“Marighella” triunfa na longa noite dos troféus Grande Otelo

Por Maria do Rosário Caetano

Carlos Marighella “o guerrilheiro que incendiou o mundo”, travou sua última batalha cinematográfica e venceu. O filme de Wagner Moura, com 17 indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, ganhou oito Troféus Grande Otelo. Mas o público que acompanhou a cerimônia pela TV (e, ao vivo, na carioca Cidade das Artes) penou. Teve que esperar mais de quatro horas pelo resultado. O vencedor da segunda láurea mais importante da noite – o octogenário Daniel Filho, melhor direção pelo adrenalinado “O Silêncio da Chuva” – não aguentou e foi embora. Quando, perto de uma da manhã, seu nome foi anunciado, integrante da equipe de produção subiu ao palco e agradeceu em nome dele.

Isto não pode acontecer. Uma festa de prêmios deve ter no máximo duas horas (para ser eficiente e atrativa). A vigésima-primeira cerimônia da Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais durou – somando espera, atraso imenso e premiação – 250 minutos. O público sintonizou o Canal Brasil às 20h45. E os resistentes viram “Marighella” ser anunciado como o grande vencedor mais de quatro horas depois. A audiência, a estas alturas, já havia despencado. Mesmo contando com a presença de astro do calibre de Wagner Moura, o Capitão Nascimento (de Padilha) e o Pablo Escobar (da Netflix).

A festa teve discursos longuíssimos, pouco criativos (e o absurdo de três pessoas agradecendo por um mesmo filme ou série) e interminável homenagem às produtoras de cinema (no feminino). Nomes desfilavam de forma monótona por um firmamento escuro, sem nenhum impacto. Por que não se fez um clip com imagens destas mulheres que viabilizam tantos filmes?

Fora os discursos de Jorge Bodanzky (o melhor e mais sintético da noite), Davi Kopenawa (aplaudido de pé), Lucas Paraíso (roteirista de “Sob Pressão”), que louvou os trabalhadores da saúde de forma simples, potente e emocionada, e Wagner Moura (este, só brilhou na saudação emocionada ao fotógrafo Adrian Teijido – “Ele é foda. Eu te amo, vamos trabalhar sempre juntos. Você me ensinou muito. Sabia esperar até eu descobrir o que queria, pois eu estava errado!”). Depois, o ator-diretor-grande-vencedor da noite, famoso por discursos potentes, tornou-se repetitivo e pouco inspirado. Recebeu até a ajuda do filho adolescente, Ben Moura, que já se mostrou aficcionado por microfones.

A noite só não ficou à deriva porque tinha dois excelentes condutores: o polivalente Silvero Pereira, ator, cantor e transformista, o Lugo de “Bacurau”, e a bela Camila Pitanga, simpatizante do “L” (do candidato Lula), que já entrou em cena agitando a plateia. E provocando manifestação da galera, que gritou “Fora Bolsonaro” (o prestígio deste candidato no meio cultural é baixíssimo).

Silvero apresentou a festa de terninho azul. Camila, num longo de cor clara, de festa, esculpido em seu corpo magro e elegante. O ator cearense trocava de roupa para cantar. Belchior (“Sujeito de Sorte”), seminu, com placa metálico-brilhante no peito. Depois como um saltimbanco (para outro número) e como miss cor-de-rosa para canto que anunciava dias melhores. Arrasou.

Na fase dos prêmios finais, Silvero avisou que estava só de paletó (sem camisa e gravata), pois era realmente uma pessoa informal. Camila Pitanga, maior que o colega, mostrou-se afinada, atenta. “Vou tirar os sapatos”. E despediu-se dos ‘tacones lejanos’ de linda sandália cor de prata. Ganhou em conforto e não ficou grandona, ao lado de companheiro de modesta estatura.

A dupla estava afinadíssima. E ganhou muitos beijos. Inclusive de Wagner Moura, partner de Camila na deliciosa novela “Paraíso Tropical” (do saudoso Gilberto Braga). Como o ator baiano-internacional não estava muito inspirado, ele perdeu a chance de encenar um número com a garota de programa de “catiguria” (como a definia o cafetão-personagem de Chico Diaz), revivendo o casal (Bebel e Olavo), que roubou a cena e incendiou imaginários eróticos na ótima novela gilbertiana, exibida em 2007.

Prêmios em excesso (32, contra 23 da Academia de Hollywood) resultam em fria. Vira osso duro de roer. Mesmo assim, houve momentos notáveis. Os merecidíssimos prêmios de Jorge Bodansky (“Transamazônica, uma Estrada para o Passado”, melhor série doc), da dupla Rita e Vincent Carelli (pelo encantador “Yaõkwa, Imagem e Memória”, melhor curta doc), de Luiz Bolognesi (por “A Última Floresta”). Este realizador paulistano definiu “A Queda do Céu”, livro de Davi Kopenawa, como “o Grande Sertão: Veredas” de nossos dias. Na hora do agradecimento pelo “Otelo” de melhor roteiro adaptado para Felipe Braga (e Wagner Moura), também houve brilho e generosidade. Braga teve a gentileza de dizer que “as melhores partes de “Marighella” não estavam escritas, já que foram criadas pelos atores-verdadeiros-colaboradores”.

