“A Invenção do Outro” e “Mato Seco em Chamas” dividem principais prêmios do Festival de Brasília
Foto: Bruno Jorge com o troféu e Bruno Palazzo, com as Dandara Pagu e Bárbara Colen © MRC
Maria do Rosário Caetano, de Brasília
A cerimônia de premiação da quinquagésima-quinta edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi longa, marcada por excesso alucinado de discursos e muito cansativa. Mas o júri fez a coisa certa: premiou os dois melhores longas-metragens da competição.
O grande vencedor foi o documentário “A Invenção do Outro”, de Bruno Jorge, poderoso registro de missão da Funai, comandada pelo indigenista Bruno Pereira (assassinado em junho último, no amazônico Vale do Javari), que contatou indígenas isolados da etnia Koburo. O filme somou cinco troféus.
O longa ficcional, de base documental, “Mato Seco em Chamas”, incendiária criação de Adirley Queirós e Joana Pimenta, foi o recordista de troféus da noite, oito no total, incluindo o prêmio de melhor direção e elenco feminino (para as ex-presidiárias, agora atrizes, Joana Darc Chitara e Lea Alves, como protagonistas, e Andreia Vieira como coadjuvante). O filme, que uniu produtoras de Brasília e Portugal, foi também o eleito da Crítica.
O júri oficial, que reuniu os cineastas Anna Muylaert, Sérgio de Carvalho e Alice Lanari, a atriz Ana Flávia Cavalcanti e o crítico Juliano Gomes, não praticou o distributivismo. Apostou (quase) todas as fichas nos vigorosos “A Invenção do Outro” e “Mato Seco”.
Dos seis competidores, dois foram destacados com parcimônia: o documentário (com inserção ficcional) brasiliense “Rumo”, de Bruno Victor e Marcus Azevedo, levou o Prêmio Especial do Júri. O filme recupera a luta da UnB, primeira universidade federal a adotar, em 2004, o mecanismo de Cotas para estudantes afro-brasileiros e indígenas.
Para a ficção mineira “Canção ao Longe” coube o Troféu Candango de melhor ator (Carlos Francisco). O papel dele, no filme, é pequeno, mas o prêmio foi justíssimo. Dono de talento especial, o paulistano (radicado agora em Minas Gerais) ilumina suas participações sejam elas grandes (como em “Marte Um”, no qual interpreta o pai de Deivinho, garoto que sonha participar de missão espacial), sejam coadjuvantes, caso do motorista de “Canção ao Longe”. E, registre-se, o júri não tinha opções, pois este foi um festival com mais documentários que ficções. E, excepcionalmente, dominado pela presença feminina, hegemônica nos elencos.
Dois filmes da competição foram ignorados pelo júri oficial e júris paralelos — a ficção pernambucana “Espumas ao Vento”, de Taciano Valério, e o documentário carioca “Mandado”, de João Paulo Reys e Brenda Melo, sobre poderes arbitrários de forças judiciais-militares.
Os acertos do júri oficial foram testemunhados por poucos espectadores. Afinal, os principais prêmios do mais tradicional e longevo festival do país, foram anunciados de madrugada. A noite, que começara muito bem com a exibição do curta “O Nosso Pai”, de Anna Muylaert, e o longa documental “Diálogos com Ruth de Souza”, de Juliana Vicente, desandou de forma irreversível. Primeiro, com imenso atraso. Os primeiros troféus foram entregues a partir das 22 horas. E a cerimônia terminou perto de duas da manhã.
A apresentadora do festival, a talentosíssima atriz Bárbara Colen, recebeu parceira inesperada e cativante para comandar a premiação: a comunicadora digital Dandara Pagu.
A jovem pernambucana, mulher preta e de formas avantajadas, fôra vista, duas horas antes, como uma das três irmãs do espantoso (e aliciante) “O Nosso Pai”, ao lado das excelentes atrizes Grace Passô e Camila Márdila. O trio feminino interpreta irmãs (por parte de pai) que resolvem cometer ato dos mais inusitados, num Brasil dominado por presidente-defensor do armamento da população.
No palco do Cine Brasília, a diretora de “Que Horas Ela Volta?” disse que Dandara fazia, com “O Nosso Pai”, sua estreia como atriz e que, tinha certeza, dali em diante, seria convidada para muitos filmes.
Pois a moça começou arrasando na festa de entrega dos troféus Candangos. Com o dom do improviso, avisou que o autor do texto-guia da cerimônia “já podia tomar um Gardenal”, pois ela iria bagunçar o roteiro, caprichando no free style. Só que cada premiado que subia ao palco (e com parceiros não-laureados) danava a falar. E todos falavam como se não houvesse amanhã, indiferentes ao adiantado da hora e insensíveis à paciência do público (que, esgotado, foi deixando o Cine Brasília).
O niemárico e belo espaço cinematográfico da capital federal estava lotado, quando a cerimônia começou. E reduzido a alguns gatos pingados, quando foi anunciado o merecido triunfo de “A Invenção do Outro”.
