“Zé”, “Entrelinhas” e “O Mensageiro” revisitam porões da ditadura militar

Foto: Cena de “Zé”, de Rafael Conde

Por Maria do Rosário Caetano

“Zé”, do mineiro Rafael Conde, longa-metragem que mostra os estertores da militância clandestina no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985), chega aos cinemas brasileiros nessa quinta-feira, 29 de agosto. E o faz no momento em que seguem em cartaz dois filmes ambientados no mesmo período histórico – “Entrelinhas”, do paranaense Guto Pasko, e “O Mensageiro”, da carioca Lúcia Murat.

Os três filmes, todos ficcionais, se passam nos anos Médici, quando o fechamento do regime conheceu seu ápice. Em nome do combate a grupos armados (ou não) de esquerda, as forças repressivas ganharam carta branca para torturar e matar.

Durante o recente governo do presidente Jair Bolsonaro, ele mesmo oriundo dos quadros das Forças Armadas e defensor ardente do Coronel (e torturador) Carlos Brilhante Ustra, forças progressistas perceberam a necessidade de recuperar a trágica memória dos chamados “Anos de Chumbo”, já que os brasileiros haviam dado, com seu voto, aval à eleição de candidatos de extrema-direita.

O que “Zé”, “Entrelinhas” e “O Mensageiro” têm em comum, além dos títulos telegráficos? O que trazem de novo para o cinema brasileiro? Têm algo a acrescentar ao ciclo que, no período da redemocratização (1979-1984), havia revisitado os anos da hegemonia militar?

“Zé” conta a história de um militante da AP (Ação Popular Marxista-Leninista), o mineiro José Carlos Novais da Mata Machado, filho de Edgard da Mata Machado, respeitável professor da UFMG (cassado do exercício do magistério, em 1968). Ao optar pela luta clandestina com seu grupo político, braço católico da esquerda, o jovem (interpretado pelo ator Caio Horowicz) abandonou o curso de Direito e uniu seu destino ao de Bete (Eduarda Fernandes), também militante da AP e mãe de seus filhos, Eduardo e Dorival.

Por princípio, Rafael Conde, de 62 anos, professor da mesma UFMG, fez questão de colocar “atos de tortura no extra-campo”. Ou seja, evitar a tortura gráfica, que a tantos – principalmente aos cultores de famoso ensaio do cineasta de Jacques Rivette (“Da Abjeção”, Cahiers de Cinéma, 1961) – causa a maior das rejeições.

Por tratar-se de filme sobre um personagem mineiro, as locações de Rafael Conde trazem paisagens pouco familiares aos que acompanharam o ciclo de filmes sobre a Ditadura Militar. A quase totalidade deles foi realizada sobre a guerrilha urbana em territórios do Rio de Janeiro e de São Paulo, palco da Oban (Operação Bandeirantes).

Uma paisagem nova também serve de cenário a “Entrelinhas”, do paranaense, de origem ucraniana, Guto Pasko, 48 anos. Curitiba, em dias de inverso intenso, e Foz do Iguaçu, com suas Cataratas, são as principais locações.

A sequência mais impressionante do filme acontecerá em sobrevôo sobre as quedas d’água do mais famoso dos cartões postais do estado sulista. É preciso ter nervos de aço para resistir ao vertiginoso interrogatório comandado, de dentro do avião, por militar linha-dura, capaz de utilizar dos métodos mais apavorantes.

Lúcia Murat, 75 anos, que foi militante de grupo clandestino e presa política, já revisitou o período em outros de seus filmes – “Que Bom te Ver Viva”, “Uma Longa Viagem”, “A Memória que me Contam” e, em certa medida, “Quase Dois Irmãos”. Neste filme, ela registra as consequências da convivência de presos políticos com presos comuns, na Penitenciária de Ilha Grande, no começo dos anos 1970. Tal convivência (de guerrilheiros e assaltantes de banco) resultaria na criação, por estes últimos, da consciência de que deviam se organizar, pensar e atuar coletivamente. Tal conscientização, porém, não se deu — como esperavam os militantes políticos — pela luta rumo à emancipação político-social. Resultou, isso sim, na criação de grupos criminosos como o CV (Comando Vermelho), o PCC (Primeiro Comando da Capital) e afins.

