Zé Arigó, o médium da Cidade dos Profetas, chega aos cinemas em busca de plateia espírita

Por Maria do Rosário Caetano

A estreia de “Predestinado: Arigó e o Espírito do Dr. Fritz”, filme baseado na história real do médium mineiro José Pedro de Freitas, o Zé Arigó, conseguirá promover o reencontro do cinema brasileiro com seu público? Cruzará a barreira do milhão de espectadores?

O longa-metragem de Gustavo Fernandez, filmado em Congonhas (do Campo) e outras cidades de Minas Gerais, aproximar-se-á de fenômenos como “Nosso Lar” (4 milhões de ingressos) e “Chico Xavier” (3,5 milhões)? Ou pelo menos de “As Mães de Chico Xavier”, “Kardec – A História por Trás do Nome”, “Bezerra de Menezes” e “Divaldo, Mensageiro da Paz”? (Ver tabela abaixo). Ou a pandemia cortou até os” laços espirituais” do público com a produção nacional?

“Predestinado”, protagonizado por Danton Mello, chega aos cinemas nesta quinta-feira, 1º de setembro, em momento dos mais difíceis. Fora os filmes de super-heróis Marvel e um ou outro blockbuster made in USA, contam-se nos dedos de uma mão os títulos que ultrapassaram o milhão de ingressos (caso notável é o de “Elvis”, cuja cinebiografia, ainda em cartaz, mostrou a força do astro que nunca vestiu a cueca por cima da calça).

“Arigó e o Espírito do Dr. Fritz” se passa nas mesmas Minas Gerais de Chico Xavier, este em Uberaba, aquele em Congonhas, cidade do circuito do ouro, berço da obra máxima de Antônio Francisco Lisboa, dito o Aleijadinho (1738-1814) – a Basílica do Bom Jesus de Matozinho. O público que for ao cinema, verá, en passant, o Santuário, com seus profetas e as capelas dos Passos da Paixão. Mas o antagonismo entre a Igreja Católica e o Espiritismo acabará concentrado no vigário (Padre Anselmo) interpretado por Marcos Caruso (respaldado por médicos que não aceitam as “operações espirituais” do “curandeiro” sem diploma) e, claro, no médium que tornou-se nacionalmente conhecido como Zé Arigó.

José Pedro de Freitas (1921-1971) não alcançou fama póstuma similar à de Chico Xavier (1910-2002). Talvez por ter vivido pouco (apenas 49 anos, contra 92 do médium de Uberaba). Mas quem viveu as décadas de 1950 e 1960, sabe o quando Zé Arigó foi famoso, ocupou espaço na mídia e atraiu multidões em busca de suas “cirurgias espirituais”. Mesmo questionado pela Igreja, pelos médicos e pela Justiça, ele foi reverenciado pelo povo brasileiro (calcula-se que passaram por seu centro de atendimento, perto de 4 milhões de pessoas) e por gente vinda de fora (inclusive da América do Sul) em busca de cura. Ou de “compreensão científica” para aquele “impressionante fenômeno” (estudiosos inclusive dos EUA).

No filme de Gustavo Fernandez, veremos Arigó receber orientação espiritual de Chico Xavier (João Signorelli), onze anos mais velho que ele, para que melhor pudesse exercer sua mediunidade. Os que acreditam no Espiritismo receberão da narrativa de “Predestinado” doses reforçadas de “operações espirituais” feitas com tosco canivete, capaz de extrair os mais diversos tumores (mostrados até exaurir a tolerância do espectador). Portadores de Mal de Hansen (“leprosos”, como se dizia na época) serão vistos com suas deformações em primeiro plano.

O filme não acredita na sutileza, nem na sugestão. Por sorte, foge da cafonice azul de “Nosso Lar” (ela só se insinua nas aparições do “Careca”, o Dr. Fritz, médico alemão, morto durante a Primeira Guerra Mundial, cujo espírito encarna no médium mineiro). Mas “Predestinado” não tem as qualidades da cinebiografia de “Chico Xavier”, que Daniel Filho construiu com discrição e um ator excepcional (Nélson Xavier). Danton Mello se entrega com afinco ao homem que recebeu dura missão. E cumpre sua sina, mesmo que ela lhe cobre a paz doméstica e lhe renda encarceramento por exercício ilegal da Medicina.

Juliana Paes, que interpreta a costureira Arlete, dedicada esposa de Arigó e mãe de seus muitos filhos, também se entrega com devoção ao papel, enfeiando-se como uma mulher comum, escondida atrás de óculos de aros grossos, capazes de esconder a beleza até de Catherine Deneuve ou Marilyn Monroe. Marcos Caruso e Marco Ricca conseguem dar nuances a seus personagens (o vigário Anselmo e o Juiz Rocha), que facilmente poderiam derrapar para a caricatura.

