Daniella Perez e Adriano são tema de séries que revelam os complexos bastidores da fama

Por Maria do Rosário Caetano

Duas séries brasileiras, exibidas em poderosos canais de streaming – “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez” (pela HBO) e “Adriano, Imperador” (pela Paramount) – têm como personagens dois cariocas que conheceram a fama muito cedo. A atriz Daniella, filha da teledramaturga Glória Perez, e o jogador de futebol Adriano, que atuou em alguns dos maiores times brasileiros e internacionais.

A atriz, nascida numa família de classe média branca e educada em bons colégios, foi assassinada em dezembro de 1992 por colega de elenco do folhetim “De Corpo e Alma”, escrito por sua mãe. Portanto, há exatos 30 anos. Se o ator, hoje pastor evangélico, Guilherme de Pádua, não a tivesse matado de forma tão cruel, traiçoeira e apavorante, ela teria hoje 52 anos.

Adriano Leite Ribeiro, nascido numa favela (a Vila Cruzeiro), em 17 de fevereiro de 1982, tinha dez anos quando De Pádua e a mulher, grávida, Paula Thomaz, planejaram e executaram, com requintes de sadismo, a intérprete Yasmin de “De Corpo e Alma”. Ao contrário de Daniella Perez, colega de escola de Lelê, uma das filhas de Chico Buarque e Marieta Severo, que frequentava colégios de grande qualidade, Adriano nunca gostou de estudar. Gostava, isto sim, de jogar bola com os amigos. De força e físico avantajados (tem 1,90m), o garoto foi encaminhado, com imenso sacrifício, pelos pais, à Escolinha do Flamengo. Adolescente, seria campeão mundial na categoria sub-20. Muito cedo foi jogar na Internacionale de Milão, onde ganharia o aposto de Imperador. O corpo estava na Itália, mas a cabeça sonhava com a Vila Cruzeiro, com os amigos de pelada, com noites de pagode e cerveja, com a liberdade das comunidades cariocas. Mesmo tendo vivenciado, ainda jovem, crime que quase invalidou seu pai para sempre (ele viveria por pares de anos com bala alojada na cabeça).

A história de Daniella Perez merecia mesmo uma série, pois seu assassinato, fruto de “Pacto Brutal”, comoveu o país e revelou muitas de nossas tragédias. O assassino era um ator de 23 anos, que experimentava as delícias de aparecer na novela do horário nobre (a das oito, na verdade, das nove), e do dia para a noite transformar-se em galã, apresentador de Bailes de Debutantes, objeto de desejo de pré-adolescentes sonhadoras. E premeditara o crime com sua esposa, Paula Thomaz, de 19 anos, grávida.

Quem vivia em Belo Horizonte (e outras capitais do sudeste e centro-oeste) e frequentava teatros, conheceu Guilherme em 1984. Ele tinha, então, 17 anos e despontava na montagem teatral de “Pasolini, Vida e Obra”, peça de Michel Azama, montada pelo mineiro Afonso Drummond. O cineasta Pier Paolo Pasolini era interpretado por Geraldo Carrato, ator respeitado da capital mineira. Ao jovem e bonito De Pádua coube incorporar Pino Pelosi, garoto de programa (também de 17 anos) condenado por assassinar, com requintes de crueldade, o diretor de “Teorema” (na Praia de Óstia, próximo à Roma, em 2 de novembro de 1975). Pasolini tinha apenas 53 anos. Em Brasília, em meados da década de 1980, assisti ao espetáculo que fez temporada de sucesso na cidade. Quem imaginaria que o “Pino Pelosi mineiro” repetiria, na vida real, dali a poucos anos, ato tão bárbaro quanto o do garoto de programa italiano?

O jovem ator, afinal, começara sua carreira em montagem séria, com grupo mineiro de empenho artístico. A ansiedade de fazer sucesso, porém, era tão acentuada, que ele mudou-se para o Rio, em busca de novas oportunidades. Quem sabe, na Rede Globo, a mais poderosa e cobiçada vitrine do país? Atuou num filme de nome “Via Aapia”, dirigido por um alemão, Jochen Hick (1989), passou pelos “Leopardos”, de Eloína, e integrou elenco teatral salpicado de futuros astros globais, “Blue Jeans”, de Zeno Wilde. Filas se formavam para ver jovens interpretando garotos de programa que tinham sua rotina abalada quando um cliente aparecia morto.

Depois de papeis pequenos em “Salomé” e “Mico Preto”, ele conseguiu interpretar personagem de destaque, Bira, formando triângulo amoroso com Yasmim (Daniella Perez) e Caio (Fábio Assunção). Os ciúmes doentios da esposa grávida e a paranoia de que Glória Perez estaria diminuindo o papel dele em detrimento do galã Assunção, levaram o jovem casal ao “Pacto Brutal”. No final de dezembro de 1992, os dois matariam a filha da teledramaturga acriano-carioca.

A polícia desvendou a trama e o próprio Guilherme confessou ser o assassino. O que ninguém imaginava é que a esposa, menor de 21 anos, era parceira na premeditação e execução do crime. O Brasil viveu, ao longo da década de 1990, uma novela macabra. A cada temporada eram revelados fatos inimagináveis. No fim do processo, o casal foi condenado a penas individuais de 19 anos.