Cena de “O Mensageiro”, de Lúcia Murat

Em “O Mensageiro”, os principais cenários são o Rio de Janeiro e sua vizinha Niterói. Afinal, é numa fortaleza militar, do outro lado da Baía da Guanabara, que está encarcerada a jovem Vera (ela passa por situações semelhantes às vividas pela própria Lúcia), interpretada por Valentina Herszage (de “Mate-me, por Favor”).

Alguns meses depois do ano que culminaria com a decretação (13 de dezembro de 1968) do Ato Institucional Nº 5, da morte de Costa e Silva (dezembro de 1969), do governo provisório da Junta Militar e da eleição, por via indireta, de General Emilio Garrastazzu Médici, o país conheceria a face mais repressiva dos governos militares. É nesse tempo que se dará a prisão de Vera.

A jovem acabará chamando atenção de um soldado, Armando (Shico Menegat), que, sensibilizado por seu deplorável estado físico (resultante de seguidas sessões de tortura), acabaria decidindo levar mensagem dela à família (os pais são interpretados por Georgette Fadel e Floriano Peixoto).

O rapaz acabará estabelecendo relação afetiva com D. Maria, mãe de Vera. O filme elabora, então, a possibilidade de diálogo entre duas pessoas colocadas em situações opostas, mas igualmente solitárias e perdidas. Ela, uma senhora de alta classe média, que procura pela filha desaparecida. Ele, um jovem de origem rural, vindo do sul para servir ao Exército.

No tempo presente, Vera, já septuagenária, dá aulas numa universidade e debate, com seus alunos, temas complexos como a Política, o perdão e as ideias de Hannah Arendt. Lúcia Murat quis, com “O Mensageiro”, refletir — mesmo tendo realizado um filme de época — sobre questões contemporâneas, como polarização e justiça. E quebrar maniqueísmos, uma vez que um de seus protagonistas, o jovem soldado, de farda verde-oliva, será capaz de mostrar-se sensível à dor de uma jovem encarcerada.

A presença das ideias da filósofa Hannah Arendt, judia que conheceu a barbárie nazista e assistiu ao julgamento de Eichmann – um assassino ou um burocrata no cumprimento de seu dever? –, concordou com condenação do réu, mas fez questão de refletir sobre a banalidade do mal. Afinal, o coletivo de uma nação, a Alemanha, estava envolvido no que acontecera com os judeus, levados a campos de extermínio. Foram cúmplices do nazismo.

“Por isso” – entende a diretora –, “as ideias de Hannah Arendt são muito importantes para refletirmos sobre o futuro”. Para quem, “se não somos perdoados, nós não seremos liberados das consequências e das coisas que nós fizemos, nossa capacidade de agir estaria restrita, limitada a um único ato, do qual seria impossível nos recuperarmos”. Lúcia Murat e seu co-roteirista, Tunico Amâncio, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), entendem que tal reflexão não nos leva a pensar que “não haja culpados”. Há e “eles devem ser julgados”. No Brasil, “até hoje, quase 40 anos após o fim da ditadura, nenhum torturador foi levado a julgamento”.

“Zé”, terceiro longa-metragem de Rafael Conde, mostra seus personagens principais — José Carlos e Bete — no momento de desmantelamento brutal e sangrento dos grupo de esquerda, tanto os que recorreram à guerrilha urbana, quanto os que se restringiram ao trabalho de base. Ao longo do filme, assistiremos à queda, um a um, dos militantes nas mãos do aparelho repressivo montado pela ditadura.

