Público elege os 16 filmes de estreantes que concorrerão ao Troféu Bandeira Paulista da Mostra SP
Foto: “Garota por um Dia”, de Jean-Claude Monod
Por Maria do Rosário Caetano
O público escolheu os 16 filmes de jovens diretores (estreantes ou no segundo longa-metragem), que serão analisados pelo júri da quadragésima-oitava edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Os melhores receberão o Troféu Bandeira Paulista, desenhado por Tomie Ohtake, na noite de 30 de outubro, em cerimônia de encerramento, na Cinemateca Brasileira. Em noite, para convidados e público, que assistirão à pré-estreia brasileira de “Megalópolis”, de Francis Ford Coppola.
O júri, que reúne a atriz brasileira Camila Pitanga, a curadora argentina Hebe Tabachnik, os cineastas Mohsen Makhmalbaf, do Irã, e Gonçalo Waddington, de Portugal, o produtor Kyle Stroud e o crítico francês Thierry Meranger, analisará filmes oriundos dos cinco continentes. Alguns deles ainda podem ser vistos em uma ou duas sessões, a partir de hoje. Outros, como o badalado “Garota por um Dia”, do filósofo francês Jean-Claude Monod, já cumpriram sua agenda.
Título badaladíssimo, que vem esgotando os ingressos de todas as suas sessões – o documentário palestino-norueguês “No Other Land” foi dirigido por coletivo de realizadores formado com Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham. Ou seja, um quarteto composto com diretores palestinos e… israelenses! O primeiro deles, Basel Adra, é um jovem ativista da causa palestina, que luta desde sua infância contra a expulsão em massa de sua comunidade pela ocupação de Israel. Uma de suas ações consiste em documentar o apagamento gradual do território ocupado, ao mesmo tempo em que os soldados destroem casas e famílias neste que é considerado o “maior ato de transferência forçada” já realizado na Cisjordânia ocupada.
O caminho de Basel se cruza com o de Yuval Abraham, jornalista israelense que se soma à sua causa. Por meia-década de ação conjunta, os dois lutarão contra a expulsão dos palestinos e criarão sólidos vínculos de amizade. Tais vínculos, por sua complexidade, chamarão atenção. Em especial por revelarem desigualdades extremas. Basel vive sob ocupação militar. Yuval vive livre, sem restrições de ir e vir. Os dois ativistas uniram-se, também, aos cineastas Rachel Szor e Hamdan Ballal para, juntos, realizar “No Other Land”, projeto cinematográfico que vem chamando atenção do mundo para a tragédia palestina.
O francês “Garota por um Dia” aborda tema que vem mobilizando sensibilidades em nosso tempo – a identidade sexual. Sua protagonista, Anne (Marie Toscan), nasce na França do Iluminismo (Século XVIII). Mas nasce com características femininas e masculinas. Hermafrodita, como se dizia então. Intersexo, como dizemos hoje. Os pais decidem que ela será uma menina. Um dia, Anne vê uma amiga fazendo sexo com um rapaz e seu desejo concentra-se na moça. Ela conta para o padre, em confissão, o que se passou. O religioso sugere aos pais que vistam Anne como um homem, já que ela se interessa por mulheres. E, como homem, Anne desposará uma jovem. As duas viverão uma grande história de amor. Até que o passado de Anne ressurja e ela seja submetida a julgamento em tribunal judicial. O filme baseia-se na história real de Anne Grandjean, nascida intersexo. E submetida a rumoroso julgamento.
“Garota por um Dia” foi dirigido, sintomaticamente, por um filósofo, o francês Jean-Claude Monod. Em sua estreia no longa-metragem (antes dirigira três curtas e codirigido o média-metragem “Augustine”), Monod não se preocupou com inovações formais. Construiu um drama histórico consistente, recheado de reflexões filosóficas (em especial de Diderot), para que possamos repensar a intolerância frente aos diferentes.
