Diretor de “Tropicália” lança três novos filmes
O cineasta Marcelo Machado, autor de “Tropicália”, documentário que levou mais 70 mil espectadores aos cinemas brasileiros, lança, este mês, três novos filmes. Um deles – “O Piano que Conversa”, está em cartaz no CineSesc, desde a última quinta-feira, 5 de julho. Os outros dois – “Música pelos Poros” e “Gilberto Mendes e a Música Nova” – integram o núcleo “Filmes Contemporâneos” do 12º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, que acontecerá em 25 salas paulistanas, de 26 de julho a três de agosto.
A história de Marcelo Machado, de 59 anos, no audiovisual, começa nos tempos em que estudava Arquitetura na FAU-USP, ao lado de Fernando Meirelles, futuro diretor de “Cidade de Deus” e produtor que comanda a poderosa O2 Filmes. Juntos, dirigiram o curta-metragem “Marly Normal”, premiado no Festival Videobrasil, em 1983. E, ainda juntos, somando-se a outros amigos, fundaram o coletivo Olhar Eletrônico. Buscaram equipamentos (câmaras e, depois, ilha de edição) no Japão, na base do “contrabando cultural”, como contou Meirelles em sua “Biografia Prematura” (Coleção Aplauso, Imprensa Oficial de SP, 2007).
O núcleo inicial do coletivo de videomarkers uniu cinco jovens (loucos por cinema), naqueles anos 1980 (além de Marcelo e Meirelles: Paulo Morelli, Dario Vizeu e Beto Salatini). A eles agregaram-se, depois, os eletrônicos Marcelo Tas, Toniko Melo, Renato Barbieri, Helena Meirelles, Sandra Conti, Agilson Araújo, Flávio de Carvalho e Deo Teixeira.
“Para nós, da Olhar Eletrônico” – rememora Marcelo – “fazer cinema parecia algo inatingível para a época”. Daí que “o jeito foi apostar no vídeo”. Ele, que graduou-se em Arquitetura, na FAU, nunca exerceu o ofício. Escolheu, como projeto de vida, o audiovisual. “Não escolhi o cinema, escolhi o vídeo e depois a televisão. Há 37 anos, vivo do que produzo para a televisão. E quando dá, para o cinema”.
Depois de “Marly Normal”, que repercutiu bem no Videobrasil, ele seguiu em frente. Em 1984, realizou “Do Outro Lado da sua Casa”, outro curta em vídeo, eleito o melhor documentário na primeira edição do FestRio. Passou, então, a dedicar-se à TV, veículo em que mais se exercitou. E encontrou tempo para realizar “Sato”, curta em vídeo (1992), o sacudido “Ginga”, que elegia ao futebol brasileiro praticado pelos que têm jogo de cintura e malemolência (2004), “Viagem ao Anhui” (média documental, 2007), e os longas “Tropicália”, seu projeto de maior envergadura e sucesso (2012), e os três trabalhos mais recentes, todos musicais (“O Piano que Conversa”, “Música pelos Poros” e “Gilberto Mendes”).
“O Piano que Conversa”, em cartaz na excelente sala que o Sesc mantém na Rua Augusta, participou, em junho último, do Festival In-Edit. O filme se propõe, guiado pelo músico Benjamin Taubkin, a “uma imersão sonora e imagética” no universo do piano, instrumento nobre. Marcelo registrou pianistas oriundos de cinco países (Bolívia, Coreia do Sul, Israel, Moçambique, Polônia e Brasil). Apesar do nome, “O Piano que Conversa” foge do formato “cabeças falantes” (ou “conversantes”). Os protagonistas são os vinte músicos com quem Taubkin se encontra. Ou seja, piano e pianistas são a razão de ser do projeto. O discurso retórico não tem vez.
A Revista de CINEMA conversou com Marcelo Machado, paulista do interior (Araraquara), que orgulha-se de ser, acima de tudo, um homem de TV. Embora tenha feito muita publicidade, nos momentos em que foi contratado por grandes empresas, como a DPZ, ele nunca se afastou do cinema documental, sua maior paixão.