O triunfo do governo Médici sobre a esquerda – veremos no filme – configurava-se inevitável. As forças de segurança apoiavam-se em sólida rede de delatores infiltrados nos grupos clandestinos. Os agentes do DOI-CODI prendiam, torturavam e, em casos como o do jovem Mata Machado, assassinavam (o público verá, na parte final de “Zé”, quem exerceu a delação contra ele). No cárcere, Zé Carlos reafirmará sua crença na revolução e o orgulho de não ter delatado nenhum companheiro.

Rafael Conde deixou cenas de tortura no extra-campo e centrou sua narrativa nos afetos, relações familiares e na vida cotidiana dos militantes. Num momento surpreendente, na primeira parte do filme (de 124 minutos), assistimos ao casamento (com vestido branco, véu e padre-oficiante) de Bete e Zé Carlos. Sendo os dois militantes da esquerda católica, torna-se crível que se dedicassem a cerimônia religiosa, mesmo em fase tão difícil de suas vidas.

Outro fator chama atenção no filme: a pobreza do casal de militantes. Mãe de Dudu, Bete engravida pela segunda vez e resolve não recorrer ao aborto. Nascerá Dorival. Com retaguarda incerta das fontes de provisão financeira da luta clandestina, premido por grandes privações materiais e com tarefas a cumprir ora no Sudeste, ora no Nordeste, o casal será obrigado a entregar um filho aos avós.

Zé e Bete vivem em casebre sem energia elétrica (à base de lamparina), alimentam-se de arroz, feijão e ovo no almoço, e sopa à noite. Um dos filhos terá meningite. A família Mata-Machado, em sua confortável residência em Belo Horizonte, recebe cartas do filho (que Caio Horowicz lê para o espectador, quebrando a quarta parede). Perturbados pelas agruras habitacionais-alimentares-financeiras do filho, da nora e das crianças (Dudu e o pequenino Dorí), os Mata-Machado convocarão o advogado Hélio Navarro para ajudar o casal. Mas a situação irá se agravando e os integrantes da AP sendo encarcerados. Entre eles, Gildo e Gui (Honestino Guimarães). Um infiltrado facilitará o desmonte promovido pela forças repressivas.

O filme tem pegada realista e crítica. Em determinado momento, o próprio Zé, em lampejo de lucidez, lembra a abissal desigualdade entre os contendores. Utopicamente, ele sonha com dois exércitos (o da guerrilha de esquerda) e o do Estado, enfrentando-se em condições de igualdade. E segue acreditando na revolução. Quando uma de suas irmãs pondera que a guerrilha está isolada, não consegue dialogar com a classe média, Zé apela a uma das ideias recorrentes nos sonhos dos grupos de esquerda em confronto com a ditadura. Diz não querer nada com a classe média. Reafirma sua crença no povo, nos operários e camponeses. A irmã contra-argumenta: a propaganda do governo militar os reduz a “bandidos, terroristas”. O militante não se dá por vencido.

“Zé” baseia-se no livro “José Carlos Novais da Mata-Machado, uma Reportagem”, do pernambucano Samarone Lima (Editora Mazza, 1998). Rafael Conde escreveu o roteiro em parceria com Anna Flávia Dias, professora da UFMG. Na trilha sonora ouviremos algumas canções que enriquecem a narrativa (caso de “Assum Preto”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira). Inserção documental ajudará a contextualizar o tempo histórico do filme: o presidente Médici visita espaço da Aeronáutica onde são montados os modernos aviões Mirage, recém-importados da França.