A série documental em cinco episódios de Tatiana Issa e Guto Barra (ela, do longa “Dzi Croquettes”) se constrói com ritmo impressionante. E com uma narradora (Glória Perez) que sabe aliciar o espectador. Afinal, herdou de Janete Clair os mistérios da ficção folhetinesco-seriada. E entregou sua vida ao desvendamento do caso, convocando parentes e amigos para que a ajudassem. Virou detetive. Fez campanas, correu atrás de fontes, convenceu pessoas simples (como a mãe de um frentista de posto de gasolina) a deporem.

Se cinco capítulos parecem muito e, às vezes, Glória busque depoimentos de gente que nem deveria estar na trama, pois a ela nada acrescenta (caso de Roberto Carlos, amigo pessoal e “noveleiro”), nem por isso a série deixa de colocar temas importantes. Sobre a violência das grandes cidades, o aparelho policial brasileiro, a busca alucinada pela fama, o papel da mídia, que quer explorar até mais não poder detalhes escabrosos e hipóteses exdrúxulas. E o teatro dos advogados. Quem defende a família Perez é o equilibrado Arthur Lavine. Já o defensor público de Guilherme de Pádua é um causídico jovem, em busca de fama, criador de factoides e pródigo em gestos histriônicos.

A passagem do tempo permite a Glória e parentes mais próximos falar com calma impressionante, argumentação sólida e, assim, provocar mais reflexão que derramamento e paixão. Por isso, a série merece ser assistida. E foi importante realizá-la fora do Grupo Globo e da Globoplay.            “Adriano, Imperador”, da experiente Susanna “Torre das Donzelas” Lira, tem ingredientes irresistíveis. Quem viu o centroavante de chute poderoso jogar, sempre quis saber mais sobre ele. Embora tenha vivido em meio a astros como Ronaldão e Ronaldinho Gaúcho, Cacá, Robinho e Diego, ninguém sabe muito da vida pessoal do craque. Só que ele era ‘brodaço’ da turma de infância e adolescência favelada de Vila Cruzeiro, que trocava o conforto de mansões e apartamentos caros por um churrasco na comunidade, que teria dado uma moto a um amigo “envolvido com o tráfico” e que posara com um fuzil ao lado de ‘parça’ da pesada.

O filme confirma que Adriano gosta de andar com os amigos de outrora, que adora a mãe, pouco mais velha que ele (ela engravidou aos 13 anos), que adorava o pai, flamenguista apaixonado e a cujo velório e enterro não conseguiu comparecer (estava jogando na Itália), etc, etc. Esclarece que a foto do fuzil era fruto de brincadeira feita no apartamento milanês (ou romano). E que se tratava de “brinquedo” de plástico. Na verdade de suporte de abajur em forma de fuzil (estranha peça decorativa, não?).

Se Adriano é intempestivo e apaixonado pela favela, ele em nada lembra o amigo Ronaldão, também vindo da periferia carioca, mas que encantou-se com o mundo mágico da vida burguesa, namorou modelos e casou-se como se fosse “um príncipe encantado”, num Castelo de Caras, na França, com uma “princesa de contos de fadas” (Daniella Ciccarelli). Um casamento efêmero. Mas Ronaldão é calmo, de fala mansa e aliciante e revelou-se empresário dinâmico, que segue firme no mundo do futebol. Tem filhos e muitas ex-esposas.

O documentário de Susanna Lira (em três capítulos) carrega um mistério. Ele nada diz sobre a vida amorosa de Adriano. O jogador casou-se um dia? Teve namoradas ou namorados? Tem filhos? Pretende tê-los? Quem frequentou a Europa nos anos em que Adriano era “o Imperador”, leu nos jornais que costumava gastar, em uma única noitada de farra, 40 mil dólares. Verdade? Mentira?

A série não entra por estas veredas. Como “Pacto Brutal” revela as entranhas da mídia que vive farejando escândalos com gente famosa. São seus melhores momentos. A narrativa também nos permite entender a profunda amizade de Adriano com os amigos de infância e adolescência. Mas soa superficial quando Adriano atribui seus males ao fato de não ter vindo ao Brasil em tempo de enterrar o pai. Esta seria a causa de suas “depressões”. A narrativa ganharia muito se pudesse desvendar todas as faces de Adriano. O modesto imperador que, pelo menos no documentário, não gostava de ostentar a coroa de louros.

 

Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez
Em cinco capítulos
Direção: Tatiana Issa e Guto Barra
Participação: Glória Perez, Raul Gazolla, Claudia Raia, Glória Maria, Fábio Assunção, Cristiana Oliveira, zero Jonhson, Maurício Mattar, Alexandre Frota, Roberto Carlos, mais advogados, promotores e juristas.
Onde: HBO Max

Adriano, Imperador
Em três capítulos
Direção: Susanna Lira
Participação: Adriano, seus parentes (em especial a mãe) e amigos da Vila Cruzeiro, mais os jogadores Ronaldão, Dejan Petkovic, Gilmar Rinaldi (goleiro, depois empresário), Javier Zanetti e o dirigente Massimo Moratti.
Onde: Paramount+

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