E houve momentos de injustiça e falta de “timing”: quando uma trupe imensa (da Conspiração Filmes) subiu ao palco para receber o Troféu Grande Otelo em nome de Breno Silveira (pela série “Dom”), todos esperaram por momento de grande beleza e emoção. Afinal, Breno “2 Filhos de Francisco” Silveira partira meses antes, em pleno exercício de seu ofício, e recebia láurea póstuma. Os vários oradores, porém, foram redundantes, prolixos mesmo!, incapazes de registar uma frase notável que fosse sobre o artista que soube realizar filmes populares, sem barateá-los.

A maior injustiça da noite ficou no terreno do curta de ficção: “Ato”, de Bárbara Paz, derrotou o favoritíssimo “Chão de Fábrica”, de Nina Kopto, o curta-sensação de nossos derradeiros festivais. Uma pequena joia ambientada em fábrica no ABC Paulista, durante greve metalúrgica, protagonizada só por operárias-mulheres. A Academia, em nome de sua credibilidade, deve parar de indicar (e premiar) filmes de integrantes de sua diretoria. Caso de Bárbara Paz, que foi indicada ainda a melhor atriz coadjuvante por trabalho apenas mediano em “Por que Você Não Chora?” (Cibele Amaral, DF).

O momento de relembrar os que se foram também emocionou. Afinal, artistas como Elza Soares, Maria Lúcia Dahl, Sirmar Antunes, Geraldo Sarno, Marlise Saueressig, Monarco, Vânia Debs, Francoise Fourton, Djenane Machado, Breno Silveira, Ilka Soares, Maria Fernanda, Marilu Bueno e, em especial, Milton Gonçalves e Jô Soares gozaram em vida de muita estima no meio audiovisual e além dele.

Quem assistiu à premiação pelo Canal Brasil pôde surpreender-se com o novo visual da atriz Karine Teles (“Benzinho”, “Que Horas Ela Volta?” e “Bacurau”). Historicamente rechonchuda, ale apareceu magra e linda, num vistoso e elegante vestido cor de laranja, em companhia da apresentadora Simone Zucollotto. No final da noite, a “Benzinho” e roteirista, detentora do dois troféus Otelo, conheceu ao vivo e a cores o ator-diretor Wagner Moura, que até pediu emprestado o microfone do Canal Brasil para brincar de “um entrevista o outro”.

Que, ano que vem, a Noite dos Otelos consiga enxugar sua exaustiva lista de troféus, trazer sua data para o primeiro semestre e realizar cerimônia enxuta. E que renove a seleção de categorias como “filme ibero-americano” e “filme estrangeiro”. Que sentido faz premiar “Nomadland”, dois anos depois de sua consagração no Oscar? O que tal decisão constrói? Em que ela ajuda na difusão do cinema de empenho cultural vindo de “outras geografias”? Que estímulo dá ao cinema autoral do mundo, tão rico, já que gerado em mais de 200 países e territórios?

Confira os vencedores:

. “Marighella” (SP-Bahia) – melhor filme, diretor estreante (Wagner Moura), ator (Seu Jorge), fotografia (Adrian Teijido), roteiro adaptado (Felipe Braga e Wagner Moura), direção de arte (Frederico Pinto), Figurino (Verônica Julian), Som (George Saldanha, Alessandro Laroca, Eduardo Virmond e Renan Deodado)

. O Silêncio da Chuva (Rio) – melhor direção (Daniel Filho

. A Última Floresta (SP) – melhor documentário, montagem doc (Ricardo Farias)

. “Veneza” (Rio) – melhor atriz (Dira Paes), maquiagem (Martín Macías Trujillo)

. “Deserto Particular” (PR) – melhor roteiro original (Henrique Santos e Aly Muritiba)

. “Bob Cuspe, Nós Não Gostamos de Gente” – Longa de animação- Menção honrosa, melhor trilha sonora (André Abujamra e Márcio Nigro),

. “Depois a Louca Sou Eu” (Rio) – melhor comédia

. “Turma da Mônica – Laços” (SP) – melhor filme infantil

. “Auto da Boa-Mentira”, de José Eduardo Belmonte (PE-RJ) – melhor filme pelo Júri Popular

. Dr Gama (SP) – melhor atriz coadjuvante (Zezé Motta)

. “7 Prisioneiros” (SP-Netflix) – melhor ator coadjuvante (Rodrigo Santoro)

. “Piedade” (PE) – melhor montagem de ficção (Karen Harley)

. “Contos do Amanhã” (RS) – melhor efeito visual (Pedro de Lima Marques)

. “Emma” (Chile) – melhor filme ibero-americano (de Pablo Larraín)

. Nomadland (EUA) – melhor filme estrangeiro (de Chloe Zoe)

. CURTA-METRAGEM:

. “Yaõkwa, Imagem e Memória” (PE), de Rita Carelli e Vincent Carelli (melhor documentário)

. “Mitos Indígenas em Travessia, de Julia Vellutini e Wesley Rodrigues (melhor animação)

. “Ato”, de Bárbara Paz – melhor ficção

. SÉRIE DE TV:

. “Transamazônica, Uma Estrada para o Passado”, de Jorge Bodansky – melhor série documental (HBO)

. “Dom”, de Breno Silveira: melhor série para o streaming (Conspiração)

. “Sob Pressão”,de Andrucha Waddington: melhor série para TV aberta (Conspiração/Globo)

. “Angeli, the Killer”, de César Cabral (melhor série de animação)

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