O elenco é, como deve ser, muito jovem. Afinal, a maior parte dos que foram para a luta clandestina saíram das universidades. Alguns, caso de Alfredo Sirkis, do curso secundário. José Carlos foi assassinado aos 27 anos (mesma idade de Honestino Guimarães). Rafael Conde optou por rostos pouco conhecidos do público. Caio Horowicz , que protagonizou o discreto “Califórnia”, de Mariana Person, soma-se a Eduarda Fernandes e à afro-brasileira Samantha Jones, que vive a militante nordestina Maria do Socorro (codinome Grauninha). Os pais de Zé são interpretados por grandes nomes do teatro mineiro. Yara de Novaes, que assina também a preparação de elenco, interpreta Dona Yedda, e Gustavo Werneck, o Dr. Edgard da Mata-Machado, pai compreensivo, mas apreensivo com os imensos perigos que rondam o filho.

Cena de “Entrelinhas”, de Guto Pasko © Natasha Durski

“Entrelinhas” é o título abstrato que Guto Pasko escolheu para batizar seu sintético drama histórico. Numa fria Curitiba, em 1970, nos deparamos com uma graciosa estagiária, Ana Beatriz, a Bia (Gabriela Freire), que chega arrumadinha (e bem agasalhada) ao trabalho.

Já pelo figurino, percebemos que a mocinha pouco sabe da vida. E que os pais cuidam dela com imenso carinho. O que muda tudo de figura é a presença de um militar, que a recepciona na sede de seu estágio, a companhia Águas do Paraná. Ao invés de um emprego, ela encontrará série inusitada e kafkiana de problemas.

Irmã de Elizabeth Fortes, encarcerada por sua militância política no movimento estudantil (DCE da Universidade Federal do Paraná), Bia será interrogada por militares, sendo o mais duro deles o Tentente Borges (Daniel Chagas). Nonato (Eduardo Borelli), uma espécie de escrivão, jovem e bonito, nos fará vislumbrar personagem de boa índole, como o soldado do filme de Lúcia Murat. Mas os rumos tomados pelo filme nada têm de romântico.

Durante dez dias, a caçula dos Fortes viverá de interrogatório em interrogatório. O filme se desenvolve em formato narrativo arrumadinho demais, com reconstituição de época aceitável. Embora os carros pareçam saídos de caprichada loja-agência de antiguidades. Haverá duras cenas de tortura, mas sem que sejam exploradas graficamente.

A ideia dos “vôos da morte” chega ao cinema brasileiro pelo diálogo com a produção argentina. Pasko e seus atores assistiram, entre outros títulos, a “Garage Olimpo” (Marco Bechis, 1999). A sequência do rasante sobre as Cataratas do Iguaçu realmente impressiona e justifica, para quem tiver coragem de assisti-la com os olhos bem abertos, o ingresso. O medo e o pavor tomam conta de todos os nossos sentidos.

O filme, escrito por Pasko, em parceria com Rafael Monteiro, Tiago Lipka e Sebastian S. Claro, inspira-se na história (real) das Irmãs Fortes, mas toma muitas liberdades. Afinal, trata-se de recriação do que se passou em Curitiba, nos anos mais duros da ditadura militar. E, mesmo ambientado no Paraná, acaba produzindo um amálgama do que se deu no Cone Sul (e também em outras regiões brasileiras).

Como veremos em “Zé”, os pais de Ana Beatriz irão procurar a filha por todos os cantos. Em vão. Com uma filha presa (Elizabeth), eles se apavoram em perder a caçula, de apenas 18 anos. Vão, inclusive, e no desespero, apelar a parente de alta patente militar.

O pesadelo de Bia só crescerá, pois ela não tem o que contar aos seus inquiridores. Sua atividade política se reduzia a visitar a irmã na casa de detenção. Empenhado em mostrar serviço e desbaratar a ramificação paranaense da luta armada, o Tenente Borges (um amálgama do niteroiense-paulista Sérgio Paranhos Fleury com o gaúcho Pedro Seelig) recorre às mais diversificadas técnicas de tortura física ou psicológica. Mas o filme busca nuances para não cair na simplificação redutora. Quando o livro “Memórias de um Sargento de Milícias” (Manuel Antônio de Almeida, 1854) entra em cena, o militar mostrará sua familiaridade com a obra. E fará um breve comentário. Os “brutos” sulistas têm ilustração.

