“Noites Alienígenas” baixa primeiro no Acre e depois no restante do Brasil

Por Maria do Rosário Caetano

Chegou a hora do filme-ovni “Noites Alienígenas” baixar nas telas. Primeiro, no Acre, sua terra de origem, nessa quinta-feira, 23 de março. Depois, dia 30, pousará nos cinemas do restante do país.

O primeiro longa ficcional do paulista-acriano Sérgio de Carvalho, romancista e cineasta, estreou no Festival de Gramado, ano passado, e passou o rodo. Foi eleito o melhor filme, derrotando o favorito “Marte Um”, do mineiro Gabriel Martins. Fez história levando para o pequeno e periférico estado amazônico também o Prêmio da Crítica e os troféus Kikito de melhor ator (o rapper Gabriel Knoxx), coadjuvante (Chico Diaz), atriz coadjuvante (Joana Gatis) e menção honrosa (para o indígena Adanilo Reis).

Na verdade, quem rouba o filme é o veterano Chico Diaz, brasileiro nascido no México. Ele protagoniza três sequências que causam arrepio. Primeiro, o conhecemos como o maluco-beleza Alê, um traficante à moda antiga, hippie velho, ligado em espaços siderais, pirâmides egípcias e guatemaltecas, que encomenda ao rapper Rivelino (Gabriel Knoxx), seu ajudante, a pintura de nave espacial em seu modesto “bunker”. Somos, então, situados no espaço geográfico de “Noites Alienígenas” – Rio Branco,  a capital acriana.

Como espécie de Raul Seixas da floresta, Alê canta “Cachorro-Urubu”, de Paulo Coelho e do próprio Raul: “Baby isso só vai dar certo/ Se você ficar por perto/ Eu sou índio Sioux/ Eu sou cachorro urubu/ Em guerra com Zéu”.

O traficante maluco (mas nem tão maluco assim, veremos depois!) soma à letra exotérico-romântica de Coelho e Raulzito nações indígenas da Amazônia (como os Ashaninka) e segue em frente. Tudo registrado em belo e longo plano-sequência de Pedro Von Krueger, diretor de fotografia e parceiro de Sérgio de Carvalho e de sua abnegada produtora Karla Martins.

O Alê de Chico Diaz voltará a brilhar em sequência-chave do filme. As gangues de jovens traficantes de drogas estão tomando conta das periferias de Rio Branco. E o fazem de forma avassaladora. Rapazes pobres, negros, mestiços, indígenas (em especial o personagem vivido por Adanilo) desgraçam suas vidas por uma pedra de crack, roubam peças domésticas (TVs, rádio, o que encontrarem pela frente), abandonam esposas, filhos pequenos. Deixam em desespero suas mães. Muitas delas buscam abrigo em templos evangélicos. O experiente Alê entra em um grande espaço, onde os novos “cabeças” do tráfico se encontram, e tenta colocar algum “regramento” no processo. Em vão.

Noutro momento, no qual a música assumirá papel de coprotagonista, Alê e Bia (a atriz pernambucana Joana Gatis) improvisam uma espécie de dança do desespero. Ela acaba de perder o filho adolescente. Os versos de “Porto Solidão”, de Jessé, ganham volume: “Rimas de ventos e velas/ Vida que vem e que vai/ A solidão que fica e entra/ Me arremessando contra o cais”. O erotismo ganha calor e frenesi poucas vezes vistos num filme brasileiro. Joana nos faz lembrar Darlene Glória, possessa, na pele da rodriguiana Geni de “Toda Nudez Será Castigada”.

“Noites Alienígenas” exige muita atenção do espectador. Não é fácil compreendê-lo. Embora seja aberto por imagens míticas – um delírio do personagem de Adanilo Reis, que vê o couro rugoso de uma serpente –, a trama se desenvolve em registro brutal e doloroso. Na dura realidade que tomou conta das grandes e médias periferias urbanas brasileiras. Aquelas povoadas pelo que o sociólogo Gabriel Feltran vem chamando de território do “jaguncismo”. Ou seja, espaços ocupados pelo tráfico, por milícias (e até por forças de segurança privada, por políticos e executivos eleitos pelo voto direto da extrema direita).

À periferia de Rio Branco, na última década , chegaram – constatou o diretor — facções criminosas que mudaram o estado das coisas. Antes, a periferia da Amazônia tinha uma configuração. Agora tem outra e das mais terríveis. Houve agravamento na fronteira entre a cidade e a floresta e jovens tornam-se dependentes químicos, morrem cedo, de morte matada. Muitos, sem trabalho, aderem às facções exportadas pelo Sudeste.

No final do filme, uma cartela fornecerá dado brutal. O assassinato de crianças e jovens, na região, subiu 183% nos últimos anos.

 

Noites Alienígenas
Brasil, Acre, 90 minutos, 2023
Direção: Sérgio de Carvalho
Roteiro: Sérgio de Carvalho, Camilo Cavalcante e Rodolfo Minari (baseado no romance “Noites Alienígenas, do diretor)
Elenco: Chico Diaz, Gabriel Knoxx, Joana Gatti, Adanilo Reis, Gleici Damasceno, Chica Arara, Bimi Huni Kuin, Duace
Produção: Karla Martins (Saci Filmes)
Fotografia: Pedro von Krüger
Montagem: André Sampaio
Distribuição: Vitrine Filmes

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