Leandro Firmino, o Zé Pequeno de “Cidade de Deus”, volta a atuar, 23 anos depois, em filme de Fernando Meirelles, o distópico “Corrida dos Bichos”

Foto: Leandro Firmino e sua esposa Letícia da Hora

Por Maria do Rosário Caetano, de Florianópolis (SC)

O ator Leandro Firmino da Hora, o Zé Pequeno, aquele que roubou a cena em “Cidade de Deus”, contou em “Conversa com o Público”, no Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM), que em breve será visto em novo filme de Fernando Meirelles — o distópico-futurista “Corrida dos Bichos”.

Famoso por tirada que cativou milhares de fãs e deu origem a muitos mêmes — “Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno!” — o ator carioca, de 47 anos, preferiu não antecipar detalhes sobre a nova parceria com Meirelles, produtor e diretor de “Cidade Deus”.

Só que já filmou sua parte em “Corrida dos Bichos” e que o longa-metragem uniu Meirelles a outros diretores. Provocado a dar novas informações sobre o filme, Leandro preferiu falar da importância de “Cidade de Deus” e de seu realizador em sua vida profissional.

— Eu tinha 22 anos quando fui selecionado para o filme. Nunca me passara pela cabeça ser ator. Fui para o teste para acompanhar um amigo de infância. Fomos testados, selecionaram a mim e não a ele. Passamos, na primeira etapa do filme, por meses e meses de oficinas, parte de longo processo de preparação. No final, me coube o papel de Zé Pequeno. Nunca imaginei que o filme iria tão longe. E que mudaria minha vida.

O cidadão Leandro Firmino da Hora é o oposto de Zé Pequeno. Calmo e muito família. Veio a Florianópolis em companhia da esposa, Letícia da Hora, com quem está casado há onze anos. Os dois vivem no município de São Gonçalo, segunda cidade mais populosa do estado do Rio (960 mil habitantes). E é Letícia, junto com a agente do ator, Carol Pondé, quem coloca gás no carioca tranquilão. “Gosto de descansar, viver numa boa, curtir a família, sou muito caseiro, não costumo ir nem às festas comemorativas organizadas por elencos de filmes, séries ou novelas, dos quais participei”.

Houve momentos em sua carreira, que já dura 23 anos, nos quais Leandro pensou em desistir de tudo. Afinal, só o convidavam para papéis de traficante. Mas, por sorte, o ator Paulo Betti o convocou para atuar, ao lado de Lázaro Ramos, no filme “Cafundó” (2005). “Um papel maravilhoso”, relembra. “Interpretei Cirilo, um ex-escravizado, divertido, muito bonachão, que ajudava João Camargo (Lázaro Ramos), importante líder espiritual do interior paulista, na região de Sorocaba. A única coisa difícil foi aprender a lidar com mulas e cavalos”. Mas “tudo deu certo e nasceu entre nós, Betti e eu, uma grande amizade. Ele me liga, me manda mensagens, um parceiro generoso e incrível”.

A amizade com Fernando Meirelles também é sólida. Mas foram necessárias duas décadas para que Leandro voltasse ao elenco de um filme do diretor-produtor que o revelou: “Fiz participações especiais na série ‘Cidade dos Homens’, mas não fui escalado para nenhum dos novos filmes de Meirelles. A hora chegou com ‘Corrida dos Bichos’”.

O que se sabe é que o novo filme tem direção, além de Meirelles, dos roteiristas Ernesto Solis e Rodrigo Pesavento. Trata-se de produção feita para o streaming (Prime Video), ainda sem data de estreia (nesse momento Meirelles desfruta o sucesso de “Pssica”, série que realizou, em parceria com o filho, Quico Meirelles, para a Netflix).

Não se sabe nem se “Corrida dos Bichos” chegará aos cinemas. Ou se irá direto para a telinha. A trama tem recorte futurista e apocalíptico. Ambienta-se num Rio de Janeiro convulsionado por transformação radical, advinda do desaparecimento do mar. Nesse novo (e apavorante) cenário, acontecem brutais competições, inspiradas no Jogo do Bicho (conhecidas como “Corrida dos Bichos”).

Os protagonistas dessas “rinhas” são seres humanos, oriundos de classes marginalizadas e conhecidos como Bichos. As lutas são promovidas por magnatas, que bancam (e lucram com) apostas milionárias. Um jovem corajoso entra nessa corrida para salvar a vida de sua irmã, enfrentando o sistema opressor e colocando sua própria vida em risco. Além de Leandro, estão no elenco Rodrigo Santoro, Isis Valverde, Silvero Pereira, Bruno Gagliasso, Grazi Massafera, Anitta e Matheus Abreu.

“E dois de meus colegas em ‘Cidade de Deus’” — destaca, satisfeito, o intérprete de Zé Pequeno – “Seu Jorge, o Mané Galinha, e Daniel Zettel, o Tiago. Lembram dele, um jovem ruivo, viciado em drogas, namorado da personagem de Alice Braga, que iria se aliar a Zé Pequeno?”. Quem conhece bem o filme há de se lembrar.

