Cinco filmes com assinaturas femininas chegam aos cinemas: “Homens de Barro”, “Os Sapos”, “Alegria do Amor”, “A Voz que Resta” e “Madeleine à Paris”

Por Maria do Rosário Caetano

Cinco filmes assinados por realizadoras brasileiras chegam, nessa quinta-feira, 6 de fevereiro, aos cinemas – as ficções “Os Sapos”, da carioca Clara Linhart, “Homens de Barro”, da gaúcha Angelisa Stein, “Alegria do Amor”, da catarinense Márcia Paraíso, e “A Voz que Resta”, da paulistana Roberta Ribas (parceria com Gustavo Machado), e o documentário “Madeleine à Paris” (foto acima), da baiana (radicada na França) Liliane Mutti.

“Os Sapos”, terceiro longa solo de Clara Linhart (parceira de Fellipe Gamarano Barbosa em “Domingo”) é um filme delicado, sutil e envolvente. Trata-se de recriação cinematográfica de peça homônima de Renata Mizrahi.

Para abordar a “dependência afetiva de mulheres”, aquela dependência que “ultrapassa questões de gênero, raça, idade e classe social”, Clara mobilizou elenco afinado, tendo a ótima Thalita Carauta como força motriz. Ela interpreta Paula, mulher que acaba de enfrentar processo de separação, e aceita convite para passar uns dias num sítio na serra fluminense. Além de rever amigos, ela quer espairecer num ambiente cercado de verde e dotado de atrativa cachoeira. Lá, colegas dos tempos de colégio, deveriam desfrutar de churrasco coletivo e rememorativo.

Só que, ao chegar ao sítio, Paula descobrirá que o churrasco foi cancelado. E só ela não foi notificada. O anfitrião, o paquerador Marcelo (Pierre Santos), mostra-se entusiasmado com a presença da colega. Já sua companheira, Luciana (Karina Ramil), fica profundamente incomodada com a visita inesperada, pois desejava ficar a sós com seu instável par amoroso. Até preparara um saboroso pão com ingredientes afrodisíacos. Para completar o quadro, aparece no sítio o cantor Cláudio (Paulo Hamilton), machista e vaidoso, que trata sua companheira, Fabiana (Verônica Reis), como objeto de posse exclusiva.

Das relações desse quinteto brotará singela e eficiente narrativa sobre o papel da mulher em uma sociedade patriarcal. Os diálogos fogem do didatismo e a trama vai revelando as zonas de sombra de cada personagem.

O título, embora pouco atrativo, tem sua razão de ser. Ele veio com a peça e permaneceu em sua adaptação cinematográfica para mostrar que as pessoas, nesse ciclo vicioso, são como os sapos. Aqueles batráquios que os personagens tiram do banheiro do sítio e que sempre voltam para o mesmo lugar.

“Homens de Barro”, estreia na ficção da gaúcha Angelise Stein, conta a história do amor proibido entre Pássaro Tamai e Ângelo Miranda, dois meninos nascidos numa pequena cidade do Rio Grande do Sul. A rivalidade entre os pais de ambos (os Tamai e os Miranda) chega ao filme como empréstimo de “Romeu e Julieta”, a tragédia shakespeariana, protagonizada pelos jovens de Verona.

Tudo começa numa olaria, onde o pai de Pássaro produz tijolos que darão origem a muitas edificações. O faz sem os devidos registros legais. Como mantém relação difícil com Miranda, pai de Ângelo e Marciano, o oleiro acabará denunciado às autoridades municipais. As consequências serão de imensa gravidade.

A cor de barro do lugarejo (e da olaria, em especial), onde habitam esse homens brutos, é captada com delicadeza e poesia pelas imagens do craque Bruno Polidoro. A montagem constrói-se suavemente nas mãos de Bruno Carboni.

A trama se desenvolverá com a sutileza de um filme argentino. “Homens de Barro”, inclusive, é fruto de parceria entre gaúchos e seus vizinhos portenhos. As produtoras Valkyria Filmes e Dar a Luz Cine contam com retaguarda decidida da Panda Filmes, de Beto Rodrigues, o mais empenhado dos brasileiros na busca de coproduções com a Argentina.

O amor na peça de Shakespeare se materializa entre os adolescentes Romeu Montecchio e Julieta Capuletto. No filme de Angelisa Stein, o amor tem natureza homoafetiva. Portanto, de Romeu com Romeu (os gaúchos Pássaro e Ângelo). Quem prefere filmes com pegada mais atrevida (“Tinta Bruta”, “Baby”, “Salomé” etc.), poderá ver “Homens de Barro” como uma “sessão da tarde homoafetiva”. Tudo é filmado com imensa contenção. A narrativa pode ser assistida por qualquer pré-adolescente. E, até, por pais, mães e tios carolas. A equipe gaúcho-portenha se distancia da conquista do espectador pelo choque.

