Mostra CineBH premia “Guapo’y”, “Puentes en el Mar” e “Diógenes”
Foto: Os premiados da 17ª CineBH © Leo Lara/Universo Produção
Por Maria do Rosário Caetano, de Belo Horizonte-MG
O Paraguai, cinematografia em fase de consolidação, foi o grande vencedor da competição Território da Mostra CineBH, encerrada no domingo, primeiro de outubro, na capital mineira. O longa documental “Guapo’y”, de Sofia Paoli Thorne, foi escolhido como o melhor filme pelo júri oficial e pela Crítica.
O júri oficial, ao qual cabia atribuir apenas três prêmios, laureou, também, a cineasta colombiana Patrícia Ayala Ruiz e sua estreia ficcional “Puentes en el Mar”, destacando o trabalho coletivo dos atores (“sociais e profissionais”) de origem afro. Mas o prêmio de interpretação coube à pré-adolescente Gisela Yupa, de 11 anos, oriunda de comunidade quéchua, do Peru. Ela fez jus ao troféu Horizonte como “a melhor presença” (termo vago, não?) por seu impressionante trabalho no filme “Diógenes”, de Leonardo Barbuy.
As decisões foram justas. Dos oito filmes da mostra competitiva, os três laureados são realmente os melhores. E o Paraguai – vencedor do Festival de Gramado, em 2019, com a ficção “As Herdeiras”, Urso de Prata em Berlim – encantou a todos com a história da presa política Celsa Ramirez Roda. Depois de libertada do Peñal Emboscada, a prisão política do ditador Strossner, Celsa dedicou-se, além da harpa, que lhe deu projeção em concertos internacionais, ao cultivo de plantas medicinais. Sem esquecer, claro, a luta pelos Direitos Humanos.
Há muito não se via documentário político latino-americano tão harmonioso em seus propósito: falar da militância anti-ditadura de uma família (além de Celsa, a polícia de Strossner aprisionou o marido, um filho e a mãe filho dela), sem cair nas armadilhas fáceis da retórica catequizadora.
“Guapo’y” (nome guarani de frondosa árvore do presídio da Emboscada) mostra Celsa em seus experimentos com as plantas e em conversas com a mãe e o filho. A contextualização histórica (a longeva ditadura Strossner estendeu-se de 1954 a 1989) se faz de forma sútil, assim como os diálogos de Celsa. Ela é vista, também em imagens de grande beleza, afinando as cordas de sua harpa paraguaia ou manipulando raízes (estas colocadas em pontos nevrálgicos de seu corpo) e folhas em efusões curativas. No final, se ouvirá a guarânia “Índia” em solo da artista.
O longa colombiano “Puentes en el Mar” é a primeira incursão de sua diretora, Patrícia Ayala Ruiz, na ficção. Antes, ela realizara dois longas documentais. Em suas origens, “Pontes no Mar” também seria um documentário.
Patrícia dirigiu-se à região sul da Colômbia, em especial à cidade de San Andrés de Tumaco, conhecida como a “Pérola do Pacífico”, para realizar seu terceiro longa. Aproximou-se da população afro-colombiana dessa cidade de 170 mil habitantes, vocacionada ao turismo (por causa de suas belezas naturais). Conheceu mães que lutavam para afastar os filhos do crime. Conviveu com elas e concluiu que seria menos arriscado trabalhar com personagens ficcionais. Foi o que fez. Buscou os atores adolescentes na própria comunidade. Eles foram preparados em ensaios que duraram quatro meses. Uma atriz profissional, Catalina Mosquera, a protagonista Alícia, agregou-se ao grupo no quarto mês preparatório.
Em “Puentes en el Mar”, Alícia, integrante da comunidade afro-descendente de Tumaco, cerca seu filho adolescente, Michel (Jaime Cortés) de todos os cuidados. A ponto de levá-lo à escola (para constrangimento do garoto). Agindo assim, ela espera evitar que ele seja recrutado por gangues que espalham o terror pelos bairros de fronteiras invisíveis. Certo dia – justo aquele em que Alícia elegantemente vestida (e com sapatos novos e apertados) participa de teste para emprego na casa de influente político – algo que ela tanto temia acontece. O filho Michael não regressa da escola.