“Entrelinhas” peca por certo didatismo. Assim como “Zé”, embora ambos tenham qualidades. No caso do filme de Rafael Conde, o melhor está no frescor da escolha do elenco e na brechtiana quebra da quarta parede.

Pasko também construiu seu filme com elenco de raro frescor, sem astros de TV, e soube eletrizar o filme com a já citada sequência nas Cataratas do Iguaçu. Para um filme que marca estreia do paranaense na ficção, “Entrelinhas” se configura como obra promissora. Que venham novos títulos, e que ele ouse mais ao batizar suas narrativas. Quem vai sair de casa e pagar ingresso caro para assistir a um filme com nome tão vago?

 


Brasil-MG, 2024, 124 minutos
Direção: Rafael Conde
Elenco: Caio Horowicz, Eduarda Fernandes, Samantha Jones, Yara Novaes, Gustavo Werneck, Rafael Protzer, Alexandre Cioletti
Roteiro: Rafael Conde e Anna Flávia Dias
Fotografia: Luis Abramo
Montagem: Fabiano Remy
Distribuição: Embaúba Filmes

O Mensageiro
Brasil-Argentina, 2024, 108 minutos
Direção: Lúcia Murat
Elenco: Valentina Herszage, Shico Menegat, Georgette Fadel, Floriano Peixoto, Rose Germano, Higor Campagnaro, Bruce Gomlevsky
Roteiro: Lúcia Murat e Tunico Amâncio
Fotografia: Jacob Solitrenick
Montagem: Mair Tavares e Marih Oliveira
Distribuição: Imovision

Entrelinhas
Brasil-PR, 2024, 100 minutos
Direção: Guto Pasko
Elenco: Gabriela Freire, Leandro Daniel, Daniel Chagas, Eduardo Borelli, Mauro Zanatta, Renet Lyon, Patrícia Saravy e Laís Cristina
Roteiro: Guto Pasko, Rafael Monteiro, Tiago Lipka e Sebastião S. Claro
Fotografia: Alziro Barbosa
Montagem: Lucas Cesario Pereira
Distribuição: Elo Studios

 

CINCO TÍTULOS IMPRESCINDÍVEIS:

. “Retratos de Identificação”, de Anita Leandro (documentário, Brasil-RJ, 2016, 72 minutos) – Documentário inovador e ousado. A cineasta, que é professora da UFRJ, parte de fotografias de presos políticos (no caso, Maria Auxiliadora Lara Barcellos, a Dôra, Antonio Roberto Espinosa, Chael Schreier e Reinaldo Guarany), realizadas em diferentes situações, e as soma a materiais oriundos de investigações, interrogatórios, exames de corpo de delito, processos de banimento, inquéritos policiais e militares. E necropsias. Recorre, também, a imagens de documentários realizados por Haskell Wexler, Saul Landau, Luiz Alberto Sanz e Jom Tob Azulay. No livro “Feminino e Plural – Mulheres no Cinema Brasileiro” (Papirus, 2017), organizado por Karla Holanda e Mariana Tedesco, a professora da UFMG Roberta Veiga promove excelente reflexão sobre o longa documental de Anita Leandro, no texto “Dôra e a Luta Histórica Contra os Fascismos: Subversão e Limiar”. Disponível no YouTube.

. “Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewski (documentário, Brasil, 2009, 92 minutos). Com esse filme, realizado por cineasta que dirigiu a Secção de TV e Vídeo da ONU, somos arremessados nas entranhas de grupo repressivo, a Operação Bandeirantes, que teve no dinamarquês-brasileiro Henning Albert Boilesen (1916-1971), presidente da holding Ultra (Ultragaz), sua figura-símbolo. Ou seja, um empresário que apoiou, com seus pares (e grandes quantias em dinheiro e equipamentos), a tortura e assassinato de militantes políticos de esquerda. O filme enfrenta temas pouco frequentes em nossa produção documental: o poder econômico, das forças militares e midiático. Vencedor do prêmio máximo do Festival de Documentários É Tudo Verdade. Disponível no YouTube.

