Dóris Monteiro participou de dez filmes como atriz ou cantora

Foto: Dóris na Mostra SP, na Cinemateca Brasileira, em outubro de 2022

Por Maria do Rosário Caetano

A cantora e atriz Dóris Monteiro, que atuou numa dezena de filmes, morreu, aos 88 anos, nessa segunda-feira, 24 de julho. No mesmo dia de outra grande intérprete da melhor música brasileira, Leny Andrade (1943-2023), oito anos mais nova.

Leny notabilizou-se como cantora jazzística e não teve o cinema como seu segundo ofício. Já Dóris brilhou no audiovisual, trabalhando com Alex Viany, Carlos Manga, Cajado Filho, Paulo Vanderley e até com o roteirista e diretor italiano Steno, nome artístico de Stefano Vanzina. Um dos reis da comédia italiana.

Dóris trabalhou com Mazzaropi no longa “A Carrocinha”, o que prova seu imenso sucesso popular (o caipira de Taubaté sabia escolher moças e rapazes de fulgurante beleza para contracenar com ele). Trabalhou, também, com José Lewgoy, uma das figuras carimbadas da chanchada. Em “Carnaval em Caxias”, o gaúcho Lewgoy interpreta um pistoleiro (dizem que inspirado em Tenório Cavalcanti e seu “brinquedo de estimação”, a metralhadora Lurdinha). O personagem Honório Boa Morte, um fascínora, claro!, vai tocar o terror na Baixada Fluminense até apaixonar-se por uma cantora de “saloon” caxiense. Que será interpretada, claro!, pela linda e afinada Dóris Monteiro.

No final de outubro do ano passado, a “cantriz” carioca encantou a todos que prestigiaram a homenagem a ela prestada pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e pela Cinemateca Brasileira. Vestida com muito bom gosto (uma blusa de dourado fosco e calça preta), escorada numa discreta bengala, ela externou sua alegria pelo reconhecimento de seus “88 anos de vida e 72 de carreira”. Na sala que leva o nome de seu contemporâneo, o ator e cantor Grande Otelo, ela assistiu, com o público, a uma cópia restaurada de “Agulha no Palheiro”, de Alex Viany.

Dóris em cena de “Agulha no Palheiro”, de Alex Viany

Quando a sessão terminou, Dóris subiu ao palco da Cinemateca, para dar um show de humor e felicidade. Ao receber o Prêmio Leon Cakoff, “o meu Oscar”, ela lembrou que fizera uns “oito filmes, sendo o primeiro deles, ‘Agulha no Palheiro’”. Estava certíssima, pois neste, “aos 18 ou 19 anos”, interpretava uma personagem, a jovem Elisa, mocinha apaixonada por radionovelas, que sonhava tornar-se cantora profissional. A protagonista do filme é Mariana (Fada Santoro), que sai de pequena cidade do interior, grávida de um enrolão, que dizia chamar-se José Silva. Irá hospedar-se, na Cidade Maravilhosa, na casa suburbana dos primos (ou seja, na casa de Elisa) e conhecerá um dedicado amigo da família, Eduardo (Roberto Bataglin).

O primeiro filme a ter Dóris Monteiro em seu “elenco” foi “Com o Diabo no Corpo”, de Mario del Rio. Mas nele ela foi “ela mesma”, ou seja, um bela e afinada cantora, escalada para interpretar “Coimbra”. Já em “Agulha no Palheiro”, Dóris roubou a cena. Embora coadjuvante de Fada Santoro, deusa morena da Atlântida, a divertida Elisa causou sensação. Ganhou prêmio de melhor atriz, sobrando para Fada Santoro uma menção honrosa (ao que consta na primeira edição do Festival de Cinema do Distrito Federal, em 1953).

Na conversa com o público, na Cinemateca Brasileira, a cantriz prometeu “relembrar quase tudo” que acontecera “juntinho com vocês”. E justificou, bem-humorada e prevenindo-se de alguma falha de memória: “filmamos em 1952, portanto, há exatos 70 anos”. Mas lembrou-se que “‘Agulha no Palheiro’ me rendeu muitas alegrias, dois prêmios de melhor atriz e convites para outros filmes. Só não fiz mais cinema, porque os cachês eram muitos reduzidos, não davam para sustentar uma profissional, enquanto a carreira de cantora de rádio pagava bem e me permitiu conhecer o sucesso”.

Bem-humorada, encantou o público com a história da “inexistência” de beijo técnico: “Se a Globo me chamar para fazer novela, aceito na hora. E vocês sabem que não tem esta história de beijo técnico! Não tem não! Beijo é beijo. Fiz um filme (“De Vento em Popa”) com Cyll Farney, ator e cantor, meu grande amigo. Ele era um galã lindo. Aproveitei. Dizia ao diretor (Carlos Manga): vamos repetir, pode ficar bem melhor! Não sou boba!”

Alex Viany (1918-1992) foi o Pigmalião da atriz Dóris Monteiro. Além de revelá-la em
“Agulha no Palheiro”, filme concebido pelo núcleo cinematográfico do Partidão (PCB), ele a dirigiu nos longas-metragens “Rua sem Sol” e “Sol sobre a Lama”.

Dóris sempre foi muito agradecida pelos papéis para os quais Viany a escalou. Em “Agulha no Palheiro, ele foi coadjuvado, em suas decisões, por trupe de simpatizantes comunistas – Moacyr Fenelon (o produtor), Claudio Santoro (autor da trilha sonora) e os jovens Nelson Pereira dos Santos (assistente de direção) e Hélio Silva (assistente de fotografia).

O projeto de “Agulha no Palheiro”, concebido como uma comédia dramática neo-realista, à moda Cesare Zavattini, resultou em um “melodrama sentimental”. Mas quem assistir ao filme, agora restaurado pela Cinemateca Brasileira, vai encantar-se com a espevitada e brejeira Elisa de Dóris Monteiro. Nascia ali uma estrela, que só não brilhou mais porque “o cinema brasileiro pagava muito mal”.

FILMOGRAFIA
Dóris Monteiro (Rio de Janeiro, 21/10/1934 – Rio de Janeiro, 24/07/2023)

1952 – “Com o Diabo no Corpo”, de Mário del Rio (cantando a canção “Coimbra”)
1953 – “ Agulha no Palheiro”, de Alex Viany (uma das protagonistas)
1954 -“Carnaval em Caxias”, de Paulo Wanderley (uma das protagonistas, interpreta a garçonete do saloon, ao lado de José Lewgoy, o Honório Boa Morte)
1954 – “Rua sem Sol”, de Alex Viany (atriz coadjuvante)
1955 – “A Carrocinha”, de Agostinho Martins Pereira – Nesse filme, Mazzaropi é Jacinto e Dóris Monteiro a caipirinha Ermelinda
1957 – “De Vento em Popa”, de Carlos Manga (ela atua e canta “Mocinho Bonito” e “Dó, Ré, Mi”)
1957 – “Tudo é Música”, de Luiz de Barros (atriz)
1958 – “O Espetáculo Continua”, de José Cajado Filho (atriz coadjuvante)
1962 – “Copacabana Palace”, de Steno (Stefano Vanzina) – Produção internacional (Dóris faz pequena participação)
1964 – “Sol sobre a Lama”, de Alex Viany (papel coadjuvante)

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