A atriz defende sua personagem lembrando que “Arlete ajudou Arigó até quando ele duvidou da própria sanidade”. Nestes momentos, ela o levou “a muitos médicos, na tentativa de entender o que estava acontecendo com as dores de cabeça, visões e luzes que o atormentavam”. Por isso, fez questão de construir a personagem como “uma fortaleza, uma rocha, uma mulher resoluta, que sempre foi um apoio para o marido”.

O roteiro original de “Predestinado: Arigó e o Espírito do Dr. Fritz” traz a assinatura de Jacqueline Vargas. Ela realizou entrevistas com familiares do médium (em especial seus filhos, que aparecem em fotos, nos créditos finais), consultou fontes diretas e muitos livros, sendo o principal “Arigó e o Espírito do Dr. Fritz”, do jornalista e escritor inglês John G. Fuller. Curioso que, na narrativa de Gustavo Fernandez, seja dado tão pouco espaço ao interesse internacional motivado pelo fenômeno mineiro. Cientista norte-americano veio estudar o caso e assistiu a cirurgias que Arigó realizava com seu tosco canivete, sem nenhuma assepsia. Concluiu estar diante de “fenômeno de paranormalidade”. Só um personagem anglo-saxão tem participação, mesmo assim discreta, na trama de “Predestinado”.

Já a condenação de Arigó à prisão, em 1956 (a Associação Médica de Minas Gerais o processou por curandeirismo), ganha registro significativo. E dos mais serenos. O médium seria indultado pelo presidente JK. Em 1964, haveria nova condenação (ele ficaria preso por sete meses). Quando deixou o cárcere e retornou a Congonhas, seu prestígio tornou-se ainda maior.

Em 2018, a reportagem da Revista de CINEMA registrou o entusiasmo de moradores de Congonhas com as filmagens de “Arigó e o Espírito do Dr. Fritz” no município. Pablo Osório, mediador do Museu de Congonhas, equipamento de grande beleza e modernidade, inaugurado no Governo de Dilma Roussef, contou que “se houve rejeição ao médium, nos anos 1950 e 60, por parte de segmentos da sociedade de Congonhas, hoje a cidade abriga (na casa amarela, onde ele atuou) o Museu Zé Arigó”. Os tempos, afinal, são mais ecumênicos. Tanto que “a Igreja Católica autorizou a gravação de cenas do filme próximo a seus monumentos sagrados”.

Pablo Osório viu na existência do filme estímulo para “reativar o interesse dos brasileiros pela Cidade dos Profetas e por seu patrimônio artístico e histórico”. Resta saber se “Predestinado” está mesmo predestinado a mobilizar plateias significativas. Tanto nos cinemas, quanto no streaming.

“Arigó e o Espírito do Dr. Fritz” é o primeiro filme solo de Gustavo Fernandez, de 45 anos, integrante das equipes técnicas de “Anahy de las Misiones” e “Lavoura Arcaica”. Diretor de telenovelas na Globo, ele assina, neste momento, em parceria com Rogério Gomes, o remake de “Pantanal”, novela de Benedito Ruy Barbosa atualizada por Bruno Luperi. Um sucesso como há tempos a poderosa emissora dos folhetins não registrava.

 

Predestinado: Arigó e o Espírito do Dr. Fritz
Brasil, 112 minutos, 2022
Direção: Gustavo Fernandez
Produção: Roberto D’Avila (Moonshoot, em parceria com Paramount)
Roteiro: Jacqueline Vargas
Fotografia: Uli Burtin
Elenco: Danton Mello (Arigó), Juliana Paes (Arlete), Marcos Caruso (Padre Anselmo), Carlos Meceni (Orlandinho, ajudante de Arigó), Alexandre Borges (deputado Lúcio Bittencourt), Marco Ricca (Juiz Barros), Cássio Gabus Mendes (Cícero), João Signorelli (Chico Xavier), Antônio Saboia (Juiz Felipe), Matheus Fagundes (Tarcísio), Aldo Bueno (Jorge), Sérgio Cavalcante (Dr Túlio), Maurício de Barros (Dr Jair), José Trassi (Preto), Ravel Cabral (carcereiro), James Faulkner (Dr Fritz) e Saulo Laranjeira
Distribuidora: Imagem Filmes

 

BILHETERIAS ESPÍRITAS

. “Nosso Lar”……………………………4.040.000
. “Chico Xavier”………………………..3.500.000
. “Kardec”…………………………………..600.000
. “Mães de Chico Xavier”………………515.000
. “Bezerra de Menezes”………………..460.000
. “Divaldo, Mensageiro da Paz………450.000

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