. “Diário de uma Busca”, de Flávia Castro (documentário, Brasil-RJ, 2011, 108 minutos) – A cineasta reconstrói história familiar, a de seu pai, o militante político Celso Afonso Gay de Castro, que depois de viver o exílio em vários países, regressa ao Brasil, anistiado. Um dia, aos 41 anos, ele foi encontrado morto, em Porto Alegre, no apartamento de um ex-oficial nazista. Assassinato ou suicídio? Para tentar entender o que se passou com o pai, Flávia e seu irmão empreendem verdadeiro mergulho em suas vidas. O filme revisitará países da América Latina (Venezuela, Argentina e Chile) e a França. A cineasta, autora do ficcional “Deslembro” (2019), realizou documentário incontornável. Disponível no Prime Video.

. “O Dia que Durou 21 Anos”, de Camilo Tavares (documentário, Brasil-SP, 2012, 77 minutos) – Documentos secretos e gravações originais da época em que se deu o Golpe Militar de 1964 mostram a influência do Governo dos EUA e a participação da CIA (Central de Inteligência) na deposição de João Goulart. O filme conta com depoimentos de Robert Bentley, Dean Rusk, Eric Sevareid, do General Newton Cruz, o historiador Carlos Fico, da jornalista e pesquisadora Denise Assis, do ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, entre outros. Flávio Tavares, um dos militantes banidos do Brasil (ele integrou grupo de presos políticos trocados pela libertação do Embaixador Charles Elbrick, em 1969) exilou-se no México. Lá, em 1971, nasceu seu filho Camilo, hoje cineasta. Juntos, realizaram esse documentário, que teve sua temática ampliada em “O Grande Irmão – O Dia que Durou 21 Anos”. Neste filme, acompanhamos os antecedentes e bastidores do 11 de Setembro de 1973, quando a CIA e o Departamento de Estado dos EUA, associados a Governos fardados da América Latina (inclusive o brasileiro) desestabilizaram o Governo Allende e apoiaram o golpe militar liderado pelo General Augusto Pinochet. Disponível no Curta On-Prime Vídeo.

. “Nunca Fomos Tão Felizes”, de Murilo Salles (ficção, Brasil-RJ, 1985, 96 minutos) – Com Roberto Bataglin Filho, Claudio Marzo, Suzana Vieira, José Mayer, Antonio Pompeu, Marcus Vinícius, Meiry Vieira, Ênio Santos, Tonico Pereira e Ângela Rebello. Baseado no conto “Alguma Coisa Urgentemente”, de João Gilberto Noll, o filme, grande vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, conta a história de um jovem (Bataglin), que espera pelo pai (Claudio Marzo), engajado na luta armada contra a Ditadura. O faz num apartamento quase vazio, na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. O roteiro, de Alcione Araújo (com colaboração de Jorge Duran e Murilo Salles), dá grande relevo às relações afetivas de um jovem que, órfão de mãe e educado em colégio interno, sonha reencontrar o pai, profundamente ocupado com a resistência armada. O pano de fundo político tem o destaque necessário. A fotografia (de José Tadeu Ribeiro) constrói atmosfera de solidão e abandono. Algo esperado de um longa-metragem realizado por um dos mais importantes diretores de fotografia do cinema brasileiro (“Dona Flor”, “Eu te Amo”, “Tabu”). Disponível no Tamaduá (streaming). Na Globoplay é possível assistir ao episódio de “O País do Cinema”, no qual Murilo Salles e Jorge Duran discorrem sobre o processo de criação do filme, primeiro longa-metragem do diretor carioca, realizado 40 anos atrás.

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