Angelisa Stein, que filmou roteiro original dos argentinos Gonzalo Heredia e Fernando Musa, quis realizar seu primeiro longa ficcional sobre “desejos e sentimento de culpa” impregnados num “drama familiar psicológico”, que lida com temas como “identidade, paixão e aceitação”. As cenas de sexo existem, mas são poéticas, até pudicas.

“Alegria do Amor”, de Márcia Paraíso

“Alegria do Amor”, segundo longa-metragem ficcional da carioca-catarinense Márcia Paraíso, retoma a temática agrária de “Lua de Sagitário”. Tudo começa na zona rural do Ceará, onde um líder quilombola, aliado dos Sem-Terra, é assassinado. Sua companheira, a ex-noviça Dulce (Renata Gaspar), dedicada alfabetizadora de adultos, foge do local, pois corre risco de vida.

Primeiro, Dulce refugia-se num convento cearense. Depois vai parar em São Paulo. Sua intenção é denunciar o que aconteceu a seu companheiro, Davi (Márcio de Paula). O roteiro, de base folhetinesca, vai somar ao plot inicial uma série de subtemas. Encontros familiares se revelarão e Dulce descobrirá que tem uma irmã, Marisa (Wallie Ruy), força dinamizadora de casa noturna paulistana, onde funciona alegre karaokê-refúgio destinado ao público LGBTQIAP+.

O filme é muito bem produzido, com belas locações no Ceará, além de bem fotografado (por Ralph Tambke e Anderson Capuano). Mas peca por excesso de didatismo nos diálogos e, como já lembrado, pela trama novelesca. Mesmo assim, foi selecionado para o Festin, em Lisboa, e para o Mix Brasil, no qual conquistou o prêmio do júri popular.

“A Voz que Resta” nasceu de monólogo teatral escrito por Vadim Nikitin e protagonizado pelo ator Gustavo Machado. Transformado em filme, o roteiro (do próprio dramaturgo) acrescenta ao conturbado personagem masculino, Paulo, uma presença feminina. A de Marina (Roberta Ribas). No palco, ela era apenas citada. Agora tem papel mais ativo e surge em memórias de amor e ódio, no vai-e-vem do relacionamento com Paulo.

O único documentário do quinteto feminino, que coincidentemente lança seus filmes num mesmo dia, é o baiano-francês “Madeleine à Paris”. O nome evoca a igreja que católicos parisienses ergueram para Santa Maria Madalena, recorrendo a dezenas de colunas gregas e evocações retrô.

O bailarino brasileiro Roberto Chaves, nascido na terra de Dona Canô e seus filhos Bethânia e Caetano, foi dar com os costados, na capital francesa, 31 anos atrás. Homem negro, esguio, praticante do candomblé (mas devoto de vários santos e santas católicos), foi convidado a atuar como dançarino de lambada, naquele momento em que o gênero (em especial, o Grupo Kaoma) contaminava o Ocidente.

Robertinho fixou-se em Paris e, passada a febre da lambada, tornou-se bailarino do cabaré Paradis Latin. Mas, atado às suas raízes santo-amarenses, nunca esqueceu sua infância pobre, nem os familiares, em especial, a mãe, hoje idosa. E muito menos a lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim. Por isso, resolveu realizar o ritual da lavagem numa igreja parisiense. Tentou uma, outra. Até a da Catedral de Notre Dame.

A conservadora hierarquia da Igreja Católica francesa preferiu não se meter com o sincretismo brasileiro. Pois foi o religioso responsável pela Église de la Madeleine que, mesmo cauteloso, permitiu que as escadarias do templo de estilo neoclássico (construído entre 1764 e 1828 e consagrado em 1842) fossem, em solo francês, o cenário similar ao do ritual soteropolitano da Lavagem do Bomfim.

O documentário de Liliane Mutti (ex-Liliane Reis) é cativante. Robertinho é um preto sestroso, educado, de fala amorosa e sedutora. Rememora sua vida em Santo Amaro, durante visita anual aos familiares, com franqueza e generosidade. Ele nasceu e cresceu numa família de 17 filhos gerados por Dona Carmelita e Seu Zé da Cuíca.

O bailarino conta que foi menino muito pobre, que vendia picolé ou carregava frutas e verduras em modesto carrinho de mão. Que aproximou-se da família de Dona Canô. Comprava, muito prestativo, laranjas ou o que a matriarca dos Veloso solicitasse.