Acompanhamos, então, a angustiada busca da mãe pelo filho. E, também, a perigosa aventura de Michael na companhia de colega descolado (Pedro Luís Dajone). Com sutileza, economia de recursos, roteiro e banda sonora muito bem urdidos, a cineasta constrói a narrativa que lhe valeu o Troféu Horizonte.
O longa peruano “Diógenes” se desenvolve em torno de um pai (Jorge Pomacanchari), que pinta ‘tablas de sarhua’, arte popular e registro de histórias imemoriais. Ele vive num lugar ermo, nos Andes, com os filhos Sabina (Gisela Yupa) e Santiago (Cleiner Yupa).
Diógenes, este é o nome do pintor de tablas, vai ao povoado trocar suas criações por mantimentos que ajudem na subsistência da família. A vida deles segue em completo isolamento. Um dia, para desespero dos filhos, Diógenes não acorda.
As crianças esperam, por três dias, que ele desperte. Como isso não acontece, Sabina, após enterrar o pai com ajuda do irmão menor (de seis anos), vai ao povoado. Conversa com mulher-comerciante revelará à menina órfã dados desconhecidos de sua vida cercada de solidões. Sabina e Santiago terão, então, que sair do isolamento na montanha e buscar o passado. O trabalho da pré-adolescente em sua primeira experiência como atriz é realmente impressionante.
A entrega dos quatro prêmios da competição (os do Júri Oficial e da Associação Brasileira de Críticos de Cinema) deu-se em ritmo ágil e sem discurseira. A articulada produtora argentina Gabriela Cueto agradeceu os prêmios a “Guapo’y” em nome da realizadora paraguaia (nascida no Peru) Sofia Paoli Thorne e ponderou que o reconhecimento ajudará no lançamento comercial do filme, agendado para daqui a três semanas em seu país de origem.
Patrícia Ayala agradeceu o Troféu Horizonte atribuído à sua primeira incursão na ficção e Leonardo Barbuy aproveitou o momento para lembrar que o meio cinematográfico de seu país vive momento dos mais difíceis. Afinal, projeto-de-lei em tramitação no Congresso Nacional peruano pretende proibir financiamento público a filmes realizados em línguas originárias (como o quéchua, de “Diógenes”).
“Levar esse prêmio para o Peru” – garantiu Barbuy – “é muito importante, pois demonstra reconhecimento internacional a nossos filmes feitos em línguas originárias e dá força à nossa luta contra a alteração de nossa Ley del Cine, pluralista e democrática”. Por fim, pediu que todos os interessados prestassem apoio ao movimento acessando o endereço @defensacineperu.
Depois da entrega dos prêmios aos filmes da competição latino-americana, começou a cerimônia de reconhecimento a alguns dos 150 projetos brasileiros inscritos no mais tradicional segmento da CineBH: o Brasil CineMundi, destinado ao desenvolvimento de projetos cinematográficos que se encontram em fases diversas (da formatação à finalização).
Foram premiados realizadores como Marco Antônio Pereira, de Cordisburgo (com “Paisagem de Inverno”), Luciano Vidigal, do grupo Nós do Morro (com “Kasa Branca”), o documentarista Marcos Pimentel, que fará sua estreia na ficção (com “O Silêncio das Ostras”, protagonizado por Bárbara Colen), Joyce Prado e Sidney Santiago Kuanza (com “Negror em Paisagens”), Juliana Antunes, que depois do longa “Baronesa” dirigirá “ Cartoleiras” (com mulheres boleiras), e Clarissa Campolina e Sérgio Borges (“Sussuarana”).
