Rodrigo García, filho de Gabo, realiza seu primeiro filme em língua espanhola e reúne Maribel Verdú e Daniel Giménez Cacho

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta Rodrigo García, filho do escritor Gabriel García Márquez, demorou a adotar sua língua materna, o espanhol, como idioma de um de seus longas-metragens. Só o fez agora, aos 64 anos, e depois de dirigir oito filmes nos EUA, com elencos em que estiveram nomes festejados, como Glenn Close, Holly Hunter, Cameron Diaz, Ewan McGregor e Ethan Hawks.

“Família”, o nono longa de Rodrigo, constitui-se como drama doméstico sobre pai de quatro filhos (três mulheres adultas e um jovem downniano), ambientado no México, primeiro país adotivo do cineasta colombiano. O segundo, e parece que definitivo, são os EUA.

O filme, que não passou pelos cinemas, teve lançamento direto na Netflix. O cineasta, também produtor experiente, mantém ótima relação com plataformas de streaming. Tanto que prometeu, depois de muitas negativas, transformar o mais famoso romance de seu pai, “Cem Anos de Solidão”, em série. A notícia ganhou relevo depois de dois sucessos do diretor — “Notícias de um Sequestro” (baseada em livro de Gabo, Amazon Prime) e “Santa Evita”, de Tomás Eloy Martínez (Star+).

No elenco de “Família” estão nomes de ponta do cinema de língua hispânica, a começar pela espanhola Maribel Verdú (“E Tu Mamán También) e pelo mexicano Daniel Giménez Cacho (“Profundo Carmesí” e “Bardo”). Ele interpreta um fazendeiro de Tijuana, na Baixa Califórnia, onde cultiva oliveiras e envasa azeitonas.

As atrizes que interpretam suas filhas não são conhecidas no Brasil. Mas, no México, desfrutam da condição de festejadas estrelas. Caso de Ilse Salas (a médica Rebecca), Cassandra Ciangherotti (a complicada Júlia) e Natalia Solián (Mariana, grávida e empenhada em relação homoafetiva). As filha do fazendeiro Léo pouco convivem com o irmão mais novo, Benny, interpretado por Ricardo Selmen. Portador de síndrome de Down, o jovem, curioso e afetivo, é muito estimado pelo pai viúvo e pela namorada deste, Clara (Maribel Verdu), espanhola em processo de adaptação ao México.

Tereza (Ángeles Cruz) e Otoniel (Adolfo Mendonza Madero) interpretam os dedicados empregados do rancho e ganham sua pequena história, neste filme de atmosfera tchecoviana.

“Família” se apresenta como uma daqueles narrativas capazes de nos convencer que, vista de perto, nenhuma célula familiar é “normal”. Mas ninguém espere mergulho rodriguiano-paroxístico numa família disfuncional. Para adotar tal pegada, o filme teria que ser dirigido por outro cineasta, quem sabe o mexicano Arturo Ripstein, não pelo colombiano García, enraizado nos EUA.

O filho de Gabo, ao contrário do pai, apaixonado por histórias complexas como a de “Cem Anos de Solidão”, é um cineasta de olhar afetivo, apegado à pequena história. Se Gabo tinha alma épica, o filho, em sentido oposto, sempre preferiu histórias mínimas, agarradas à vida cotidiana.

O aprazível rancho do patriarca Leo e de seu filho especial é palco de reunião mensal à qual comparecem suas filhas, o genro gringo e os netos adolescentes (entre eles, um “aborrecente”). Uma das filhas está grávida e chega com a namorada. O fazendeiro quer saber quem é o pai de seu futuro neto. A filha se nega a contar. A namorada, bem recebida no ambiente familiar, conta que está muito feliz com o novo relacionamento e que tem “fetiche” por mulheres grávidas.

As rusgas domésticas começam a se desenhar. E o almoço, preparado pela caseira Tereza, será servido ao ar livre, à sombra de frondosas oliveiras. Mas o fazendeiro avisa que recebeu boa proposta financeira da RT Foods, empresa interessada em adquirir a propriedade, derrubar a casa tão estimada e substituir o olival por vinhedos. O fazendeiro assegura que só venderá o rancho — que desde a pandemia acumula dívidas — se houver consenso entre os filhos.