A sala esvaziava e, mesmo assim, os ‘agradecedores’ de prêmio seguiam com discursos infindáveis, indiferentes à síntese e encantados com suas próprias palavras. O exemplo mais espantoso da noite materializou-se na dupla paraibana Thiago Costa (diretor) e Laiz de Oyá, atriz coadjuvante em “Calunga Maior”. A cada prêmio oficial ou paralelo, a dupla discursava. Ele expunha didaticamente longos comentários sobre cada prêmio, e ela comentava, redundantemente, o comentário dele.
Na metade da cerimônia, a vibrante Dandara Pagu já não se acertava com o teleprompter, errava nomes e já não improvisava. Bárbara Colen seguia com sua sóbria elegância, mas o desastre já estava configurado. A discurseira prosseguiu madrugada adentro e para cinéfilas cadeiras vazias.
Nem Adirley Queirós, nem Joana Pimenta, de “Mato Seco em Chamas”, numericamente o filme mais premiado da noite, compareceu ao Cine Brasília. Foram representados pela produtora Andreia Queiroz, por sorte, dona de síntese ímpar. Aliás, ela e Bruno Jorge, o roteirista, fotógrafo, montador e diretor de “A Invenção do Outro” mereciam o Troféu João Cabral de Mello Neto (ou Graciliano Ramos), se ele existisse, pois estes dois nordestinos viveram para evitar a verborragia retórica.
Os falastrões da noite provocaram algo inusitado: não houve foto conjunta dos premiados, aquela que, ao final da cerimônia, leva os laureados ao palco para coletivamente erguerem seus troféus. A discurseira desabrida cansara até parte dos premiados, que foi embora junto com a maioria do público.
Não se pode julgar um festival pelos desacertos de sua cerimônia de premiação. O saldo desta edição, de número 55, do Festival de Brasília é positivo. Primeiro, porque entregou o Candango a um filme formidável (até no inquietante título – “A Invenção do Outro”) e 100% inédito. E confirmou a bem-sucedida trajetória de “Mato Seco em Chamas”, que tem causado sensação em festivais nacionais e internacionais.
A Revista de CINEMA perguntou a Bruno Jorge se ele já estava inserido no circuito de festivais internacionais e recebeu resposta concisa e franca: “o Festival de Brasília sempre foi nossa prioridade absoluta. Queríamos estrear o filme aqui, na capital da República e sede da Funai”. Para arrematar: “só agora vamos nos preocupar com os festivais internacionais e com outras vitrines nacionais”.
O festival candango, que deve retornar à sua data histórica ano que vem (em setembro, na primavera), foi portanto valorizado, como merece, pelo documentarista Bruno Jorge, esteio de “A Invenção do Outro”. Foi escolhido como primeira vitrine do impactante filme. Esta é a natureza de um evento cinematográfico criado pelo mestre Paulo Emílio Salles Gomes, 58 anos atrás (por interferências político-censórias, o festival sofreu solução de continuidade em 1972, 73 e 74).
No terreno do curta (competição nacional), Brasília deu projeção ao inquieto e criativo “Escasso”, do duo carioca Encruza (Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles). Valorizou as qualidades de “Lugar de Ladson”, de Rogério Borges, vindo do município paulista de Rio Claro, onde floresceu, na década passada, um de nossos mais promissores polos de produção interiorana, dinamizado, num primeiro momento, por João Paulo Miranda Maria (de muitos curtas e do longa “Casa de Antiguidades”).
Outro curta que teve grande reconhecimento foi o paraibano “Calunga Maior”, de Thiago Borges. Pena que a discurseira sem limites e redundante do cineasta e de uma de suas atrizes tenha irritado o público (e a mídia especializada, em especial). Cada vez que uma láurea era atribuída a “Calunga Maior”, sussurros se faziam ouvir: “lá vem mais um agradecimento duplicado e sem-noção”.
Na Mostra Brasília, que voltou a contar com sólido apoio da Assembleia Legislativa do DF (ausente por três anos) e de sua TV Distrital, os premiados foram “O Pastor e o Guerrilheiro, de José Eduardo Belmonte (melhor longa, troféu e prêmio no valor de R$100 mil), “Levante pela Terra”, de Marcelo Costa (sobre manifestações em defesa de direitos dos povos originários) e do sacudido “Manual da Pós-Verdade”, de Thiago Foresti, libelo anti-fake news.
Nos agradecimentos, felizmente consistentes e de duração razoável, o diretor do “Manual” e seu protagonista (o ator Wellington Abreu) usaram de humor e argumentos políticos para torcer pelo fim definitivo da era Bolsonaro, que expandiu de forma avassaladora, o que Abreu chamou, citando a jornalista Patrícia Campos Mello, de “máquina do ódio” voltada à difusão de mentiras.
