Roqueiro-trovador Fito Páez protagoniza melodrama rebelde na Netflix e concorre a três Prêmios Platino

Por Maria do Rosário Caetano

Quem se interessa pela carreira do roqueiro argentino Fito Páez não pode perder a série “Amor e Música” (“El Amor Después del Amor”, no original), disponível na Netflix. Mesmo quem não conhece o artista, hoje com 61 anos, correrá o risco de ser fisgado pelos primeiros capítulos da narrativa, pois seu criador – o experiente Juan Pablo Kolodziej – construiu um aliciante e agitado melodrama rebelde. Sim, um melodrama de grande apelo popular, irresistível.

Ao longo de oito capítulos (média de 40 minutos cada), nos deparamos com a história de Rodolfo Páez Ávaloz, um menininho raquítico, dono de imenso nariz, nascido em Rosário, a mesma cidade de Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), o Che.

O rosarino perdeu a mãe, Margarida Ávalos, ainda infante. Ela foi vítima de câncer aos 33 anos. Foi, por isso, criado pela avó e pelo pai, o melômano Rodolfo (daí ser chamado de Rodolfito, apelido que acabou reduzido a Fito). Influenciado pelo amor paterno, ele estudou piano e, na pós-adolescência, mudou-se para Buenos Aires. Lá enturmou-se com a trupe roqueira de Charly Garcia, onze anos mais velho que ele.

“El Amor Después del Amor”, nome da série e de um dos maiores sucessos musicais de Fito Páez, concorre, no próximo dia 20 de abril, a três Prêmios Platino, láurea atribuída aos Melhores do Cinema e da TV Ibero-Americanos: melhor criador de minissérie ou telessérie (Juan Pablo Kolodziej), melhor atriz (Micaela Riera) e melhor ator coadjuvante (Andy Chango).

Os três artistas argentinos fizeram por merecer as indicações. Kolodziej, porque soube captar o lado melodramático da carreira de Fito Páez. E o fez em contraponto aos sofrimentos do menino órfão confrontados com o tempo artístico-profissional do roqueiro-trovador. Sofrimentos familiares o perseguiriam pela vida adulta. Temos, então, a história de uma criança (e um adolescente) que viverá aos sobressaltos. E que, na juventude e maturidade, quando sua carreira se consolidava, perdeu o pai e — em condições trágicas — a avó e a doméstica que ajudaram na sua criação. Esse episódio (a morte da avó e da empregada) comporá uma das mais impressionantes sequências da narrativa, pois envolve drogas, rock’n’roll, inveja, prostituição e um colar de pérolas.

O elenco rende bem. Micaela Riera, indicada a melhor atriz, empresta graça, beleza e rebeldia ao primeiro amor de Fito, a cantora Fabiana Cantilo, que ele chama de “Fábi”. O ator Andy Chango, que concorre a melhor ator coadjuvante, evoca com sagacidade o performático Charly García (hoje com 72 anos). Que, como Fito Páez, mantém grandes afinidades com o Brasil, em especial com Caetano Veloso e os Paralamas do Sucesso. Charly foi, inclusive, casado com uma brasileira, a mineira Zoca Pederneiras (mãe de um de seus filhos).

O Brasil aparece, ao longo da narrativa, em quatro momentos de “El Amor Después del Amor”. Primeiro, na vitrola do Sr. Rodolfo, fã de Antônio Carlos Jobim. Ele coloca um disco do compositor brasileiro para o menino ouvir. E escolhe a dedo a faixa: “Águas de Março”. Depois, o próprio Fito vai enumerar, em entrevista à TV, a Bossa Nova de Tom Jobim entre suas principais influências. Mais tarde, veremos Fito, sua amada Fábi e Charly García curtindo praia carioca (depois de apresentação em show no Circo Voador). O contraponto para essa sequência será o trágico crime que vai colocar o “trovador rosarino” nas páginas da imprensa policial-sensacionalista. Sua avó e sua doméstica teriam sido assassinadas por ladrões? Ou por cobradores de dívidas de droga, contraídas por Fito e seus amigos, consumidores vorazes de aditivos químicos?

Por fim, um brasileiro – o produtor André Midani (Síria, 1932 – Brasil, 2029) – será responsável pela recolocação de Fito Páez na rota do sucesso. Eles se conhecem em Punta del Este, no Uruguai. O artista argentino recebe de Midani excelente proposta de trabalho. Mas se sente em momento criativo dos mais complicados. O ousado sírio-franco-brasileiro se mostra compreensivo, mas não desiste e, tempos depois, dará carta branca ao compositor, pianista e cantor para que produza, com total liberdade e muita grana, álbum que vai estourar nas paradas de sucesso.

Midani ganha força representativa com o ótimo desempenho do festejado ator franco-argentino Jean-Pierre Noher (de “Um Amor de Borges”, com diversas participações em filmes, como “Estômago”, e telenovelas brasileiras). Para o mais ousado dos produtores da MPB (e do rock), Fito Páez guardou agradecida memória.

A atriz Cecília Roth, uma das ‘chicas de Almodóvar’, aparece nos dois capítulos finais de “El Amor Después del Amor”. Afinal, ela casou-se com Fito em 1999 e viveu com ele oficialmente até 2003 (há quem estique a convivência por dez anos). Desta união nasceu Martín, filho do casal.