Atualmente, Leandro se dedica às gravações da novela “Vale Tudo”, na qual interpreta Jarbas Galhardo, motorista de aplicativo. Na trama de Gilberto Braga, reescrita por Manoela Dias, Jarbas e sua esposa Consuêlo (Belize Pombal) são pais de dois filhos, Daniela e André. Na versão original, o personagem foi interpretado por Stepan Nercessian (e era irmão de Consuelo).

— Eu dei ao Jarbas um tom bem “paz e amor”, ele é gente boa, divertido. E faço, ao meu jeito, minha homenagem a Stepan, outro gente boa, torcedor apaixonado pelo Botafogo. Por isso eu, que na vida real sou flamenguista, faço o Jarbas vestir a camisa de seu time, o Fogão. Ele é capaz de deixar a mulher de lado para assistir aos jogos do alvinegro. Eu não faço isso (olha para a esposa Letícia), embora ame o Mengão.

Outro trabalho que vem ocupando Leandro Firmino é a série “Impuros”, já na sexta temporada (Disney), ambientada no Rio de Janeiro da década de 1990. Ele interpreta o traficante Gilmar.

“Quando me convidaram para atuar nessa série” — relembrou o ator no “Conversas FAM — “minha tendência foi dizer não”. Afinal, “faria mais um traficante”. Mas sua agente, Carol Pondé, o convenceu a aceitar. Seria apenas uma participação especial. “Só que os diretores (os experientes Tomás Portella e Renê Sampaio) gostaram do meu desempenho e me avisaram que deixariam o final em aberto, para que eu voltasse em nova temporada. Estou lá até hoje”.

Nos momentos mais difíceis de sua carreira, Leandro pensou em buscar outros rumos profissionais. “Vida de ator”, pondera, com sua calma habitual, “é sinônimo de espera”. Não só de convites para novos trabalhos, mas “esperas imensas da hora de filmar ou gravar uma telenovela”.

— Somos pagos para esperar. Permanecemos horas nos estúdios ou em locações aguardando o sinal ‘ação!’, ‘gravando!’. Ou esperamos convites de produtores. E esperar cansa. Mas acabamos felizes com nosso trabalho, apesar, e depois, das infinitas horas de espera.

Leandro formou-se nas oficinas preparatórias de “Cidade de Deus”, tensas e intensas. Para “Vale Tudo” não dispôs do tempo que gostaria para construir o motorista de Uber, que acabará prestando serviços às personagens Celina (Malu Galli) e Heleninha (Paola Oliveira).

— Saí da pauleira de “Impuros”, uma série de ação, para a novela da Globo. Só tive dez dias para me preparar. Por sorte, conheço bem os motoristas de Uber, já que sou usuário habitual desse serviço. E converso muito com eles, ouço as histórias de vida de cada um, escuto suas opiniões políticas, se gostam de futebol ou não. Gosto muito de ouvir os outros.

Depois do sucesso de “Cidade de Deus”, que ultrapassou as fronteiras brasileiras, e de “Cafundó”, Leandro desempenharia papéis esparsos no cinema. Nenhum tão impactante quanto o Zé Pequeno, sem dúvida o personagem mais conhecido e festejado de “Cidade de Deus”.

— Estive no elenco de outros filmes, da comédia “Júlio Sumiu”, de uma produção internacional, “Trash”, de “O Homem que Enganou o Diabo” e “ As Aventuras de Agamenon”.

Ele faz questão de destacar, além de “Cidade de Deus” e “Cafundó”, a série “Magnífica 70”, uma produção da Conspiração, dirigida por Cláudio Torres e Carolina Jabor, que revistou a Boca do Lixo paulistana, e foi bem recebida pelo público. “Meu personagem se chamava Carioca e destaco, também, a novela ‘Vidas Opostas’, da Record, que teve boa repercussão”.

Por fim, o ator contou para o público do FAM, sempre com voz serena, sem um instante que seja de exaltação:

— Nunca frequentei uma escola de Artes Cênicas, mas me orgulho de ter sido aluno de um CIEP (escolas especiais concebidas por Darcy Ribeiro durante o Governo Brizola). Na década de 1980, eu acordava cedo, seis horas da manhã, e ia para o colégio, onde passava o dia inteiro. Só ia embora no final da tarde. Naqueles anos, jamais imaginei que estaria um dia num filme como “Cidade de Deus” ou “Cafundó”, numa novela da Globo ou em séries como “Magnífica 70” e “Impuros”. E, o que alegra muito, estar, nesse momento, aguardando a estreia de um novo filme que traz a assinatura de Meirelles, esse diretor genial. E generoso, que faz questão de me ligar para dar parabéns por cada trabalho que faço. Temos um ponto em comum: somos ambos tranquilões. Ele não grita durante as filmagens, pois sabe muito bem o que quer.

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