“Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, vencedor de Mar del Plata e pré-indicado ao Oscar, chega aos cinemas

Por Maria do Rosário Caetano

“Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, segundo longa-metragem do baiano Haroldo Borges — estreia dessa quinta-feira, 19 de setembro — fez história.

Em novembro de 2021, esta modesta, mas talentosa, produção brasileira venceu o prêmio máximo  do Festival de Mar del Plata — o “Astor”, tributo ao bandoneonista Astor Piazzola, nascido no balneário argentino. Na ocasião, assegurou-se que, “havia cinco décadas, um filme brasileiro não protagonizava tal façanha, pois o último laureado fôra ‘Macunaíma’, de Joaquim Pedro de Andrade”.

O próprio Haroldo coloca o pingo nos is. E o faz com seu tradicional bom humor: “somos o único filme brasileiro e internacional a vencer o ‘Piazzolão de ouro’ em dose dupla — pelo júri oficial e pelo júri popular”. Mas “entre ‘Macunaíma’ e ‘Saudade’ houve outro vencedor brasileiro — ‘Separações”’, de Domingos Oliveira, laureado em 2003”.

O veredito do júri internacional platense, que lhe atribuíra o “Piazzolão”, encontraria a mais perfeita ressonância nos festivais brasileiros. Na Mostra Rumos, do Festival do Rio, “Saudade…” ganharia o prêmio principal. Em São Paulo, na Mostra Internacional de Cinema, faria jus ao prêmios Netflix e Paradiso. Em São Miguel do Gostoso, foi escolhido como o melhor filme pela Crítica. No Festival Aruanda, na Paraíba, conquistou cinco troféus na mostra Sob o Céu Nordestino, incluindo o de melhor filme da região.

“Saudade Fez Morada Aqui Dentro” (só assistindo ao filme para entender a razão desse título) é protagonizado por um adolescente de Poço de Fora, cidadezinha (real) situada no sertão baiano. Ele se chama Bruno e é interpretado por Bruno Jefferson (premiado como melhor ator, no festival paraibano).

O garoto vive, em estado de agonia, o drama da perda gradativa da visão. O mal é diagnosticado por médica da cidade grande. Bruno desfruta do carinho da mãe, Wilma (a atriz “circense” Wilma Macedo), e do irmão mais novo, Rony (Ronnaldy Gomes). Estes dois intérpretes também foram laureados, como coadjuvantes, no Fest Aruanda.

Novatos em seus ofícios, os três – Bruno, Rony e Wilma — foram preparados por Fátima Toledo, de quem Haroldo Borges é ex-aluno e grande admirador. Trabalhou com ela em suas duas ficções — “Filho de Boi”, seu longa de estreia, e neste festejado “Saudade…”.

A intimidade do baiano com a preparadora de elenco é tão grande, que ele a chama de Toledão. E promete recorrer aos serviços da preparadora de “Pixote, a Lei do Mais Fraco” sempre que escalar atores “sociais”.

Wilma é um dos poucos nomes do elenco a ter familiaridade com um set cinematográfico. Ela participou do documentário “Jonas e o Circo sem Lona“ (Paula Gomes, 2015) — fotografado por Haroldo Borges e produzido por ele e pelo coletivo Plano 3. Mas faz questão de lembrar que orgulha-se de ser definida como uma “circense”. Agora “atriz-circense”?  Não, ela corrige: “no máximo circense-atriz”.

A trama do cativante filme do baiano Haroldo e de sua trupe insinua-se, ao menos na aparência, muito simples. Bruno, aos 15 anos, faz vista grossa para o meio social que o envolve na pequena Poço de Fora. Vai à escola, às festinhas, conversa com as amigas, brinca com o irmão. A doença degenerativa, que lhe roubará a visão, o obrigará a enxergar a vida com outros sentidos.

Na mais bela sequência do filme, ele será abandonado numa pedreira, sem o bastão que lhe servia de arrimo. Um bando de cabras, com seus balidos, servirá de perturbador estímulo (e perigo) ao jovem privado do dom da visão.

“Saudade Fez Morada Aqui Dentro” é um dos seis integrantes da ‘short list’ brasileira de pré-selecionados ao Oscar. Nessa disputa por uma vaga, o filme baiano enfrenta concorrente praticamente intransponível — “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, que adaptou o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. O escritor revive a dupla tragédia de sua mãe. Primeiro, a perda do marido, o engenheiro (e deputado cassado) Rubens Paiva, vítima de tortura e assassinato pelo aparelho repressivo da ditadura militar de 1964. Décadas depois, a viúva, que criou cinco filhos pequenos e lutou, incansavelmente, pelos Direitos Humanos, foi vítima do Mal de Alzheimer.

Walter Salles já concorreu ao Oscar internacional com “Central do Brasil”. E, por este filme, Fernanda Montenegro foi indicada ao prêmio hollywoodiano de melhor atriz. Depois de ótima acolhida no Festival de Veneza (prêmio de melhor roteiro para Murilo Hauser e Heitor Lorega), “Ainda Estou Aqui” somou elogios no Festival de Toronto, considerado a anti-sala do Oscar. E surgiu a possibilidade do elogiado trabalho de Fernanda Torres, filha de Montenegro, ser indicada ao Oscar de melhor atriz (como a mãe, em 1999).

Walter realizou um filme sobre tema que lhe é bastante familiar. Em sua adolescência, ele frequentou a casa de Eunice e Rubens Paiva, pois era colega de escola de Nalu, uma das filhas do casal.

A decisão do júri indicado pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais será conhecido dia 23 de setembro. E — registre-se — contar com seis filmes que passaram pelos mais importantes festivais do mundo — “Motel Destino”, de Karim Aïnouz, “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas, “Levante”, de Lilah Halla, “Sem Coração”, de Nara Normande e Tião, “Ainda Estou Aqui” e “Saudades Fez Morada Aqui Dentro” — é prova do bom momento vivido pelo cinema brasileiro.

Saudade Fez Morada Aqui Dentro
Brasil, 2024, 107 minutos
Direção: Haroldo Borges
Elenco: Bruno Jeferson, Wilma Macedo, Ângela Maria, Ronaldo Gomes, Teresa França, Heraldo de Deus, Vinicius Bustami
Roteiro: Haroldo Borges e Paula Gomes
Fotografia: Haroldo Borges
Montagem: Heraldo Borges e Juliano Castro
Preparação de atores: Fátima Toledo
Som: Pedro García e Victor Corona
Produção: Plano 3 (Paula Gomes, Ernesto Molinari, Marcos Bautista)
Distribuição: Cajuína Audiovisual

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