Revista de CINEMA – Por que a música é o tema principal de quase todos os seus filmes?
Marcelo Machado – A música e o desenho estavam na minha formação. Tenho não só interesse, mas a consciência da importância da música na cultura brasileira, então, trabalho temas musicais. Mas não é uma especialidade. Fiz trabalhos dos quais me orgulho sobre Arquitetura (“Arquitetura Moderna” para a mostra Tradição e Ruptura, “Oscar Niemeyer, o Arquiteto da Invenção”, para a Abril/GNT) e tenho tralhado temas relacionados à China-Brasil, como o documentário que estou fazendo agora, “A Ponte de Bambú”. Sou casado com uma chinesa e tenho uma família mestiça. Já abordei também o sonho dos meninos que querem ser jogador de futebol (“Ginga”) ou a poesia de pessoas comuns (“Sarau”, 2011).
Revista de CINEMA – Você tem trabalhado muito para o mercado de TV. Qual a importância deste veículo na sua trajetória?
Marcelo Machado – TV, sempre! Trabalhei em diversos canais de televisão, dirigindo a programação da TV Gazeta e criando o TV Mix. E ajudei a implantar a MTV no Brasil. Depois, dirigi uma temporada da série “Música Brasileira” (Multishow, 2001). Mais recentemente, concebi e fiz a direção geral de “A Verdade de Cada Um” (série para o Canal Nat Geo). Venho realizando, com o Selo Sesc, um projeto de caráter didático do jornalista e musicólogo João Marcos Coelho, chamado “Os Sons da Orquestra”. Mas meu maior orgulho são mesmo nossos primeiros trabalhos em vídeo na década de 80, no Olhar Eletrônico. Éramos um coletivo jovem e acreditávamos que íamos mudar a televisão brasileira.
Revista de CINEMA – Por que, depois do sucesso de “Tropicália”, que teve ótima recepção crítica e excelente bilheteria para um documentário, você não engatou outro filme com tamanha abrangência e repercussão?
Marcelo Machado – Porque isso pode se transformar em uma camisa de força. Vivo do audiovisual há 37 anos e acredito no trabalho constante, mas diversificado. Gosto de trabalhar com temáticas variadas tentando entender as especificidades de cada meio e linguagem. E não me sinto um cineasta no sentido da constância temática ou da evolução de uma chamada obra.
Revista de CINEMA – Você vai mostrar dois novos documentários no Festival do Cinema Latino-Americano de SP. São filmes de encomenda ou você escolheu fazê-los? São projetos de narrativa clássica ou mais experimentais?
Marcelo Machado – Escolhi registrar a residência musical no Festival Artes Serrinha, em 2015, um ano em que estava acontecendo pouca coisa e eu muito parado na frente do computador. A proximidade com o Benjamim Taubkin e o Canal Curta permitiu que esse projeto acontecesse. Já o registro da homenagem ao maestro Gilberto Mendes (1922-2016) e seu Festival de Música Nova, foi um convite do SescTV. O fato é que, junto com o “Piano que Conversa”, ficaram prontos nesse meio de ano, e estou tendo a felicidade de poder mostrar estes dois trabalhos criados para televisão em tela grande no Festival Latino-Americano. No “Música pelos Poros”, não tivemos roteiro, nem plano de produção, acompanhávamos o que acontecia na nossa frente, músicos improvisando em uma fazenda. A linguagem é mais experimental e suja, bem na linha do Olhar Eletrônico. No “Gilberto Mendes e a Música Nova”, percebi o território de uma música difícil e de pouco público. Percebi, também, que os músicos mobilizados por este projeto têm uma formação muito sólida e tentam fazer a música do seu tempo, sem concessões. Então, os experimentais são eles no caso. Eu, de alguma forma, me comportei, ousadia em cima de ousadia pode dar indigestão.
Por Maria do Rosário Caetano