Confira os premiados:
Longa-metragem brasileiro
. “Mato Seco em Chamas” (DF-Portugal) – melhor direção (Adirley Queirós e Joana Pimenta), atriz (Joana Darc Chitara e Léa Alves), roteiro (Adirley e Joana), atriz coadjuvante (Andreia Vieira), ator coadjuvante (o coral de motoqueiros), direção de arte (Denise Vieira), trilha sonora (Muleka 100 Calcinha e outros), Prêmio da Crítica-Abraccine
. “Rumo”, de Bruno Victor e Marcus Azevedo (DF) – melhor filme pelo Júri Popular, Prêmio Especial do Júri, Prêmio Zózimo Bulbul da Apan (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro)
. “Canção ao Longe, de Clarissa Campolina (MG) – melhor ator (Carlos Francisco)
.“Escasso”, de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles: melhor curta, direção, atriz (Clara Anastácia)
. “Calunga Maior” (PB) – Juri Popular, montagem (Edson Lemos Akatoy), trilha sonora (PodeSerDesligado), Prêmio Zózimo Bulbul (Apan), Prêmio da Crítica-Abraccine
. “Big Jato”, de Carlos Segundo (MG-RN) – melhor ator (Giovanni Venturini)
. “Nossos Passos Seguirão os Seus”, de Uilton Oliveira (RJ) – Prêmio Canal Brasil
. “Ave Maria”, de Pê Moreira – Prêmio melhor curta de temática afirmativa
. “Capuchinhos”, de Victor Laet (PE) – direção de arte (Joana Claude)
. “Nem o Ar Tem Tanta Água”, de Mayara Valentin (PB): melhor montagem (Edson Lemos Akatoy)
Longa-metragem
. “Capitão Astúcia, de Filipe Gontijo – Júri Popular, trilha sonora (Sasha Kratzer)
. “Levante pela Terra”, de Marcelo Costa (Cuhexê Krahô): melhor curta
. “Manual da Pós-Verdade” – melhor diretor (Thiago Foresti), ator (Wellington Abreu), fotografia (Helder Miranda Jr e Marcus Andrade), direção de arte (Nadine Diel)
. “Desamor”, de Herlon Kremer – Júri Popular, melhor atriz (Issamar Megerdit)
. “Virada do Jogo”, de Juliana Corso – melhor roteiro (Juliana Corso)
. “Plutão Não É Tão Longe Daqui”, de Augusto Borges e Nathalya Brum – melhor montagem (Augusto Borges, Nathalya Brum e Douglas Queiroz)
CATEGORIA ESPECIAL
. Troféu Candango especial para Carla Queiroz, servidora da Secretaria de Cultura do DF
Formas avantajadas? Hahahah falto vc falar junto com babi de formas magras já que a forma física aparentemente é muito importante né ?
Outra coisa eu não errei os nomes eu estava cansada como todo mundo ali e meu improviso foi até onde cabia até pq como vc mesmo falou, já estava uma falação sem fim. Mas enfim eu sei que dei o meu melhor e seguirei com isso na mente da próxima vezes não descreva ninguém pela forma física é preconceituoso e feio.
Olá DANDARA PAGU:
Elogiei seu trabalho no filme O NOSSO PAI, de Anna Muylaert, e prestei muita atenção no seu trabalho como atriz estreante. E fiquei impressionada com sua capacidade de improviso. Comentei a “forma avantajada” porque você escolheu um figurino ousado, que destacava suas curvas, de maneira bem descontraída. Não sabia que a palavra avantajada era “ofensiva”. Não conheço a referida “babi das formas magras”. A quem você se refere? Que vocábulo nós, jornalistas, temos direito de usar? Está difícil escrever, pois o índex é cada vez mais AMPLO e draconiano. Quanto aos seus erros na segunda parte da transmissão, eles realmente ocorreram. Ao enumerar o júri do Prêmio Canal Brasil, você errou a pronúncia de quatro deles. Eram cinco. Houve outras (muitas) falhas na segunda parte da cerimônia, quando a DISCURSEIRA REDUNDANTE passou a dar o tom. Mas atenho-me a este momento para não me alongar na resposta.
Cordialmente,
Maria do Rosário Caetano
Dandara, você errou muito na leitura sim. Isto é fato. Até eu que não conhecia as pessoas mencionadas percebi os erros. Em alguns casos, não só errou a pronúncia como trocou nomes – o que impede que as pessoas certas sejam reconhecidas pelo seu trabalho (afinal, este é o principal sentido de uma premiação). Se estava tão cansada assim, que deixasse a Bárbara ler. Não achei que seria ofensivo apontar erros de alguém que se apresenta em público. Talvez não seja assim na vida de influenciadora, mas na vida de atriz e apresentadora críticas são comuns. Não vou opinar quanto à questão da expressão sobre sua figura, pois não me cabe dizer. Mas em relação aos seus erros, faço coro à Maria do Rosário. Sua estreia como atriz foi ótima, mas já que estamos falando do que é feio, vou te dar um toque e dizer que fica muito, muito feio uma figura pública atacar jornalistas quando é criticada de forma educada.
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Senhora Maria do Rosário Caetano. Suas palavras são violentas. Você é racista e xenofóbica.