Marisol tem sua vida contada em documentário que concorre aos Prêmios Goya, em Granada
Por Maria do Rosário Caetano
Uma estrela do cinema e do canto espanhol, a andaluza Marisol, não foi receber o Goya de Honor, a ela outorgado pela Academia Espanhola de Cinema, cinco anos atrás.
A láurea lhe fora atribuída por sua trajetória, iniciada na infância, como musa do Franquismo, e sequenciada como militante comunista, ao lado do segundo marido, o bailarino Antonio Gades (1936-2004). Astro do flamenco e de filmes de Carlos Saura, Gades viveria casamento midiático com a atriz e cantora com quem teria três filhas (Maria, Celia e Tamara). Coube a elas representar a mãe na cerimônia dos prêmios Goya, em 2020.
Hoje com 77 anos, Marisol, nascida em Málaga e radicada em Madri, vive reclusa. Aliás, ausentou-se do show business na década de 1980, quando parou de gravar discos, fazer shows e frequentar sets de cinema. Em 2028, ela completará 80 anos. Não quer ser fotografada. Suas imagens compartilhadas com seus fãs restringem-se à infância, adolescência e primeira maturidade.
Na noite desse sábado, 8 de fevereiro, Marisol estará mais uma vez ausente da cerimônia dos Prêmios Goya, o “Oscar espanhol”, que acontecerá em Granada, na sua Andaluzia natal. Mas a vida da cantriz estará resumida no longa-metragem “Marisol – Llámame Pepa – Proceso a un Mito”, de Blanca Torres, um dos cinco finalistas ao “cabeçudo” (apelido carinhoso dos Goya) de melhor documentário.
A menina que serviu de símbolo edificante à ditadura franquista e difundiu valores como “inocência, conformismo e bondade”, passaria por grande transformação. O “anjinho malaguenho” se converteria em uma “Passionária”, ao casar-se com o bailarino Antonio Gades. O casamento formal, aliás, aconteceria em Cuba, em 1983, tendo o Comandante Fidel Castro e a bailarina Alicia Alonso como padrinhos.
Josefa (Pepa) Flores González, de pele alva e olhos azuis (sem, portanto, os traços árabes de seus conterrâneos Antonio Banderas e Pablo Picasso), transformar-se-ia na maior estrela mirim da história das artes e espetáculos do país de Buñuel-Saura-e-Almodóvar. O caudilho Francisco Franco a recebia no Palácio presidencial, a festejava, a valorizava. Mas o falangista, que derrubou o governo republicano ao triunfar na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), jamais imaginaria o futuro que esperava por Marisol.
O documentário de Blanca Torres vai mostrar, em detalhes e com riqueza de imagens e testemunhos, a virada da estrela para o “comunismo soviético”. Sua participação em passeatas, o disco feminista-libertário que gravaria, suas roupas modernas, as viagens a Cuba e, até, um nu artístico, assinado pelo fotógrafo César Lucas, ajudariam a compor seu novo e libertário perfil.
Em “Llámame Pepa Flores”, Lucas esclarece que as fotos haviam sido concebidas por ele, que desfrutava da confiança da atriz, a pedido dela e do então marido e empresário Carlos Goyanes. Seriam enviadas a Bernardo Bertollucci, que fazia o casting para um de seus filmes. Acabaram publicadas em edição da revista “Interviú”, com a devida autorização de Pepa. Mas a Espanha, que vivia a transição do Franquismo para a Democracia, dividiu-se ao meio. Muitos vibraram com seu atrevimento. Os que dela se lembravam como a criança prodígio dos tempos ditatoriais, porém, não gostaram de vê-la desafiando convenções. Por isso, saudosos do tempo do caudilho, a tacharam de “traidora”. Os mesmos que a veriam como “uma adúltera”, quando ela uniu sua vida à de Antonio Gades. Os dois eram, civilmente, casados com outros parceiros. Outro aposto que se agregaria à militante política malaguenha seria o de “La Niña de Moscou”.
Os que guardaram a imagem da garota Marisol em suas memórias (caso dessa repórter) encontrarão no filme de Blanca Torres um fértil manancial de imagens. Todas devidamente contextualizadas em seu tempo histórico. Verão o casal Marisol-Gades exaurido e disposto a encontrar a paz na pequenina Altea (em 1976), pois não tinham sossego em Madri. E, no final da narrativa, saberão que “Antônio Gades trocaria Marisol por uma namorada suíça”. E que a mãe de suas filhas “seria a última a saber”. O bailarino morreria, 21 anos atrás, aos 67, vítima de câncer.
