Prêmios David di Donatello consagram “Vermiglio” e ignoram “Parthenope”, o recordista de indicações
Por Maria do Rosário Caetano
Pela primeira vez em sua longa história, os Prêmios David di Donatello, o “Oscar italiano” laurearam uma mulher pela melhor direção – Maura Delpero, nascida na região do Trento, há 49 anos.
Foram necessários 70 anos (sim, sete décadas!) para que um nome feminino levasse para casa o troféu David, criação do escultor renascentista Donato di Donatello, para casa. E por puro merecimento.
“Vermiglio” (foto), o filme dirigido por Maura Delpero, drama de guerra intimista-atmosférico e um dos 15 finalistas ao Oscar internacional, concorria a 14 estatuetas. Triunfou em sete. Além de melhor filme e melhor direção, os dois prêmios mais cobiçados, teve seu roteiro original (da própria realizadora), sua fotografia, seu casting, produtores e som laureados.
Para se ter uma ideia do imenso êxito de Delpero na septuagésima edição do David di Donatello, vale comparar seu desempenho com o de seus principais concorrentes: “Parthenope – Os Amores de Nápoles”, do oscarizado Paolo “A Grande Beleza” Sorrentino, recebera 15 indicações. Não converteu nenhuma. Outro filme que se saiu muito bem na primeira fase (robustas 15 indicações) – “Berlinguer – A Grande Ambição”, de Andrea Segre – levou dois “David” – o de melhor ator, para o impressionante Elio Germano, e o de melhor montagem.
“A Arte da Alegria”, de Valeria Golino (14 indicações) recebeu três troféus (melhor atriz para Tecla Insolia, coadjuvante para Valeria Bruni-Tedeschi e roteiro adaptado).
O quinto e último concorrente a melhor filme – o criativo “Il Tempo Che Ci Vuole”, de Francesca Comencini – que compõe-se como original homenagem ao pai, o cineasta Luigi Comencini (1916-2007), recebera cinco indicações. Mas não converteu, positivamente, nenhum delas. Mesmo assim, prova que o David di Donatello de 2025 foi uma verdadeira “festa delle donna”. Vide os prêmios atribuídos aos filmes de Valeria Golino e de Margherita Vicario – “Gloria! Acordes para a Liberdade”. Com este filme, a atriz, cantora e compositora, de 37 anos, ganhou o David de melhor diretora estreante, melhor trilha sonora (em parceria com Davide Pavanello) e melhor canção (“Ária!”, da qual foi a intérprete).
Claro que sobraram muitos troféus para diretores (no masculino) peninsulares. Andrea Segre viu seu tocante “Berlinguer – A Grande Ambição”, sobre o secretário-geral do PCI (Partido Comunista Italiano) Enrico Berlinguer, duplamente laureado. Por seu protagonista, o magistral Elio Germano, e pela melhor montagem, do craque Jacopo Quadri. E, para triunfar, Germano teve que derrotar outro grande ator, o bellochiano Fabrizio Gifuni, em formidável desempenho no instigante “Il Tempo Che Ci Vuole”, de Francesca Comencini. Coube a ele, que brilha na quarta temporada de “A Amiga Genial”, série baseada em livro de Elena Ferrante, interpretar o pai da diretora, o cineasta Luigi Comencini (1916-2007).
Além de Andrea Segre, destacaram-se os diretores Gabriele Salvatores, oscarizado anos atrás por “Mediterrâneo”, Gianluca Jodice, realizador de coprodução histórica franco-italiana, que recria o último dia da rainha Maria Antonieta, e Francesco Costabile, com vigoroso drama sobre violência intrafamiliar (“Família”), já lançado no Brasil pela Imovision.
O filme de Salvatores, “Napoli-New York” (Prêmio da Juventude e melhores efeitos especiais), parece uma colorida Sessão da Tarde protagonizada por duas crianças adoráveis. Elas se metem, clandestinamente, num navio que transporta, na terceira classe, imigrantes napolitanos para a cidade de Nova York.