Outros projetos foram reconhecidos. Caso do baiano “Orquestra”, de Urânia Munzanzu, “Infantaria”, da alagoana Laís Santos Araújo, filme que nasceu como curta-metragem, os paulistas Michel Carvalho (“Boy”) e Pedro Nishi (“Depois da Aula”), o carioca Wagner Novais (com “Turma 101”), os brasilienses Vinicius Fernandes e Leonardo Hecht (“Sal da Noite”) e os mineiros Pedro Carvalho (“Zoografias”), Janaína Wagner (“A Mala da Noite”) e João Borges (“Espelho Cigano”).
Os projetos do segmento Brasil CineMundi foram premiados com apoios nacionais (da O2, Mística, DOT, projeto Paradiso Multiplica, Edna Fuji, etc.) e internacionais (em especial laboratórios como os dos festivais de Málaga, na Espanha, Montreal, no Canadá, Turim, na Itália, Havana, em Cuba, Montevideo, no Uruguai, e Buenos Aires, na Argentina). E, também, com o Ventana Sur. O Itamaraty ajudará os premiados a frequentar os laboratórios de aperfeiçoamento no festival dos países que os selecionaram.
A entrega dos certificados aos laureados foi dinâmica e movimentada. Ninguém discursou por mais de um minuto. E tudo que foi dito era substantivo. Luciano Vidigal evocou Zózimo Bulbul e Guti Fraga, importantes em sua formação como praticante de um cinema voltado aos corpos negros. A baiana Urânia Mazanzu fez agradecimento descolado ao lado de sua produtora e garantiu que, com “Orquestra”, vem aí ficção centrada na arte como instrumento de luta pela liberdade.
Os agradecimentos foram, sem exceção e milagrosamente, rápidos e certeiros. E, o melhor, animados pelo DJ Hellzonte (sim Hell no lugar de Belo), que mandou ver com trilha sonora espertíssima. Se, por exemplo, o premiado ganhasse espaço para participar do Laboratório do Festival de Havana, ouvíamos “Guantanamera”. Se ele vinha da Bahia ou do Rio de Janeiro, ecoavam ritmos sincopados e dançantes de artistas desses estados.
A trilha sonora que embalou a cerimônia foi tão contagiante, que o chileno Leonardo Ordoñez, representante do Festival de Málaga, não se conteve. Antes de anunciar o nome do brasileiro que participará do Laboratório no evento ambientado na Andaluzia espanhola, rasgou elogios contagiantes ao craque das carrapetas do CineBH, o Hellzonte.
Confira os vencedores:
Competição Latino-americana
. “Guapo’y”, de Sofia Paoli Thorne (Paraguai): melhor filme pelo Júri Oficial e pela Crítica (Prêmio Abraccine) – Prêmio Horizonte de R$10 mil
. “ Puentes en el Mar”, de Patrícia Ayala Ruiz (Colômbia): melhor direção (Prêmio Horizonte)
. “Diógenes”, de Leonardo Barbuy (Peru): melhor presença (Gisela Yupa) – Prêmio Horizonte
BRASIL CineMundi (projetos)
. “Paisagem de Inverno”, de Marco Antônio Pereira (Cordisburgo-MG): Prêmio Horizonte e apoio Ventana Sur, Mística, Dot, Edna Fuji e Parati Filmes
. “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal (RJ)
. “O Silêncio das Ostras”, de Marcos Pimentel (MG)
. “Espelho Cigano”, de Romani Mirror
. “Cartoleiras”, de Juliana Antunes (MG)
. Orquestra”, de Urânia Munzanzu (BA)
. “Infantaria”, de Laís Santos Araújo (AL)
. “Boy”, de Michel Carvalho (SP)
. “Depois da Aula”, de Pedro Nishi (SP)
. “Turma 101”, de Wagner Novais (RJ)
. “Sal da Noite”, de Vinicius Fernandes e Leonardo Hecht (DF)
. “Zoografias”, de Pedro Carvalho (MG)
“A Mala da Noite”, de Janaína Wagner (MG)
. “Sussuarana”, de Clarissa Campolina e Sérgio Borges (MG)
. “Espelho Cigano”, de João Borges (MG)
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