Três filmes representam o Brasil na competição. O gaúcho “Bicho Monstro”, de Germano de Oliveira, é uma ficção que dialoga com o horror. Aos 36 anos, o cineasta portalegrense, formado pela UniSinos e mestre em Comunicação Social pela PUC-RS, faz sua estreia na direção. E o faz depois de montar “Tinta Bruta”, de Matzembacher e Rolon, e “Sete Prisioneiros”, de Alexandre Morato. A trama de “Bicho-Monstro” desenvolve-se em vilarejo rural, no Sul do Brasil, em região de colonização alemã. A pequena Ana assiste a uma montagem teatral centrada na história de Thiltapes. Trata-se de perigoso animal, que vive na mata, mas ninguém conhece sua forma real. Duzentos anos antes, um estudioso, ao escrever sobre a região, fizera referência ao bicho.
O filme de Germano, fruto de parceria da Vulcana com a Casa de Cinema de Porto Alegre e Avante, vai intercalar histórias de seus personagens principais – a menina Ana e um estudioso de Botânica. Ela suspeita que seu pai cometeu falta grave. O estudioso sonha confirmar a existência real do bicho-monstro. No elenco, Kamily Wagner, Décio Worsdt, Daniel Lorenzon e a experiente Aracy Esteves (de Anahy de las Misiones).
Os outros dois representantes brasileiros são obras documentais. “Intervenção” e “Sinfonia da Sobrevivência”. Este, dirigido por Michel Coeli, registra a luta pela sobrevivência de animais que vivem no Pantanal matogrossense. Afinal, eles lutam pela vida entre as chamas de incêndio brutal.
“Intervenção”, primeiro filme solo de Gustavo Ribeiro, codiretor do ótimo “Todos os Paulos do Mundo” (sobre o ator Paulo José), tem nomes de grande peso em sua ficha técnica. A começar pela irmãs Bracher (a escritora Beatriz e a artista visual Elisa), ambas do Instituto Galo da Manhã, e pelo produtor-realizador Mathias Mariani, da Primo Filmes. Juntos, eles permitiram que o jovem cineasta acompanhasse, ao longo de quatro anos, o cotidiano de moradores de comunidade paulistana, formada por duas favelas. Os favelados lutam pela urbanização do espaço. Mas o projeto apresentado desagrada à parte mais valorizada do bairro (a dos ricos), que sob o slogan “Não no meu Quintal”, resiste às benfeitorias prometidas aos pobres da Zona Leste de São Paulo.
Dois dos filmes que estão entre os finalistas chegam com créditos europeus, mas, na verdade, foram feitos por filhos da imigração africana. Caso de “Hanami”, de Denise Fernandes, ficção produzida pela Suíça (terra adotiva de Denise) e Portugal. Mas sua diretora tem origem cabo-verdiana. E sua história ficcional foi filmada no arquipélago colonizado por Portugal. No centro da narrativa estão Nana, uma menina que deseja crescer em sua ilha natal, e sua mãe, Nia, que sofre de doença misteriosa e abandonou o arquipélago logo depois do nascimento da menina. Quando febre abrasiva acomete Nana, ela é enviada ao pé de um vulcão, para que seja curada. Lá, a garota encontrará um mundo que mistura sonho e realidade. Quando Nana torna-se uma adolescente, Nia regressa.
“A Vila Perto do Paraíso”, de Mo Harawe, é fruto de parceria entre Áustria, França e Alemanha. Obra ficcional, o filme tem a Somália, país de origem do cineasta, como cenário. Num pequeno vilarejo assolado por ventos constantes, uma família recém-formada se vê obrigada a equilibrar-se entre seus anseios e o mundo complexo que os rodeia. Juntos, eles lutarão para tornar suas escolhas de vida possíveis.
Da Austrália chega animação que causou sensação junto ao público da Mostra – “Memórias de um Caracol”, de Adam Elliot. O filme será exibido nesse domingo, 27, na Mostrinha, no delicioso (pena que temporário) Espaço Petrobras, na Cinemateca Brasileira (14h).
