“Ainda Estou Aqui” conquista primeiro Goya destinado a filme brasileiro e Academia divide prêmio espanhol entre “El 47” e “Infiltrada”
Foto: “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles © Alile Dara Onawale
Por Maria do Rosário Caetano
“Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, conquistou o primeiro Goya atribuído a uma produção brasileira ao longo dos 39 anos de história do “Oscar espanhol”.
O drama, que mostra as consequências do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, em 1971, sobre sua viúva, Eunice Paiva e seus cinco filhos, conquistou o Goya de melhor produção ibero-americana. O filme, que disputa o Oscar de Hollywood em três categorias, vem somando dezenas de láureas e rendeu à sua protagonista, Fernanda Torres, o Globo de Ouro de melhor atriz dramática.
Walter Salles, que não pôde estar em Granada, devido a compromissos assumidos nos EUA (todos relativos à campanha pelo Oscar), enviou belo e amoroso agradecimento à Academia castelhana, e destacou seu respeito pelo grande cinema espanhol, de Luis Buñuel a Pedro Almodóvar.
“Emilia Pérez”, do francês Jacques Audiard, protagonizado pela espanhola Karla Sofía Gáscon, concorreu aos Prêmios Goya em outra categoria (melhor filme europeu) e também sagrou-se vencedor.
No discurso de agradecimento, dois representantes espanhóis do inusitado musical franco-mexicano ponderaram: “Antes de ódio e de escárnio, mais cinema e cultura”.
Apelavam, claro, com rara síntese, à devolução dos debates midiáticos do filme de Audiard ao campo cinematográfico, já que hoje a discussão se concentra em polêmicas declarações de sua protagonista, a espanhola Karla Sofía Gascón, primeira mulher trans indicada ao Oscar de melhor atriz.
Karla, que brilhou na noite do Globo de Ouro ao subir ao palco com a equipe de Audiard — trajada com as cores do Budismo e pregando tolerância e fraternidade — está agora no centro de um furação. Nem seu afastamento da campanha do filme, distribuído mundialmente pela Netflix, conseguiu apaziguar os ânimos mais exaltados.

Na categoria principal (melhor filme), a Academia Espanhola de Cinema tomou atitude inédita – pela primeira vez dividiu o Goya entre “El 47”, de Marcelo Berrena, e o thriller “La Infiltrada”, da realizadora Arantxa Echevarría.
“El 47” é um belíssimo drama social, de recorte ken-loachiano, que fez chorar a milhares de espanhóis. E não por chantagem sentimental, mas sim pelos valores que o filme expõe sem nenhum proselitismo.
Como destacaram integrantes do título mais premiado da noite (com cinco Goya, o “cabeçudo”), “El 47” se refere ao número do ônibus dirigido pelo motorista Manolo Vidal, magistralmente interpretado por Eduard Fernández. E também à lei criada na Catalunha (a trama se passa num bairro popular de Barcelona) para proteger o direito à moradia de populações Sem-Teto.
Sobre o protagonista do filme, Eduard Fernández, conhecido como o “camaleão espanhol” (tamanhas são suas transformações de personagem a personagem) – e até como “Robert de Niro da Espanha” – há que se registrar que ele viveu um 2024 iluminado. Primeiro, por incorporar, em “Marco, a Verdade Inventada”, o complicado Enric Marco, espanhol que se fez passar por sobrevivente de um campo de concentração e, desmascarado, continuou sustentando sua mentira. Afinal, a transformara em razão de viver.
O filme, dirigido por Arregi e Jon Garaño, foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com relativo sucesso. E foi este o papel que rendeu o Goya de melhor ator ao camaleônico Eduard Fernández. Para alegria dele e da dupla de diretores.
O reconhecimento de Fernández, de 60 anos, seria completo (e na medida certa) se ele tivesse ganho o Goya também por seu magnífico desempenho como Manolo Vital de “El 47”. Mas a Academia, que viria a dividir seu prêmio máximo entre dois filmes (incluindo o arrebatador “El 47”), negou vaga dupla ao “camaleão”.
