“Noite do 12”, poderoso thriller sobre feminicídio, lembra os melhores filmes policiais de Chabrol
Foto © Fanny de Gouville
Por Maria do Rosário Caetano
“Noite do 12”, trama policial em torno de um feminicídio, construída com sensibilidade e tom reflexivo, chega nessa quinta-feira, 13 de julho, aos cinemas brasileiros. Dirigido por Dominik Moll, um francês adotivo, pois nasceu na Alemanha, sagrou-se o grande vencedor da mais recente edição dos Prêmios César, o “Oscar francês”.
A Academia Francesa de Cinema o brindou com os dois prêmios principais (melhor filme e melhor diretor). E mais: Dominik Moll viu seu poderoso drama judicial-feminista somar os troféus César de roteiro adaptado (de Gilles Marchand e dele), ator revelação para Bastien Bouillon, intérprete de investigador obcecado pelo trabalho, ator coadjuvante (Bouli Lanners) e som (François Maurel, Luc Thomas e Olivier Mortier).
“La Nuit du 12” baseia-se em capítulo do livro “18.3 – Une Année à la PJ” (em tradução livre: “18.3 – Um Ano Junto à Polícia Judiciária”), de Pauline Guéna. Ou seja, seu ponto de partida é um caso real, resumido em 30 páginas – o de uma jovem que teve suas roupas embebidas em produto inflamável. Um isqueiro foi aceso e arremessado sobre ela. Era noite numa pacata cidade (Saint-Jean de Maurienne) próxima aos Alpes, na região de Grenoble. A moça, pouco mais que uma adolescente, linda, loura, namoradeira e libertária, morreu queimada. Em seu celular ficaram gravados o último diálogo com a amiga, que visitara, e um vulto disforme.
Dominik Moll e seu co-roterista Gilles Marchand construíram roteiro de ourivesaria invejável. Sutil, complexo, humanista, feminista sem uma gota de proselitismo ou didatismo. A história nos prende a cada segundo, embora já no início da trama, o diretor quebre regra que pode aborrecer a muitos (em especial à geração paparicada pelos que seguem a cartilha “nenhum spoiler, ou a execração pública”). O diretor-roteirista avisa, de saída, que o crime, razão de ser de “Noite do 12”, não foi solucionado, assim como outros acumulados nos escaninhos da PJ (Police Judiciare).
Descobrir quem assassinou a jovem transforma-se na obsessão de inspetor jovem e celibatário, o capitão Yohan Vivès (Bastien Bouillon). Disciplinado, praticante incansável de ciclismo no velódromo local, ele e sua equipe tentarão por caminhos científicos (e legais) descobrir o que se passou naquela noite do dia 12. Vários suspeitos serão interrogados.
Um grande colaborador de Vivès será Marceau (Bouli Lanners), que anda com a cabeça quente, pois vive imensa decepção amorosa. Sua mulher, que sonhava engravidar e não conseguia, finalmente engravidou, mas de outro. Culto, amante da literatura a ponto de declamar o “Colóquio Sentimental”, de Verlaine, Marceau manterá, com o capitão Vivès, os mais sofisticados (refinados mesmo!) diálogos do filme. Sem nenhum exagero: “Noite do 12” atinge a mesma grandeza dos melhores filmes policiais de Claude Chabrol.
Os personagens são, como Marceau, problemáticos e matizados. E o feminicídio é tratado nas entrelinhas, potencializando assim a força da narrativa. Depois de três anos de minuciosas investigações, o PJ Vivès ainda não se libertou da obsessão pelo desvendamento do crime. Mas, em termos práticos, está entregando os pontos.
Uma juíza (Annouk Grindberg), agradecida pelo empenho dele, o estimulará a novas investidas na busca do assassino. Ele não chegará a bom termo, mesmo que mais um suspeito, de perfil meio mórbido, apareça. Mas, pelo menos, aprenderá algo na convivência com os colegas de trabalho, inclusive com uma jovem policial, Nadia (Mouna Soualen). Metaforicamente, ao trocar o ciclismo no opressivo ambiente do velódromo pela estrada que corta a ampla paisagem cercada pelas montanhas dos Alpes, ele nos fornecerá, além de uma poderosa metáfora visual-sensorial, uma dose, mesmo que pequena, de esperança.
Dominik Moll, embora revele que o olhar masculino sobre os procedimentos de uma mulher livre preserva características medievais, não está em busca de bestas humanas. Sua intenção se afasta de personagens unidimensionais. Mesmo os suspeitos de assassinato (e muitos são investigados) só na aparência parecem amedrontadores. Fisicamente, alguns deles se assemelham mesmo a malucos seriais. Mas este não será o caminho trilhado. Um rapper, que se aproximou de Clara Royer, a jovem assassinada (Lula Cotton-Frapier), canta versos banhados na mais brutal (e incendiária) das violências. Mas será visto como um ser humano com muitas fragilidades. E assim será o olhar do filme sobre os outros investigados.
Valeu a longa espera pelo novo longa-metragem do já veterano Dominik Mall. Duas décadas atrás, ele ganhou um César de melhor diretor por “Harry Chegou para Ajudar”, filme que, além de vender 2 milhões de ingressos, ajudou a consolidar a carreira do catalão Sergi López.
A França adotiva, registre-se, recebeu com imenso entusiasmo a volta de Moll à cena cinematográfica. Além dos troféus César, ele recebeu 5 estrelas de alguns dos principais jornais e revistas parisienses (Libération, Band à Part, Positif, Figaro e 14 outros veículos), 4 do Le Monde e Les Inrockuptibles. Até a Cahiers du Cinéma dignou-se a registrar sua estreia e, em sua crítica, lhe atribuiu 3 estrelas.
Noite do 12
França, 114 minutos
Direção: Dominik Moll
Elenco: Bastien Bouillon (o capitão Yohan Vivès), Bouli Lanners (investigador Marceau), Lula Cotton-Frapier (Clara Royer, a jovem assassinada), Pauline Serierys (Nannie, amiga da morta), Annouk Grinberg (a juíza), Mouna Soualem (Nadia), Jules Porier, Théo Colbi, Johann Dionnet, entre outros
Roteiro: Gilles Marchand e Dominik Moll
Argumento: de Pauline Guéna (autora do livro “18.3 – Une Année à la PJ”)Fotografia: Patrick Ghiringhelli
Música: Olivier Marguerit
Distribuição: Pandora