As opiniões divergem. Por que não vender a área de cultivo das oliveiras e preservar o casarão como espaço de lazer? Quem bancará as despesas de uma casa isolada em plantação alheia? Quem continuará frequentando o local, depois de tamanha mudança?

As histórias familiares se tornam mais nítidas. Rebecca vai mudar-se para Chicago com o marido e os filhos, que preferem se expressar em inglês. Só não o fazem porque o avô pede que falem em espanhol. Júlia jura que vai colocar termo no relacionamento com o marido, de quem está cansada. E Mariana jamais revelará (pelo menos ao patriarca) quem é o pai de seu filho.

Rodrigo García conduz sua narrativa com elegância e sobriedade. As personagens são complexas e os diálogos precisos. A delicadeza de seus filmes anteriores se faz presente.

Detalhe importante: “Família”, que começa com uma apaixonada canção de amor, destacará, em momento de confraternização familiar, sucesso brasileiro imortalizado por Roberto Carlos – “Como Vai Você” (“Y Tú Como Estás?”), de Antônio Marcos & Mário Marcos.

Os versos serão cantados com imenso destaque na trama e em versão espanhola. Há que se lembrar que o Rei gravou vários discos no idioma de Agustin Lara e María Félix, e eles alcançaram grande sucesso em toda a América Hispânica.

O compositor Antonio Marcos (1945-1992), que teve sua canção perpetuada pela voz romântica de Roberto Carlos, jamais imaginaria que um dia seus versos forneceriam a atmosfera perfeita a reunião de uma família mexicana, situada na Baja Califórnia, fronteira com os EUA:

“Como vai você?/Eu preciso saber da sua vida/ Razão da minha paz/ tão dividida/ Nem sei se gosto mais de mim ou de você// Vem/ que a sede de te amar me faz melhor/Eu quero amanhecer ao seu redor/ Preciso tanto me fazer feliz// Vem/ Que o tempo pode afastar nós dois/ Não deixe tanta vida pra depois/ Eu só preciso saber, como vai você?”.

 

Família
México, 2023, 105 minutos
Direção: Rodrigo García
Roteiro: Bárbara Colio e Rodrigo García
Elenco: Daniel Giménez Cacho, Maribel Verdu, Ilse Salas, Ricardo Selmen, Vicky Araico, Natalia Plascencia, Isabella Gallegos Arroyo, Brian Shortall
Fotografia: Igor Jadue-Lillo
Montagem: Yubran Assuad
Trilha sonora: Camilo Lara
Onde: Netflix

 

FILMOGRAFIA
Rodrigo García Barcha (Bogotá-Colômbia, 24 de agosto de 1959)

2000 – “Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela”
2005 – “Questão de Vida” (Nine Lives)
2008 – “Passageiros”
2009 – “Destinos Ligados” (Mother and Child)
2011 – “Albert Nobbs”
2015 – “Últimos Dias no Deserto”
2020 – “Quatro Dias com Ela”
2022 – “Raymond e Ray”
2023 – “Família”

COMO DIRETOR DE FOTOGRAFIA

1989 – “Amores Difíceis” (Episódio “O Verão da Senhora Forbes”)1989 – “Lola” (de María Novaro)1991 – “Danzón” (de María Novaro)1992 – “Mi Querido Tom Mix” (de Carlos García Agraz)1992 – “The Minister’s Wife” (de Rob Spera)1993 – “Mi Vida Loca” (de Christian Poveda)1994 – “Something Extraordinary” (de Rob Spera)1995 – “Grande Hotel” (“Four Rooms”, de Tarantino, Rockwell, Anders e Roberto Rodriguez)1998 – “Gia”, de Michael Cristofer

SÉRIES DE TV/STREAMING

Como diretor, roteirista e/ou produtor:

. “A Sete Palmos”
. “Carnivale”
. “Os Sopranos”
. “Big Love”
. “Em Terapia”
. “Santa Evita” (baseada no livro de Tomás Eloy Martínez)
. “Notícias de um Sequestro” (baseada no livro homônimo de Gabriel García Márquez)

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