“Manas”, primeiro longa de ficção Marianna Brennand, conquista o prêmio máximo da Giornate Degli Autori, no Festival de Veneza
A extensa ovação do público ao término da primeira sessão mundial de “Manas” na última segunda-feira (2), no Festival de Veneza, foi um prenúncio do que viria a suceder poucos dias depois, no encerramento da competição. Nesta sexta-feira (6), o filme, que marca a estreia de Marianna Brennand em longas de ficção, conquistou o GDA Director’s Award, principal prêmio da Giornate Degli Autori, cujo objetivo é destacar obras autorais e cineastas emergentes com visão cinematográfica inovadora.
Eleito por um júri presidido pela cineasta Joanna Hogg e composto por dez ex-participantes 27 Times Cinema – programa que reúne anualmente cinéfilos de 27 países europeus para assistirem aos filmes da Giornate Degli Autori –, o prêmio é concedido ao realizador do melhor longa da mostra. Além disso, o Director’s Award – cuja votação é deliberada ao vivo pelo júri – oferece uma bonificação em dinheiro de € 20.000, a ser dividido igualmente entre o cineasta e o distribuidor internacional do filme, para promover sua circulação.
A produção traz no elenco a estreante Jamilli Correa, no papel principal, Dira Paes, Fátima Macedo e Rômulo Braga, além de atores e atrizes locais da região amazônica, onde foi filmado. O roteiro vencedor do Sam Spiegel International Film Lab é assinado por Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky, Marianna Brennand, Antonia Pellegrino, Camila Agustini e Carolina Benevides.
“Manas” narra a história de Marcielle/Tielle (Jamilli Correa), uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA) junto ao pai, Marcílio (Rômulo Braga), à mãe, Danielle (Fátima Macedo), e a três irmãos. Ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para bem longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região. Conforme amadurece, Tielle vê ruírem muitas das suas idealizações e se percebe presa entre dois ambientes abusivos. Preocupada com a irmã mais nova e ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade.
A fagulha inicial para a realização do filme ocorreu quando Marianna tomou conhecimento de casos de exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó (PA). Em 2014, ela ganhou um edital de desenvolvimento de roteiro promovido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e deu início às pesquisas para o trabalho, que incluíram diversas viagens para a região. Primeiramente, havia a intenção de realizar um documentário, campo no qual a cineasta atuava, mas logo essa ideia foi abandonada.
“No início da pesquisa, me deparei com uma questão ética muito séria. Era inaceitável para mim como documentarista colocar à frente da câmera crianças, adolescentes e mulheres para recontarem situações de abuso pelas quais haviam passado. Seria cometer mais uma violência contra elas. É um tema muito duro e complexo. O desafio era retratar não só uma dor física e emocional, mas também existencial, e isso foi algo que a ficção me permitiu trabalhar. Busquei estabelecer uma espécie de mergulho sensorial que conectasse o espectador à experiência emocional da protagonista. Eu optei por fincar o filme – em todos os seus aspectos – em um hiper-naturalismo que se liga ao documental, abrindo mão de qualquer artifício que pudesse desviar da vivência dela e de seu inconsciente”, explica a cineasta.
Para a composição do elenco, que teve direção de Anna Luiza Paes de Almeida e preparação de René Guerra, formou-se um núcleo adulto composto por atores profissionais com experiência em cinema (Fátima Macedo, Rômulo Braga e Dira Paes, além de Ingrid Trigueiro, Clébia Souza, Nena Inoue e Rodrigo Garcia) e um núcleo infantil escolhido a partir de testes com centenas de crianças moradoras da Região Metropolitana e de ilhas próximas a Belém.
Dira Paes interpreta a policial Aretha. O papel foi construído baseado em pessoas reais como o delegado Rodrigo Amorim, conhecido por combater a exploração sexual infantil nas balsas da região, e em Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, uma referência no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes na região Amazônica.
Selecionada para viver a protagonista Marcielle, Jamilli Correa não tinha qualquer experiência prévia com atuação e surpreendeu pela técnica que demonstrou ao longo de todo o processo. O brasiliense Rômulo Braga e a cearense Fátima Macedo, respectivamente nos papéis do pai e da mãe da personagem principal, completam o elenco principal do filme.
“Manas” é uma produção da Inquietude, em coprodução com Globo Filmes, Canal Brasil, Pródigo e Fado Filmes (Portugal), com produção associada da VideoFilmes e Maria Carlota Bruno (Brasil), da Les Films du Fleuve, Delphine Tomson e Jean-Pierre e Luc Dardenne (Bélgica) e de Dominique Welinski (França). Foi premiado com o Emerging Filmmaker Award (Sam Spiegel International Film Lab) e teve o apoio do Programa Ibermedia. No Brasil, o filme será distribuído pela Bretz Filmes.