Muitos trechos de filmes que Marisol protagonizou (até abandonar o barco, em 1985, quando mostrou seu último trabalho no Festival de San Sebastián, no País Basco) serão agregados aos ricos testemunhos de historiadoras, do biógrafo (Luiz García Gil), de uma das irmãs da estrela, de fãs e do poderoso Enrique Cerezo, empresário que se divide entre o cinema e o futebol (entre os Prêmios Platino e o Atlético de Madri). Só a própria Marisol não aparecerá para contar sua própria vida. Uma dubladora infantil e outra adulta darão voz a trechos colhidos de entrevistas da estrela.
Num filmete, um dos mais reveladores do culto à “niña de Franco”, veremos a estrela transformada em modelo de todas as meninas de Espanha. Ela media 1m60 e pesava, na adolescência, 40 quilos. Fez-se, então, em madeira, uma reprodução dos limites de seu corpo esguio. E muitas de suas fãs passaram pelo dispositivo para ver se tinham medidas iguais às dela e rosto semelhante. A vencedora do concurso relembra sua vitória como “um dos momentos mais emocionantes” de sua vida.
Os brasileiros, se – por acaso – puderem assistir ao documentário no nosso circuito exibidor (ou no streaming), terão o prazer de ver o ator Anselmo Duarte (1920-2009) contracenando com a estrela mirim em “Un Rayo de Luz”, de Luis Lucia (1960). E nosso país será lembrado como um dos muitos destinos de Marisol, em sua gira artística pelo mundo. Ela percorreu dezenas de países da América Latina, foi aos EUA, excursionou pela Europa e chegou ao Japão.
Vejamos o que acontecerá na noite desse sábado, na cerimônia dos Prêmios Goya, no exato momento em que “Llámame Pepa Flores” disputar a estatueta com mais quatro documentários espanhóis.
Abaixo, os principais concorrentes ao Goya de número 39 (Walter Salles disputará o “cabeçudo” de melhor filme ibero-americano com “Ainda Estou Aqui”).
MELHOR DOCUMENTÁRIO
. “Marisol, Llámame Pepa – Proceso a un Mito”, de Blanca Torres
. “La Guitarra Flamenca de Yerai Cortés”, de Antón Álvarez
. “Mi Hermano Ali”, de Paula Palácios
. “No Estás Sola”, de Almuderna Carracedo e Robert Bahar
. “Domingo Domingo”, de Laura García Andreu
MELHOR FILME ESPANHOL
. “El 47”, de Marcelo Berrena
. “La Infiltrada”, de Arantxa Echevarría
. “Casa em Chamas”, de Dani de la Ordem
. “La Estrella Azul”, de José Macipe
. “Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodríguez
MELHOR FILME IBERO-AMERICANO
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil)
. “El Jockey”, de Luiz Ortega (Argentina)
. “O Lugar da Outra”, de Maite Alberdi (Chile)
. “Agárrame Fuerte”, de Ana Guevara Pose e Letícia Jorge Romero (Uruguai)
. “Memórias de un Cuerpo que Arde”, de Antonella Sudassi Furniss (Costa Rica)
MELHOR FILME EUROPEU
. “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard (França)
. “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre de la Patellière e Matthieu Delaporte (França)
. “La Chimera”, de Alice Rohrwacher (Itália)
. “Flow”, de Gints Zilbalodis (Letônia)
. “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer (Alemanha e Reino Unido)
MELHOR DIRETOR
. Pedro Almodóvar (“O Quarto ao Lado”)
. Paula Ortiz (“La Virgen Roja”)
. Aitor Arregi e Jon Garaño (“Marco”)
. Isaki Lacuesta e Pol Rodríguez (“Segundo Prêmio”)
MELHOR DIRETOR ESTREANTE
. Paz Vega (“Rita”)
. Sandra Romero (“Por Donde Pasa el Silencio”)
. Pedro Martin-Callero (“El Llanto”)
. Miguel Faus (“Calladita”)
. Pedro Macipe (“La Estrella Azul”)
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO
. “A Menina e o Dragão”, de Salvador Simó e Li Jiaping (parceria Espanha-China)
. “Mariposas Negras”, de David Blaute
. “Buffalo Kids”, de Pedro Sólis e Juan Galocha
. “SuperKlauss”, de Sergio Pablo
. “Rock Botton”, de María Trénor
Muito interessante esta reportagem. Parabéns! Gostaria muito de assistir o filme sobre a vida de Marisol. Será que veremos no circuito dos cinemas ? Em canais alternativos de TV e canais pagos ?