O ator, que merece destaque entre os grandes do mundo — o jornal El País, de Madri, dedicou a ele e a dez de seus melhores desempenhos, espaço editorial nobre —, recria, com garra e paixão, um carismático líder comunitário, que tudo faz para melhorar as condições de vida de sua família e vizinhos. Ele trabalha como motorista de vistoso ônibus biarticulado. Um veículo que não pode acessar o bairro onde ele mora, situado num morro (Torre Barón), ao lado da esposa, ex-monja, e da filha adolescente. Habitado por migrantes de regiões pobres da Espanha, o bairro sobrevive apesar da imensa carência de serviços públicos.
Como bem destacaram integrantes da equipe do mais premiado dos concorrentes do Goya 2025 (cinco estatuetas), “El 47” é um filme que aposta “na solidariedade, na amizade e na justiça social”.

“A Infiltrada” foi festejado (e premiado) por sua eficiência como thriller político, mas, também, por sua plena aceitação nas bilheterias (1,4 milhão de espectadores).
O filme, dirigido por Arantxa Echevarría, conta a história de uma policial de apenas 22 anos (Carolina Yuste, Goya de melhor atriz), que se infiltra no ETA (a organização separatista Pátria Basca e Liberdade), convocada por seu convincente chefe hierárquico (Luis Tosar).
A bela moça, de longos cabelos negros e olhos penetrantes, passa seis anos prestando serviços à Polícia Espanhola, sem conseguir grandes feitos. Mas, na segunda parte do filme, dividirá seu apartamento com um jovem guerrilheiro do ETA e, com a chegada de um terceiro, de temperamento mercurial, conseguirá obter informações valiosas.
O filme acabou compartindo o Goya principal com “El 47” e vendo sua jovem protagonista derrotar a maravilhosa Emma Vilarasau, de “Casa em Chamas”. Este longa-metragem catalão, dirigido por Dani de la Ordem, mergulha nos segredos, carências e desejos de uma família burguesa, reunida em deslumbrante casa à beira-mar.
Personagens complexos são elaborados pelo roteirista Eduard Sola, que — como seu xará Eduard Fernández — viveu um 2024 luminoso. Escreveu diversos argumentos, todos filmados, e vem recebendo muitos e novos pedidos de histórias originais. A Academia Espanhola atribuiu a ele o Goya de melhor roteiro não-adaptado (por “Casa em Chamas”).
A cerimônia dos “cabeçudos”, realizada em Granada, na Andaluzia, evocou a memória da atriz Marisa Paredes, que morreu em dezembro de 2024. Sua filha Maria proferiu discurso emocionante no palco andaluz. Na plateia, o viúvo da atriz, Chano Prado, de grandes serviços prestados à Filmoteca de Madri, ouvia a tudo com olhar saudoso.
Pedro Almodóvar, presença permanente nas festas do Goya, não compareceu dessa vez (por que será?) e não pôde homenagear sua estrela. Seus três Goya foram recebidos por Agustín, seu irmão e produtor, pelo fotógrafo Edu Grau e pelo compositor Alberto Iglesias, que lembrou sua primeira música composta para cinema, justo para “A Flor do meu Segredo”, protagonizado por Paredes.
A cerimônia de número 39 do Goya prestou tributo à atriz Aitana Sánchez-Gijon, primeira mulher a dirigir a Academia Espanhola de Cinema (Goya de Honor), e ao ator Richard Gere (Goya Internacional).
O prêmio ao astro norte-americano, que trabalhou com Coppola e Mallick, foi entregue por Antonio Banderas. Gere, casado com uma bela espanhola, nascida na Galícia, e radicado em Madri, lamentou o crescimento dos governos de extrema-direita, em seu próprio país e pelo mundo. Depois do discurso político, lembrou que ser premiado pelo conjunto da obra torna-se “preocupante” para um intérprete que deseja atuar em muitos e novos filmes.
