Abará baiana promove “Revoada”, “Ópera Tragicrônica”, “Minha Máxima Cuba” e “Aprender a Sonhar”
Por Maria do Rosário Caetano
Depois de lançar o mobilizador documentário “1798 – A Revolta dos Búzios”, de Antônio Olavo, sobre levante movido por negros baianos impregnados de ideais iluministas, a distribuidora soteropolitana Abará Filmes coloca no circuito de arte brasileiro o ‘nordestern’ “Revoada: Última Vingança do Cangaço”, segundo longa-metragem de José Umberto.
Até o final do ano, serão lançados “Brazyl: Uma Ópera Tragicrônica”, de José Walter Lima, “Minha Cuba, minha Máxima Cuba”, de Júlio Góes, e “Aprender a Sonhar”, de Vítor Rocha. Notem que a criatividade baiana na escolha de títulos não é privilégio do cineasta Henrique Dantas, inventor de maravilhas como “Dorivando Saravá, o Preto que Virou Mar”. Tanto que um dos participantes do Projeto Abará — que nesse momento retira os filmes baianos das prateleiras —, o produtor e realizador José Walter Lima, definiu personagem de um de seus longas, o multiartista Rogério Duarte, como um “tropykaoslista”. Agora, nos obriga a ler e reler a definição de sua ópera “tragicrônica” (não tragicômica).
José Umberto, o diretor de “Revoada”, é mais apegado a termos dicionarizados. Seu primeiro longa-metragem tinha título antitético, mas de fácil leitura – “O Anjo Negro” (1972). Se ele foi objetivo nos títulos tanto de seus documentários quanto de suas pesquisas do ‘nordestern’, nunca o foi, porém, em suas ficções.
Aos 75 anos, José Umberto soma uma dezena de curtas-metragens e significativa folha de serviços prestados à pesquisa cinematográfico-cangaceira. Além de romance inédito sobre Dadá (Sérgia Ribeiro da Silva, 1915-1994), mulher de Corisco, o cineasta dedicou a ela seu filme mais conhecido – o documentário “A Musa do Cangaço” (1981). O filme forma com “A Mulher no Cangaço” (1976), média-metragem de Hermano Penna, duo obrigatório a quem se interessa pela presença feminina nos bandos de cangaceiros.
Como não conseguiu publicar seu romance (“Dadá, Confissões de uma Cangaceira”), José Umberto seguiu coletando material sobre a pernambucano-baiana Sérgia Ribeiro da Silva, que depois de baleada em combate (“Mataram Corisco/e balearam Dadá”), radicou-se em Salvador. O cineasta retirou, de sua fraterna convivência com a ex-cangaceira, muitos conhecimentos. Ela, que seguiu sua vida, com uma perna amputada, como pacata costureira e bordadeira.
Como “A Musa do Cangaço” foi o filme que colocou o realizador baiano, nascido em Sergipe, com destaque no longo e importante ciclo do ‘nordestern’, era natural que ele se dedicasse, com imenso interesse, a estudar os passos de outro nome vistoso no ciclo fílmico do cangaço: o mascate libanês Benjamin Abrahão, que filmou Lampião, Maria Bonita e bando, nos anos 1930. O mesmo mascate-cineasta que teria sua trajetória recriada em filme (“Baile Perfumado”, 1996), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas.
Depois da publicação de seu estudo “Benjamin Abrahão, o Mascate que Filmou Lampião”, José Umberto seguiu em seu mergulho por aventuras e desventuras bandoleiras, tão presentes no Nordeste (século XIX e metade do XX) para realizar seu ‘nordestern’. Ele escreveu e reescreveu o roteiro da “Última Vingança do Cangaço” até conseguir filmá-lo na década passada.
“Revoada” ficou pronto em 2014, participou da Mostra de Cinema de Tiradentes 2015 e, depois, do Encontro de Cinema e Vídeo dos Sertões, em Floriano, no Piauí, onde despertou significativo interesse. O filme fez jus ao Troféu Cacto de melhor atriz (Annalu Tavares), figurino (Zuarte Júnior) e maquiagem (Wilson D’Argolo). Mas permaneceu na prateleira, aguardando distribuição, por quase dez anos.
Pois agora, graças à Lei Paulo Gustavo, o cineasta baiano Vítor Rocha, tendo outro cineasta na retaguarda (José Walter Lima, da produtora VPC Cinema Vídeo) montou o projeto de distribuição que, ao longo desse ano, colocará parte da produção made in Bahia no circuito exibidor.
“Última Vingança do Cangaço” chega aos cinemas no dia 15 de agosto. Antes, o filme terá pré-estreia, seguida de debate, no Espaço Augusta (terça-feira, dia 13 de agosto). Com participação do diretor e de seus protagonistas (Jackson Costa e Annalu Tavares).
O longa baiano mostra um bando de cangaceiros, composto de duas mulheres e oito homens, inserido no caótico momento que se seguiu à morte de Lampião, Maria Bonita e bando na Gruta de Angico, na divisa de Sergipe e Alagoas. Desnorteados, os cangaceiros não sabiam como agir e nem lidar com a situação que se lhes apresentava. Depois do triunfo em Angico, o Governo, fortalecido junto à opinião pública, e as volantes estavam tranquilos. Haviam vencido a difícil peleja.
O que deveriam fazer aqueles remanescentes do cangaço? Entregar-se às forças policiais ou buscar a vingança do massacre da gruta de Angicos?