A Índia, país homenageado esse ano, marca presença com “Boong”, de Lakshmipriya Devi. A Holanda, em parceria com a Bélgica, se faz representar por “Corações Jovens”, de Anthony Schatteman. A Dinamarca, uma das mais fortes cinematografias nórdicas, conquistou duas vagas entre os escolhidos do público: a ficção “Filhos”, de Gustav Möller (parceria com a Suécia) e o documentário “Balomania”, de Sissel Morell Dargis (parceria com a Espanha), indicado, claro, aos aficcionados pelo mundo dos balões. Os EUA, também, emplacaram dois títulos, ambos ficcionais – “Exibindo o Perdão”, de Titus Kaphar, e “Familiar Touch”, de Sarah Friedland.
A Romênia, país que viu, nas duas últimas décadas, seu cinema destacar-se em festivais internacionais, cravou um finalista, “O Ano Novo que Nunca Veio”, de Bogdan Mureşanu. O cinema do pequeno país do Leste Europeu chegou ao nosso modesto circuito de arte e ensaio e nos revelou nomes como Cristian Mungiu (“4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, Palma de Ouro, em Cannes), Radu Jude (“Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”, Urso de Ouro em Berlim), entre outros. Quem há de esquecer-se da deliciosa comédia “Contos da Era Dourada”?
Por fim, há que registrar-se a presença da Jordânia na disputa pelo Troféu Bandeira Paulista, com o ficcional “O Caso dos Estrangeiros”, de Brandt Andersen. País do Oriente Médio, só agora o cinema jordaniano começa a fazer parte da vida dos cinéfilos brasileiros, pelo menos daqueles realmente interessados no cinema de outras geografias.
Confira os escolhidos:
. A Vila Perto do Paraíso, de Mo Harawe (Áustria, França, Alemanha, Somália, ficção) – Hoje, dia 25, às 20h30 – Frei Caneca 6
. Balomania, de Sissel Morell Dargis (Dinamarca, Espanha, doc.)
. Bicho Monstro, de Germano de Oliveira (Brasil, ficção), domingo, dia 27, às 16h10 – Frei Caneca 4
. Boong, de Lakshmipriya Devi (Índia, ficção) – Sábado, dia 26, às 15h, no CCSP (Sala Paulo Emilio), 28/10, às 14h, na Cinemateca Espaço Petrobras
. Corações Jovens, de Anthony Schatteman (Holanda, Bélgica – ficção), terça-feira, dia 29, às 18h30 – Kinoplex Itaim Sala 1
. Exibindo o Perdão, de Titus Kaphar (EUA, ficção) – Hoje, dia 25, 18h00 – Espaço Augusta Sala 1. E no domingo, dia 27, 16h00 – Cinemateca Espaço Petrobras
. Familiar Touch, de Sarah Friedland (EUA, ficção)
. Filhos, de Gustav Möller (Dinamarca, Suécia, ficção) – Sabado, dia 26, 13h00 – Reserva Cultural – Sala 1. Domingo, dia 27, às 20h10 – Frei Caneca 3
. Garota por um dia, de Jean-Claude Monod (França | Ficção)
. Hanami, de Denise Fernandes (Suíça, Portugal, Cabo Verde, ficção) – Segunda-feira, dia 28, às 21h50 – Frei Caneca 3. Terça, dia 29, às 13h30 – Frei Caneca 2
. Intervenção, de Gustavo Ribeiro (Brasil, documentário). Terça-feira, dia 29, às 19:30, no Cineclube Cortina
. Memórias de um Caracol, de Adam Elliot (Austrália, animação). Domingo, dia 27, às 14h00 – Cinemateca Espaço Petrobras
. No Other Land, de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham (Palestina, Noruega, doc.). Domingo, dia 27, às 22h00 – Frei Caneca 3
. O Ano Novo que Nunca Veio, de Bogdan Mureşanu (Romênia, Sérvia, ficção). Hoje, dia 25, às 15h15, no Reserva Cultural – Sala 1. Terça-feira, dia 29, às 17h00 – Satyros Bijou
. O Caso dos Estrangeiros, de Brandt Andersen (Jordânia, ficção) – Hoje, dia 25, às 17h00, no CCSP (Sala Paulo Emilio)
. Sinfonia da Sobrevivência, de Michel Coeli (Brasil, doc.) – Hoje, dia 25, às 15h15 – Frei Caneca 1