A esta paixão fulminante, Fito dedicou um dos maiores sucessos de sua carreira – “Un Vestido y un Amor”, gravada por Caetano Veloso no seminal álbum “Fina Estampa” (voltado por inteiro ao cancioneiro hispano-americano). O argentino gostou tanto do ritmo lento dado por Caetano a seus versos, que a regravou à moda baiano-brasileira.

Cecília Roth, protagonista de “Tudo sobre minha Mãe”, quase conseguiu colocar o inquieto Fito nos eixos. Por sua nova musa, ele foi obrigado a moderar alguns de seus hábitos noturnos. Até se conteve em seus figurinos hipermaluquetes e no tamanho de seus espalhafatos óculos. Na primeira vez – é o que mostra a série – em que Fito se meteu a besta, desaparecendo sem dar notícias, a atriz-esposa avisou (tão logo ele adentrou ao lar): “não venha posar de roquerito loco comigo, não!”.

Sem querer apelar a psicologia de almanaque, dá para supor que Fito buscasse na bela e famosa estrela de Almodóvar a “mãe” que perdera tão cedo. Mas Cecília era apenas seis anos e cinco meses mais velha que ele. Em 1999, quando do lançamento de “Tudo sobre minha Mãe” nos cinemas brasileiros, filme que encaparia a revista Cahiers du Cinéma, entrevistei Cecília Roth para o Jornal de Brasília. Ela falou com muito carinho do marido, de quem, no ano seguinte, protagonizaria o longa-metragem “Vida Privada”, ao lado do mexicano Gael García Bernal e do argentino Hector Altério. Embora escrito em parceria com o respeitado escritor Alan Pauls, o drama não fez sucesso de público, nem de crítica. O mesmo já ocorrerá com “La Balada de Donna Helena”, média-metragem de 1993, e com o longa “De Quién es el Portaligas?” (2007). O artista tem espaço garantido na história da música argentina, mas não no vigoroso cinema de nuestros hermanos.

Nos créditos finais de “El Amor Después del Amor”, Fito Páez fez questão de registrar que se dá muito bem com suas duas ex-amadas – Fabiana Cantilo e Cecília Roth. Pena que a jovem atriz (Daryna Boutryk), intérprete da ‘chica de Almodóvar’, não tenha carisma, nem semelhança com a atriz argentina (que desenvolveu parte significativa de sua carreira na Espanha). Em compensação, a avó de Fito Páez ganha com a interpretação de Mirella Pascual (do cativante longa uruguaio “Whisky”) o brilho das grandes atrizes. Ela enche a tela de magnetismo em sua relação com o neto infante e adolescente.

A série, registre-se, não esconde as fragilidades emocionais de Fito Páez, nem seus fracassos. E dará destaque ao tempo histórico em que ele formou-se como um mais importantes trovadores-roqueiros da Argentina — a ditadura militar de 1976-1983. Em especial na ótima vinheta que introduz a narrativa seriada.

Detalhe final: Cecília Roth receberá, este ano, o Platino de Honor, láurea celebratória que já foi entregue a seu conterrâneo Ricardo Darín, à brasileira Sonia Braga, à portorriquenha Rita Moreno e ao espanhol-malaguenho Antonio Banderas. Este, o autor do mais belo discurso já pronunciado numa das festas platinas.

A décima-primeira edição do prêmio dedicado ao audiovisual ibero-americano acontecerá na Riviera Maya, no México, e terá transmissão ao vivo pelo Canal Brasil (a partir de 20h45 do sábado, 20 de abril).

 

Amor e Música – Fito Páez | El Amor Después del Amor
Série dramático-musical, 2023, com oito capítulos de média de 40 minutos cada
Criação: Juan Pablo Kolodziej
Direção: Juan Risso e Carolina Milli
Elenco: Iván Hochman (Fito), Micaela Riera (Fábi), Andy Chango (Charly García), Martín Campilongo (Sr. Rodolfo Páez), Mirella Pascual (avó de Fito), Julian Kartun (Spinetta), Daryna Butrik (Cecília Roth), Jean-Pierre Noher (André Midani), Vitória Bernardi (mãe de Fito), Monica Raiola (Pepa), entre outros
Onde: Netflix

 

NOS PRÊMIOS PLATINO

FINALISTAS A MELHOR CRIADOR DE MINISSÉRIE OU TELESSÉRIE:

. Juan Pablo Kolodziej (“El Amor Después del Amor”, Argentina)
. Alex de la Iglesia (“30 Monedas T2”, Espanha)
. Daniel Burman (“Iosi, El Espía Arrepentido S2”, Argentina)
. Santiago Korovsky (“División Palermo”, Argentina)

MELHOR ATRIZ (minissérie ou telessérie):

. Micaela Riera (“El Amor Después del Amor”, Argentina)
. Aline Küppenheim (“Los Mil Días de Allende”, Chile)
. Lola Dueñas (“La Mesías”, Espanha)
. Úrsula Corberó (“El Cuerpo en Llamas”, Espanha)

MELHOR ATOR COADJUVANTE (minissérie ou telessérie):

. Andy Chango (“El Amor Después del Amor”, Argentina)
. Daniel Hendler (“División Palermo”)
. Emilio Zurita (“La Cabeza de Joaquín Murrieta”, México)
. Manolo Solo (“30 Monedas T2”, Espanha)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.