O cineasta dramatiza essa questões ao registrar “as ações desesperadas” daqueles homens e mulheres. Afinal, haviam perdido seu maior e mais aglutinador líder, o pernambucano Virgulino Ferreira (1898-1938). Cabe a Jackson Costa, o principal papel masculino de “Revoada” e a Annalu Tavares interpretar a cangaceira Jurema.
O terceiro filme a ser distribuído pela Abará é “Brazyl: Uma Ópera Tragicrônica”, de José Walter Lima, também com pré-estreia em São Paulo, e lançamento nacional programado para o mês de outubro. Walter define seu filme como “uma leitura crítica e experimental sobre a história recente do país”.
Diretor de “Rogério Duarte, o Tropikaoslista”, o baiano diz que seu longa-metragem resulta “de mescla das linguagens ficcional, teatral e cinematográfica”. Uma “jogralesca”, que “reflete parte da realidade social e política brasileira, refazendo e pontuando episódios importantes desde a década de 1930 até os dias atuais”. Sua “Ópera Tragicrônica” percorre “caminho que vai da interrupção da democracia por um golpe militar, em 1964, portanto um período ditatorial, até 1985, quando, depois de muitas lutas populares, desaguaria em processo de redemocratização”.
“Brazyl” é uma adaptação do texto teatral “Brazyl: Poema Anarco-Tropicalista”, do próprio José Walter Lima, que, ao transformá-lo em roteiro, contou com a colaboração de Júlio Góes. No elenco estão Clara Paixão, Clovys Torres, Lucas Valadares, Rosana Judkowitch, Vanessa Carvalho e Wagner Vaz. A direção de fotografia é de Rodrigo Chagas, a montagem de Bau Carvalho e a trilha sonora de Ordep Lemos. Na pesquisa de imagem estão o craque Antônio Venâncio, Zezão Castro e Bernardo Tavares.
O quarto longa da safra distribuída pela Abará tem título dos mais curiosos – “Minha Cuba, minha Máxima Cuba”. Trata-se de documentário sobre o ator Wilson Mello (1934-2010), que em boa parte de seus 76 anos marcou a história cultural da Bahia, seja no teatro, seja no cinema. O diretor Júlio Góes coletou imagens e documentação reunidas ao longo de cinco anos. Mergulhou em minuciosa pesquisa nos vinte filmes de longa-metragem em que Wilson atuou, desde sua estreia, primeiro nos palcos, em 1964. Até 2009, ano anterior à sua morte.
Os soteropolitanos se acostumaram à presença carismática, irreverente e espirituosa de Wilson Mello. Desbocado, ele fincou raízes na vida literária, cênica e cinematográfica baiana. E nos bares, claro. “Minha Cuba, minha Máxima Cuba” era o modo usado pelo ator Wilson Mello para solicitar ao garçom a sua bebida favorita – o drink cuba libre.
Júlio Góes lembra que “Wilson tornou-se, ele próprio, um personagem visível da mesma saga que representava nos palcos e no cinema”. Uma saga “marcada pelo amor do povo por ele e dele pela gente da cidade de Salvador”. O ator se orgulhava de ter participado de montagens de clássicos da literatura ligados à velha capital baiana, cidade em que viveu e que muito amou. Entre os textos preferidos dele estavam os de Jorge Amado (1912-2001) e do poeta Gregório de Matos (1636-1696), o “Boca do Inferno”.
“Sob a influência de Amado e de Mattos” – explica Góes – “o artista criou uma maneira de falar satírica, recheada de palavrões, como era do gosto dos dois escritores”. Por isso, “os três influenciaram de forma tão significativa o comportamento da cidade de Salvador”. A direção de fotografia é de Og Cerqueira, a edição de Bau Carvalho, o onipresente, com animação de Marco Alemar e produção-executiva de José Walter Lima.
O próprio diretor-distribuidor Vítor Rocha assina o quinto filme do pacote baiano da Abará: “Aprender a Sonhar”. Este documentário aborda temas como ancestralidades e cosmovisões na política de cotas raciais.
Durante sete anos (de 2016 a 2023), o cineasta acompanhou os cinco personagens de seu filme (Taquari Pataxó, Tamiwere Pataxó, Marina Barbosa, Nadjane Cristina e Ana Paula Rosário). E o fez no que ele define como “uma emocionante jornada de superação e transformação social”.
Vítor Rocha percebeu que “os estudantes, sejam indígenas, quilombolas ou moradores de distintas periferias, quando sonham em entrar numa universidade, graças à política de cotas raciais, eles levam consigo conhecimentos ancestrais e cosmovisões que têm muito a ensinar à própria academia”.
Em sua empreitada, o realizador contou com a colaboração de diversos nomes da fotografia baiana. Do experiente Pedro Semanovschi, passando por Rodrigo Chagas, Daniel Carvalho, Mateus Damasceno, Marcus Maia, Uiran Paranhos e por ele mesmo, que assina, também o roteiro do filme. A trilha sonora traz a assinatura do Povo Pataxó da Reserva da Jaqueira. Vítor assina, também, a montagem, em parceria com Manno Fino e Thiago Brandão
Revoada: Última Vingança do Cangaço
Brasil, 2014-2024, 75 minutos
Direção e roteiro: José Umberto
Elenco: Jackson Costa, Analu Tavares, Aldri Anunciação, Nelito Reis, Edlo Mendes, Gil Teixeira, Caio Rodrigo, Nayara Homem, Bernardo D’El Rey, Sérgio Telles, Christiane Veigga, Carlos Betão
Fotografia: Mush Emmons
Música: João Omar
Montagem: Bau Carvalho, Severino Dadá e André Sampaio
Direção de Arte: Zuarte Júnior
Produção: VPC Cinemavideo
Distribuição: Abará Filmes
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