Construído graças aos milagres dos efeitos especiais, o filme recria Napóles, numa Itália destruída pela Segunda Guerra Mundial, e Nova York, exuberante, rica e sedutora. E o faz em tom de fábula.
O que espanta nos créditos do filme é sua origem. Ele nasceu de argumento de Federico Fellini e Tulio Pinelli. O roteiro final é do próprio Salvatores. Nos tempos de jovem roteirista, ainda nos anos 1940, Fellini e o parceiro conceberam trama protagonizada por duas crianças que entravam clandestinamente num navio rumo a NY. As 60 páginas que esboçavam a ideia ficaram engavetadas por mais de 70 anos.
“Napoli-New York” tem, sim, um quê de Fellini, mas Gabriele Salvatores está longe da genialidade do maestro de Rimini. Mesmo assim, o filme se deixa ver e tem dois protagonistas mirins capazes de imantar nossa atenção. E, o que não é pouco, o craque Pierfrancesco Favini tem destaque no elenco.
O astro peninsular concorreu a melhor ator coadjuvante nessa septuagésima edição dos David (e perdeu para Francesco Di Leva, de “Família”). Seu desempenho na pele de um simpático subcomandante do navio que transporta imigrantes, um italiano radicado nos EUA, não traz o brilho de outros dos papeis de Favino. Mas a culpa deve ser creditada ao roteirista-diretor e não ao bellocchiano Tommaso Buscetta de “O Traidor”.
A se lamentar, na festa italiana, a ausência de láureas (uma que fosse!) para “Il Tempo Che Ci Vuole”, de Francesca Comencini. O filme, personalíssimo, recebeu ótimas cotações da imprensa, em especial a francesa.
Luigi Comencini, pai de Francesca, foi além de diretor de dezenas de filmes (“Pão Amor e Fantasia”, “Pinóquio”, “Quando o Amor é Cruel”, “Delito de Amor”, “Aventuras de Casanova”), um importante ‘resgatador’ de filmes raros. Seu trabalho na Cinemateca de Milão deixou marcas profundas.
Em sua singular homenagem ao pai-cineasta, Francesca soma o momento mais dramático de sua vida – o vício em drogas pesadas, praticado ao lado do primeiro marido (hoje ela é casada com o poderoso produtor francês Daniel Toscan du Plantier) – aos feitos cinematográficos do pai. Como diretor de cinema e como caçador de tesouros de nitrato da era silenciosa.
O filme, que merece distribuição no mercado brasileiro — hoje tão distante do cinema peninsular — recorta a relação de Francesca e Luigi ao longo de algumas décadas. Menina, ela é vista no set de filmagem de “As Aventuras de Pinóquio”. Na juventude, mergulhada no consumo de droga (para desespero do pai). E, depois, conseguindo superar o vício.
O mundo cinematográfico de Francesca se reduz a ela e ao pai. Não a vemos com o marido ou com amigos. Tudo se passa como se ela vivesse um sonho (ou pesadelo), no qual o pai é o centro de tudo. É o homem que faz filmes e se desespera ao deparar-se com a filha aplicando alucinógenos na veia. Um pai disposto, para tirá-la do ambiente circundante, a levá-la para um apartamento em Paris, onde a manterá sob vigilância, temeroso de que, indo à rua, ela vá comprar (e consumir) droga.
A cineasta já havia abordado sua fase de adicta em estupefacientes em “Pianoforte” (1984, Prêmio De Sicca no Festival de Veneza). Parte da imprensa viu o novo filme de Francesca Comencini como uma espécie de remake de seu passado. Só que agora, ela não usa nome fictício (a protagonista de “Pianoforte” chama-se Maria).