Embora Liliane Mutti defina seu filme como “queer”, o que vemos na tela é um Robertinho discreto, muito religioso, contido ao falar de sua sexualidade. Chega a ler carta de uma namoradinha brasileira dos tempos juvenis. Seus gestos e maquiagem andróginos falam mais que suas palavras. Nesse sentido, o filme dialoga com o documentário “Sem Vergonha” (Rafael Saar, 2025), protagonizado pela cantora Maria Alcina. À moda antiga, a artista nascida em Cataguases prefere cantar, dançar e seguir na dela. Nem ao lado de Ney Matogrosso, um homoafetivo assumido, ela se expõe.

Maria Alcina e Robertinho (hoje também dedicado à composição musical e parceiro de Carlinhos Brown) ganharam dois filmes que registram, carinhosamente, suas vidas e arte.

 

Os Sapos
Brasil, 2025, 77 minutos, indicação 12 anos
Direção: Clara Linhart
Roteiro: Renata Mizrahi
Elenco: Thalita Carauta (Paula), Karina Ramil (Luciana), Verônica Reis (Fabiana), Pierre Santos (Marcelo), Paulo Hamilton (Cláudio)
Fotografia: Andrea Capella
Montagem: Nina Galanternick
Trilha Sonora: Isadora Medella
Produção: Gamarosa Filmes
Distribuição: Livres Filmes

Clara Linhart (Rio de Janeiro, 1977)
Diretora e produtora formada pela PUC-Rio (Ciências Sociais) e pela FGV-Rio (Cinema Documentário)

Longas-metragens:
2017 – “La Manuela”
2018 – “Domingo”, codireção de Fellipe Barbosa
2023 – “Eu Sou Maria”
2025 – “Os Sapos”

Homens de Barro
Brasil, Argentina, 2025, 72 minutos
Direção: Angelisa Stein (codireção de Fernando Musa)
Roteiro: Gonzalo Heredia e Fernando Musa
Elenco: Gui Mallman (Pássaro Tamai), João Pedro Prates (Ângelo Miranda), Alexandre Borin (Marciano Miranda), Cassiano Ranzolin (Oscar Tamai), Rafael Guerra (Élvio Miranda), Gabriela Greco (Estela Miranda)
Fotografia: Bruno Polidoro
Montagem: Bruno Carboni
Distribuição: O2 Play
Estreia: nessa quinta, 6, no Rio Grande do Sul. No resto do país, dia 13 de fevereiro.

Angelisa Stein
Diretora, produtora, advogada e professora de cinema

Longas-metragens:
2022 – “Fremd – O Estrangeiro” (documentário)
2025 – “Homens de Barro” (ficção)

Alegria do Amor
Brasil, 2022/2025, 123 minutos
Direção: Márcia Paraíso
Roteiro: Márcia Paraíso e Glauco Broering
Elenco: Renata Gaspar, Sandra Corveloni, Suely Franco, Wallie Ruy, Zezita Mattos, Márcio de Paula
Fotografia: Ralf Tambke e Anderson Capuano
Montagem: Nara Hailer
Trilha sonora original: Marcelo Portela
Distribuição: Downtown Filmes

Márcia Paraíso (Rio de Janeiro, 14-12-1968, cidadã honorária de Lebon Régis-SC)
Cineasta, jornalista e ativista social. Já realizou uma dezena de longas documentais e séries.

2016 – “Lua de Sagitário” (ficção)
2022 – “Alegria do Amor” (ficção)

A Voz que Resta
Brasil, 2025, 102 minutos
Direção: Roberta Ribas e Gustavo Machado (*)
Roteiro: Vadim Nikitin
Fotografia: João Victor Oliveira
Montagem: Alexandre Cruz, V.E.S e Roberta Ribas
Trilha sonora: Teco Fuchs
Distribuição: Pandora Filmes
(*) Estreia no longa-metragem dos dois realizadores

Madeleine à Paris
Documentário, 2025, Brasil-França, 79 minutos
Direção e roteiro: Liliane Mutti
Fotografia: Daniel Zarvos
Montagem: Christian Chinen e Daniela Ramalho
Trilha sonora: Philippe Powell e Yko
Direção de arte: Guilherme Hoffmann
Distribuição: Bretz Filmes

Liliane Mutti
Documentarista, nascida em Salvador-Bahia e radicada em Paris

Longas-metragens:

2022 – “Miúcha, a Voz da Bossa Nova”, em parceria com Daniel Zarvos
2015 – “Madeleine à Paris”

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