Bafta consagra “Nada de Novo no Front” e impõe derrota acachapante à comédia favorita ao Oscar
Por Maria do Rosário Caetano
Os britânicos mandaram recado explícito à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: o franco favorito dos norte-americanos, a comédia multiverso “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, não é tudo isso que se diz. Para os votantes do Bafta, o “Oscar britânico”, o filme da dupla maluquete Daniel Kwan e Daniel Scheinert, fez jus a mísera láurea e, mesmo assim, técnica (melhor montagem).
Quem triunfou foi o germânico “Nada de Novo no Front”, épico de guerra dirigido por Edward Berger e produzido por alemães (entre eles o ator Daniel Brühl) e a Netflix. A vigorosa recriação do romance de Erich Maria Remarque disputava 14 categorias. Venceu em sete, incluindo as mais importantes – melhor filme, diretor, roteiro adaptado e fotografia. E, também, melhor trilha sonora e som.
Para reafirmar a paixão dos votantes por narrativa tão europeia e lançada em tempo de guerra na Ucrânia, “Nada de Novo no Front” triunfou, também, como melhor filme em língua não-inglesa. O país de Winston Churchill, um dos artífices do triunfo dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, sabe apreciar narrativa bélica feita com pegada humanista, imensas qualidades técnicas, formidável e jovem elenco.
“Nada de Novo no Front” se passa durante a Primeira Guerra Mundial, e mostra jovens estudantes que se dispõem a engrossar as fileiras germânicas e lutar contra os franceses. O fazem movidos por exacerbado fervor patriótico. Mas só encontraram morte e horror pela frente.
O outro grande vencedor do Bafta de número 76 (depois do Oscar, o prêmio mais antigo entre os distribuídos por Academias), foi “Os Banshees de Inisherin”, produção anglo-irlandesa comandada pelo londrino Martin McDonagh. Além de ter sido eleito o melhor filme britânico do ano, o filme teve seu roteiro, realmente original e intrigante, reconhecido. E dois integrantes de seu elenco coadjuvante laureados (Kerry Condon, irmã do simplório personagem de Colin Farrell, e Barry Keoghan, o inquieto amigo deles).
A vitória do documentário “Navalny” surpreendeu. Afinal, havia três concorrentes bem mais elaborados (e apaixonantes) que ele. Caso do indiano “Tudo que Respira” (“All That Breathes”), de Shaunak Sen, vencedor do Olho de Ouro em Cannes; do estadunidense “All the Beauty and Bloodshed”, de Laura Poitras, Leão de Ouro em Veneza, e do canadense “Vulcões: A Tragédia de Kátia e Maurice Kraft”, de Sara Doisa.
O quinto título a disputar o prêmio era o britânico “Moonage Daydream”, de Brett Morgan, sobre o rock star David Bowie. Sem puxar a sardinha para o Terceiro Mundo: “Tudo que Respira” é um filme apaixonante e merecia ganhar. Se visto superficialmente parece mais um longa-metragem sobre pessoas que se dedicam a estranho ofício – resgatar e salvar milhafres, ave de rapina, num país caótico como a Índia. Se visto com atenção, o filme revela-se como poderoso e sintético registro da vida de dois bons samaritanos, que ajudam, como podem, a melhorar este planeta dos excessos, acossado pela crise climática.
A russofobia que toma conta da Europa Ocidental, desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, potencializou as chances de “Navalny”. O documentário canadense, construído como um thriller político, acompanha seu espalhafatoso protagonista (Alexey Navalny), opositor ferrenho a Putin. Se ele e a mulher fossem menos midiáticos dariam mais potência ao filme. Depois de analisar a lista dos premiados pelo Bafta, ressurge pergunta que não quer calar: será que a acachapante derrota do videogame movie “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” servirá de alerta aos quase 10 mil votantes da Academia de Hollywood?
Afinal, o filme da dupla Kwan e Scheinert, que acaba de triunfar no influente DGA (Directors Guild of America), recebeu o maior número de indicações da atual corrida ao Oscar, foi premiado por Críticos dos EUA e Canadá e vem sendo festejadíssimo pelos produtores, pois rendeu mais de US$100 milhões (quase tudo nos EUA, pois em outros lugares o fenômeno não vem se repetindo).
Exemplo concreto: no Brasil, o tolo e inconsequente longa dos Daniéis foi lançado e teve plateia modesta. Com a avalanche de indicações e prêmios, foi relançado com quase 100 cópias. Mesmo assim – e com a ajuda da Semana de Ingressos a 10 reais – não chegou a somar 240 mil espectadores.
Dois prêmios extras foram concedidos na noite londrina do Bafta. O primeiro, o Fellowship, para a designer de figurinos Sandy Powell, que, além de trabalhar em seu país, a Inglaterra, tornou-se colaboradora de Martin Scorsese desde “Gangues de Nova York”.
O segundo, atribuído pelo público, elegeu Emma Mackey como “Estrela Emergente” do ano. Aos 26 anos, a protagonista de “Emily”, filme sobre as irmãs Brontë, e da série “Sex Education”, vem causando furor. Nascida e criada na França, filha de mãe inglesa e pai francês, Emma estudou na Academia de Nantes e, depois, teatro na Universidade de Leeds.
Como atriz bilingue, a jovem tem se dedicado a projetos ambientados nos dois países separados pelo Canal da Mancha. Interpretou a mulher amada do engenheiro Gustave Eifell (Roman Duris), no longa “Eiffel” (2021), de Martin Bourboulon, chamou atenção no discreto e misterioso “O Segredo do Lago” e, em breve, protagonizará a versão carne-e-osso da boneca Barbie.
Confira os vencedores do Bafta:
. “Nada de Novo no Front” (Alemanha) – melhor filme, diretor (Edward Berger), melhor filme em língua não-inglesa, roteiro adaptado (Ian Stokell, Lesley Paterson e Edward Berger), fotografia, trilha sonora e som
. “Os Banshees de Inisherin”, de Martin McDonagh (Irlanda-Inglaterra) – melhor filme britânico, melhor roteiro original (Martin McDonagh), atriz coadjuvante (Kerry Condon), ator coadjuvante (Barry Keoghan)
. “Elvis”, de Baz Lurhan (EUA) – melhor ator (Austin Butler), melhor casting, figurino, cabelo e maquiagem.
. “Tár”, de Todd Field (EUA) – melhor atriz (Cate Blanchett)
. “Pinóquio de Guillermo del Toro” – melhor longa de animação
. “Navalny”, de Daniel Roher (Canadá) – melhor documentário
. “Avatar – O Caminho das Águas”, de James Cameron (EUA) – melhor efeitos especiais
. “Babilônia”, de Damien Chazelle (EUA) – melhor direção de arte
. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, de Daniel Kwan e Daniel Scheinert (EUA) – melhor montagem
. “An Irish Goodbye” – melhor curta britânico
. “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo”: melhor curta britânico de animação
. “Aftersun” – Personalidade britânica estreante, que se destaque pelo melhor roteiro, direção ou produção (para a cineasta Charlotte Wells)
. Prêmio Fellowship: Sandy Powell (figurinista inglesa)
. Prêmio Estrela Emergente” (voto popular) para Emma Mackey