira, atordoada com o revés político materializado no impeachment de Dilma Rousseff e na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como “Vlado, Trinta Anos Depois”, “Esquerda em Transe” não tem ligação direta com o ciclo “metalúrgico”. Mas amplia o alcance temático, e político, da mostra CineTVT.

Por que a fúria cinematográfica do “ciclo metalúrgico” arrefeceu-se em tão curto espaço de tempo? Por que “Linha de Montagem” foi “o último suspiro” cinematográfico do grupo de diretores (só há registro de um nome feminino – o de Olga Futemma) empenhados no registro do mundo do trabalho?

O sociólogo Marcelo Ridenti, professor da Unicamp e autor de “Em Busca do Povo Brasileiro”, viu o crepúsculo do ciclo cinematográfico metalúrgico, como consequência do “refluxo dos movimentos sociais”. Tal “refluxo” (ver página 294 de “Filmar Operários”) teria obscurecido “todo um projeto de cinema” voltado “ao registro das imagens dos próprios movimentos”. Abandonava-se ali, um “projeto de ‘contra hegemonia’ pelo cinema”. Restaram, ao menos, 26 filmes.

PROGRAMAÇÃO MOSTRA CineTVT:

Exibição aos sábados, de maio a julho, sempre às 21h

Dia 1o de maio – “Linha de Montagem”, Renato Tapajós (90′)
Dia 8 – “ABC da Greve”, Leon Hirszman (75′)
Dia 15 – “Greve!”, João Batista de Andrade (37′)
Dia 22 – “Santo e Jesus: Metalúrgicos” , Cláudio Kahns (56′)
Dia 29 – “Peões”, de Eduardo Coutinho (84′, a confirmar)
Dia 5 de junho – “Braços Cruzados, Máquinas Paradas”, de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo Segall (76′)
Dia 12 – “Em Nome da Segurança Nacional”, Renato Tapajós (48′)
Dia 19 – “Vlado – 30 Anos Depois”, João Batista de Andrade (90′)
Dia 26 – “Eles Não Usam Black-Tie”, Leon Hirzman (123′)
Dia 3 de julho – “Esquerda em Transe”, Renato Tapajós (78′)
Dia 10 – “O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (97′)
Dia 17 – “Trabalhadores, Presente!”, João Batista de Andrade (36′)

Encontros Notáveis – Cinema Operário e Homenagem a Renato Tapajós
Programa disponível no YouTube do cineasta Evaldo Mocarzel
Duração: 120 minutos
Com participação dos professores Ricardo Antunes, da Unicamp, Jean-Claude Bernardet e Ismail Xavier, da USP, e Marcos Corrêa, autor do livro “Filmar Operários”. E, também, dos cineastas Jorge Bodanzky, Roberto Gervitz, Toni Venturi, João Batista de Andrade, Joel Zito Araújo, Adrian Cooper e Lauro Escorel.
Acesso gratuito

Livro “Filmar Operários” – Registro e Ação Política de Cineastas Durante a Ditadura Militar no Brasil”
Autor: Marcos Corrêa
Prefácio: Cicilia Krohling Peruzzo
Editora: Appris (Curitiba/PR, 2016)
Páginas ilustradas: 350
Preço: R$64,00

Nove filmes estudados por Marcos Corrêa

. “Operários da Volkswagen”, Jorge Bodanzky e Wolf Gauer (1974) – 25′
. “Acidente de Trabalho”, Renato Tapajós (1978) – 19′
. “Trabalhadoras Metalúrgicas”, de Olga Futemma e Renato Tapajós (1979) -15′
. “Linha de Montagem”, Renato Tapajós (1981) – 90′
. “Chapeleiros”, Adrian Cooper (1983) – 24′
. “Braços Cruzados, Máquinas Paradas”, Roberto Gervitz e Sérgio Toledo (1979) – 76′
. “Greve!”, João Batista de Andrade (1979) – 37′
. “Trabalhadores: Presente”, João Batista de Andrade (1979) – 36′
. “Os Queixadas”, Rogério Corrêa (1978) – 30′

Outros filmes do ciclo

. “Libertários”, Lauro Escorel (1976) – 36′
. “Primeira Conclat”, Adrian Cooper (1981) – 30′
. “ABC da Greve”, Leon Hirszman (1979) 75′
. “ABC, Brasil”, de Sérgio Péo, Luiz de Arnaldo Campos e José Carlos Asbeg (1980) – 20′
. “Santo e Jesus: Metalúrgicos”, Claudio Kahns (1984) – 56′
. “O Sonho Não Acabou”, Cláudio Kahns (1979) – 21′
. “Um Dia Nublado”, Renato Tapajós (1979)
. “Revista do Henfil”, Renato Tapajós (1979)
. “A Luta do Povo”, Renato Tapajós (1980) – 30′
. “CUT pela Base”, Renato Tapajós (1983)
. “Fim de Semana”, Renato Tapajós (1976) – 31′
. “Um Caso Comum”, Renato Tapajós (1978)
. “Teatro Operário”, Renato Tapajós (1978) – 10′
. “Em Nome da Segurança Nacional”, Renato Tapajós (1984) – 48′
. “Nada Será Como Antes. Nada?”, Renato Tapajós (1984) – 43′
. “Os Ganha-Pouco”, Roberto Gervitz & Sérgio Toledo Segall (1977)
. “Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (1984) – 119′

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