Além de Luigi Comencini, outro cineasta, Roberto Rossellini (1906-1977), teve um de seus filmes mais importantes – “Paisà”, escrito por seis autores, entre eles Federico Fellini – festejado com imenso destaque por dois diretores, integrantes da competição do Donatello de número 70. A própria Francesca, que mostrou o pai chorando de emoção ao ver cenas do drama em seis episódios, que o mestre do Neo-Realismo dedicou à tragédia do Pós-Guerra, e Gabrielle Salvatores, que destacou trechos do mesmo “Paisà”, exibido em cinema novaiorquino, enquanto sua protagonista-mirim procura pelo amigo, já que se perderam na grande e feérica metrópole norte-americana.
A septuagésima festa dos Prêmios David di Donatello aconteceu no Estúdio 5, da Cinecittà, o preferido de Fellini. E como é de tradição na Itália, o presidente do país, Sergio Matarella, recebeu, no Palazzo Quirinale, em Roma, delegação de integrantes da Academia de Cinema para festejar o audiovisual peninsular.
Várias personalidades foram festejadas com prêmios de honor ou especiais. Caso dos cineastas Puppi Avati (David pela trajetória), Giuseppe “Cinema Paradiso” Tornatore (Prêmio Cinecittà David 70), e os atores Ornella Muti, de Crônica do Amor Louco”, e o estadunidense Timothée Chalamet, de “Me Chame pelo seu Nome” e “Um Completo Desconhecido”. A festa donatelliana lembrou, ainda, os 25 anos de “Pão e Tulipas”, sucesso de Silvio Soldini, que guarda na estante várias estatuetas do “Oscar peninsular”.
Confira os vencedores:
. “Vermiglio”, de Maura del Pero (14 indicações) – Melhor filme, melhor direção, melhor fotografia (Mikhail Krichman), melhor roteiro original (Maura Delpero), melhor casting (Stefania Roda e Maurilio Mangano), melhor produtor (Francesca Andreoli, Leonardo Seragnoli, Santiago Sancet e Maura Delpero), melhor som
. “A Arte da Alegria”, de Valeria Golino (14 indicações) – melhor atriz (Tecla Insolia), melhor atriz coadjuvante (Valeria Bruni-Tedeschi), melhor roteiro adaptado (Francesca Marciano, Stefano Sardo, Luca Infascelli e Valeria Golino)
. “Berlinguer – A Grande Ambição”, de Andrea Segre (15 indicações) – melhor ator (Elio Germano), melhor montagem (Jacopo Quadri)
. “Gloria! Acordes para a Liberdade”, de Margherita Vicario – Melhor direção de estreante, melhor trilha sonora (Margherita Vicario e Davide Pavanello), melhor canção (“Ária!”, de Vicario, Pavanello, Roberts, Bonomo e Fazio, interpretada por Margherita Vicario)
. “O Dilúvio – O Último Dia de Maria Antonieta”, de Gianluca Jodice – Melhor direção de arte (Tonino Zera, Grazia Schirripa e Carlota Desmann), melhor figurino (Massimo Cantini Parrini), melhor maquiagem (Alessandra Vita e Valentina Visintin)
. “Napoli-New York”, de Gabriele Salvatores – Prêmio David Giovani (Prêmio da Juventude) e melhores efeitos especiais
. “Familia”, de Francesco Costabile – Melhor ator coadjuvante (Francesco Di Leva)
. “Diamanti”, de Ferzan Ozpetek – Prêmio do Público
. “Lírica Ucraniana”, de Francesca Mannocchi – melhor documentário
. “Anora”, de Sean Baker – melhor filme estrangeiro
. “Domenica Sera”, de Matteo Tortone: melhor curta-metragem
PRÊMIOS ESPECIAIS
. Prêmio David pela Carreira: Puppi Avati
. Prêmio Cinecittà David 70: para o cineasta Giuseppe Tornatore
. Prêmio Especial; para a atriz Ornella Muti e para o ator estadunidense Timothée Chalamet
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