Cinema brasileiro perde José Marinho, ator coadjuvante de filmes emblemáticos

Por Maria do Rosário Caetano

O ator José Marinho nunca protagonizou um longa-metragem, mas teve a sorte de estar, na hora certa, no filme certo. Ele, que morreu na madrugada dessa terça-feira, 13 de julho, aos 88 anos, iniciou-se no cinema em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos, e passou pelos elencos de “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, e “O Amuleto de Ogum”, de Nelson Pereira dos Santos.

Sua imagem, em “Terra em Transe”, sendo silenciado por Paulo Martins, o angustiado personagem de Jardel Filho, tornou-se um dos momentos icônicos do cinema brasileiro (e uma das imagens mais famosas do filme glauberiano). No mesmo take – Jardel cobre a boca de Marinho com sua mão esquerda, captado pelo diretor de fotografia Luiz Carlos Barreto e seu câmera Dib Lutfi (foto abaixo) – aparecem a atriz Glauce Rocha (Sara) e Paulo Cesar Pereio.

Além de ator, José Marinho, nascido no alto agreste de Pernambuco, na zona rural de Olho D’Água de Dentro, tornou-se professor universitário e pesquisador. A família do menino mudou-se para a divisa de seu estado natal com a vizinha Paraíba. Mais tarde, ele iria migrar para o sul e radicar-se no Rio de Janeiro, onde faria carreira no teatro, no cinema e na TV, até dedicar-se ao magistério, atendendo a convite de Nelson Pereira dos Santos. Nunca é demais lembrar que o diretor de “Vidas Secas” foi um dos fundadores dos cursos de Cinema da UnB (Universidade de Brasília) e da UFF (Universidade Federal Fluminense). Somou, com empenho, sua carreira de cineasta ao exercício do magistério.

Foi, aliás, sob direção de Nelson Pereira dos Santos, que Marinho mais atuou. A amizade e parceria se deram, primeiro, em “El Justicero” (1966), prosseguindo em “O Amuleto de Ogum”, rodado na Baixada Fluminense, “Estrada da Vida”, com Milionário e José Rico (1981), e “Brasília, 18%”.

O ator participou, também, de vários filmes do “Nordesten” (o western cangaceiro). Destaque para “Maria Bonita, a Rainha do Cangaço” (Miguel Borges, 1968) e “Meu Nome É Lampião” (Mozael Silveira, 1970). Com Paulo Thiago, atuou em “Sagarana, o Duelo” (1974) e “Soledade” (1975), recriação de um clássico da literatura nordestina, “A Bagaceira” (José Américo de Almeida). Com o baiano Fernando Coni Campos , fez “Uma Nega Chamada Tereza” (1973), “Viagem ao Fim do Mundo” (1967) e “O Homem e sua Jaula” (1966).

Durante os anos em que esteve na UFF, como professor, José Marinho atuou em dezenas de curtas de seus alunos. E, no terreno da pesquisa acadêmica, investigou para o livro “De Pedras e dos Homens”, o fértil ciclo do documentário paraibano, iniciado em 1959-1960 com “Aruanda”, de Linduarte Noronha, e sequenciado por criações de Vladimir Carvalho (“O País de São Saruê”), João Ramiro Mello (“Romeiros da Guia”, realizado em parceria com Vladimir), Rucker Vieira (“A Cabra na Região Semiárida”) e Ipojuca Pontes (“Os Homens do Caranguejo”).

Para prefaciar o livro, editado pela EdUFF (e encapado com ilustração de grande beleza gráfica e potência comunicativa), Marinho convidou o diretor e professor Nelson Pereira dos Santos. O diretor de “Memórias do Cárcere”, com sua elegância costumeira, escreveu texto sintético e de compreensão cristalina. E cometeu elipse voluntária: omitiu o nome de Ipojuca Pontes entre os que fizeram o ciclo documental paraibano.

A primeira edição do livro veio a público em 1998, portanto, em um momento em que o cinema brasileiro lutava para reeguer-se do desmoronamento promovido pelo Governo Collor (1990-1992). Com uma canetada, o presidente, que triunfara nas eleições com a alcunha de “caçador de marajás”, colocou fim à Embrafilme e ao Concine, organismos que cuidavam do fomento e da fiscalização da atividade cinematográfica. E nomeou Ipojuca Pontes para titular da Secretaria Nacional de Cultura e Miguel Borges como seu principal auxiliar.

Por sua natureza e capacidade de cultivar amigos, José Marinho não rompeu com Ipojuca Pontes, nem com Miguel Borges, com quem trabalhara em “Maria Bonita, a Rainha do Cangaço”, no policial “Perpétuo Contra o Esquadrão da Morte” (1968) e em “As Escandalosas” (1970).

Até desempenhar pequenos papéis em “Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (Helena Ignez e Ícaro Martins) e “Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo” (Hugo Carvana), ambos de 2010, Marinho deixou seu nome registrado nos créditos de duas dezenas de filmes. Entre eles, “Miramar”, de Júlio Bressane, “Guerra de Canudos”, de Sérgio Rezende (ambos de 1997), “Corpo em Delito”, de Nuno César de Abreu (1989), “Os Trapalhões no Auto da Compadecida” (Roberto Farias, 1987), “Nem Tudo É Verdade”, de Rogério Sganzerla (1985), “O Rei do Rio”, de Fábio Barreto (1984), “Parahyba, Mulher Macho”, de Tizuka Yamasaki (1983), “Gordos e Magros”, de Mário Carneiro (1976), “Os Marginais”, de Moisés Kendler (1968), e “Vida Provisória”, de Maurício Gomes Leite (1968).

O ator-professor Marinho gostava de lembrar o processo de trabalho que manteve, no sertão do Caicó, no Rio Grande do Norte, com o cineasta Augusto Ribeiro Jr. A preparação (e filmagem) de “Boi de Prata” (1980), longa-metragem fotografado por Walter Carvalho, tendo Luiza Maranhão no elenco, foi para ele muito enriquecedora.

Ribeiro Jr deu imensa liberdade aos atores, permitindo incontroláveis exercícios de improvisão. O pernambucano-paraibano aproveitou para desempenhar, com muita liberdade, um de seus mais significativos papéis – o de um vaqueiro, Antônio, submetido a duras condições de trabalho em terra ressequida. Mas o filme não teve lançamento comercial, nem a repercussão esperada.

Na TV, Marinho atuou em telenovelas, séries e humorísticos, como “Viva o Gordo!”, comandado por Jô Soares, “Plantão de Polícia”, protagonizado por Hugo Carvana, “Pecado Capital” e “Roque Santeiro” (ambas dirigidas por Daniel Filho), “Carga Pesada”, que uniu Antônio Fagundes e Stênio Garcia (todos na Rede Globo), e “Porto de Sete Destinos”, de Antônio Seabra (TV Rio, 1966).

Quem quiser ler os livros deixados por José Marinho, deve começar por sua obra mais sólida – “De Homens e das Pedras – O Ciclo do Cinema Documentário Paraibano (1959-1979)”, e prosseguir com sua autobiografia, publicada na Coleção Aplauso da Imprensa Oficial de São Paulo (“Luzes do Sertão, Luzes da Cidade”), que além do belo título, traz texto de saborosa fruição, e “Um Discreto Olhar – Seis Cineastas Baianos (1950-1980)”, publicado em 2015.

One thought on “Cinema brasileiro perde José Marinho, ator coadjuvante de filmes emblemáticos

  • 14 de julho de 2021 em 22:25
    Permalink

    Acima de tudo, um grande companheiro!!! Salve, Marinho!!!

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.