Nas categorias competitivas, o Goya destacou, ainda, “Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodrigues, filme que a Espanha indicou ao Oscar 2025, mas não figurara nem entre os 15 semifinalistas. Por trás do insosso título, o longa granadino, que aborda o processo de criação coletiva dos roqueiros da banda Los Planetas, somou três Goya – melhor direção, montagem e som.
Outra ficção a merecer destaque foi “La Estrella Azul”, de Pedro Macipe. O jovem fez jus ao Goya de melhor diretor estreante e viu seu protagonista, Pepe Llorente, ser reconhecido com ator revelação.
“La Estrella Azul” conta a história de um roqueiro espanhol que parte para a Argentina, onde deseja conhecer trovadores como Atahualpa Yupanqui (1908-1992) e viver novas experiências criativas em empoeirados e esquecidos povoados do país sul-americano.
No terreno do documentário, não houve chances para “Marisol – Lámame Pepa – Processo a un Mito”, de Blanca Torres. O grande vencedor foi “La Guitarra Flamenca de Yerai Cortés”, de Antón Álvarez. O filme ganhou mais um Goya: o de melhor canção para “Los Almendros”, de Antón Álvarez e Yerai Cortés.
No terreno do longa de animação, “Mariposas Negras”, de David Baute, derrotou “A Menina e o Dragão”, superprodução que uniu Espanha e China, e o trabalho criativo dos cineastas Salvador Sindó (de “Buñuel no Labirinto das Tartarugas”) e Li Jiaping.
Confira os vencedores:
. “El 47”, de Marcelo Berrena – melhor filme (ex-aqueo), atriz coadjuvante (Clara Segura), ator coadjuvante (Salva Reina), direção de produção (Carlo Apolinário), efeitos especiais (Laura Canais e Ivan Lópes Hernández)
. “A Infiltrada”, de Arantxa Echevarría – melhor filme (ex-aqueo), melhor atriz (Carolina Yuste)
. “Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodrigues – melhor direção, montagem (Javi Frutos), melhor som (Diana Sagrista, Eva Valño, Alejandro Castillo e Antonin Dalmasso)
. “O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar – melhor roteiro adaptado (Pedro Almodóvar), fotografia (Edu Grau), música original (Alberto Iglesias)
. “La Estrella Azul”, de Pedro Macipe – melhor diretor estreante, ator revelação (Pepe Lorente)
. “A Casa em Chamas”, de Dani de la Ordem – melhor roteiro original (Eduard Sola)
. “Marco, a Verdade Inventada”, de Aitor Arregi e Jon Garaño – melhor ator (Eduard Fernández), cabelos e maquiagem (Karmele Soler, Sergio Pérez Berbel e Nacho Díaz)
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil) – melhor filme ibero-americano
. “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard (França) – melhor filme europeu
. “La Guitarra Flamenca de Yerai Cortés”, de Antón Álvarez – melhor longa documental, melhor canção: “Los Almendros”, de Antón Álvarez e Yerai Cortés
. “La Virgen Roja”, de Paula Ortiz – melhor direção de arte (Javier Alvariño), melhor figurino (Aratxa Esquerro)
. “Salve Maria”, de Marc Coll – atriz revelação (Laura Weissmahr)
. “Mariposas Negras”, de David Baute – melhor longa de animação
. “La Gran Obra”, de Alex Lora” – melhor curta ficcional
. “Semillas de Kivu” , de Carlos Valle e Néstor López – melhor curta documental
. “Cafuné”, de Carlos Fernandez de Vigo e Lorena Ares – melhor curta de animação
Pingback: “Ainda Estou Aqui” recebe quatro prêmios no Gold Derby Film Awards, incluindo Melhor Filme e Melhor Atriz – Revista de Cinema