Sato lança o blockbuster “Terra à Deriva 2”, ficção científica chinesa com efeitos especiais de padrão hollywoodiano

Por Maria do Rosário Caetano

Guerra espacial idêntica às filmadas pelas ficções científicas hollywoodianas (compostas com explosões incessantes, barulho ensurdecedor e ritmo alucinante) se impõe no blockbuster chinês “Terra à Deriva 2: Destino”, estreia dessa quinta-feira, 5 de junho, nos cinemas brasileiros. Mas o filme oriental encontrará tempo para dedicar-se a momentos de sabedoria e consequente (e recorrente) busca de entendimento entre os povos.

No momento mais significativo da trama, o espectador verá o representante da equipe de cientistas chineses pregar, na ONU, a união planetária. Afinal, há que se impedir, coletivamente, que o Sol, cada vez mais próximo, destrua a Terra. Mais velho que os representantes dos EUA, Rússia, Índia e dezenas de nações ali acreditadas, o Senhor Chang evocará fato que teria dado início ao processo civilizatório: o encontro de um fêmur fraturado, mas recomposto. Restaurado.

Na pré-história, ossos fraturados mostravam que ninguém prestara socorro à vítima. A luta pela vida era tão brutal, que humanos fugiam em busca da subsistência, deixando para traz os feridos. Houve um dia, porém, em que alguém resolveu cuidar de seu semelhante ferido. Curar aquele osso partido. Nascia ali a solidariedade, a ajuda mútua, o viver em coletividade.

Quem se interessar por “Terra à Deriva 2”, segundo lançamento chinês da Sato Company, empresa dedicada à difusão do cinema asiático no Brasil, vai acompanhar trama das mais intrincadas. Na primeira parte da narrativa, teremos a impressão de que se trata de pura imitação dos filmes de ação interplanetária, que tantos blockbusters renderam ao cinema norte-americano. Depois, veremos que o filme não insistirá em novos ataques cibernéticos, daqueles capazes de enlouquecer espectadores mais exigentes.

“Terra à Deriva”, o filme original, foi realizado em 2019 e rendeu quase U$600 milhões no mercado chinês. Quem quiser assisti-lo, aqui no Brasil, deverá sintonizar a Netflix. Já o número 2, chegará, primeiro, aos cinemas. O novo filme contou com investimentos infinitamente maiores que o primeiro. E rendeu, mais uma vez, quantia próxima aos U$600 milhões. Com as rendas somadas, as duas ficções científicas chinesas passaram do bilhão de dólares.

O resultado do primeiro “Terra à Deriva” motivou a empresa, que produziu esta sequência, a ampliar a área do estúdio de filmagem em dez vezes, atingindo a espantosa medida de 1 milhão de metros quadrados. Os efeitos visuais, mais uma vez criados pela empresa Pixomondo, foram aperfeiçoados com a intenção de mostrar que a China é hoje uma potência digital.

“Terra à Deriva” (partes 1 e 2) baseia-se em livro de Liu Cixin. Embora pareça, na hora do ruidoso ataque cibernético, apenas cópia milionária dos filmes hollywoodianos de guerras interplanetárias, a superprodução chinesa se leva a sério e pretende diferenciar-se da matriz norte-americana. Tanto que a China indicou o filme ao Oscar de melhor produção internacional. Não foi selecionado. Os associados da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles devem preferir filmes mais originais. Como os dramas da Quinta Geração (Zhang Yimou, Chen Kaige e outros) ou de seu sucessor mais ilustre, Jia Zhang-ke.

A trama de “Terra à Deriva 2” se passa em 2054, num momento em que a Terra, como diz o título, está à deriva. O Sol, em expansão, acabará por destruí-la. Por isso, a Humanidade começa a empreender tentativas de salvação, as mais complexas. Cientistas se empenham na construção de imensos motores capazes de mover a Terra para longe do perigo. A jornada, porém, será cheia de percalços. Desejos e falhas humanas também complicarão a salvação do nosso planeta, que – pelos esforços dos cientistas – deverá chegar a novo sistema, o Alpha Centuri. Um dos participantes do projeto, um astronauta chinês, perde a mulher em trágico acidente de carro e vê a filhinha entre a vida e morte. Usará sua habilidade digital para criar projeção digital da menina.

Outro integrante da equipe chinesa verá a companheira, astronauta (ou cosmonauta, como preferem os russos) ser contaminada pela radiação. E, apesar de muito jovem, ser tomada pelo câncer. Esses são os dois plots melodramáticos que compõem parte importante da narrativa e que deve ter ajudado a atrair milhões de chineses aos cinemas.

Os conflitos de interesse ganharão relevo. Inclusive dentro da equipe chinesa. Os dois astronautas que colocaram interesses individuais acima da luta coletiva serão impedidos de prosseguir na missão. E acabarão presos. Mas, como são inteligentes e corajosos, serão convocados na hora H. Ou seja, mobilizados naquele momento em que o tempo estiver se esgotando e partes da Terra (incluindo Pequim, a capital chinesa e outras grandes metrópoles futuristas) estiverem cobertas pelas águas.

A população, que estivera a favor de projeto capaz de digitalizar a vida e a consciência humanas, verá tudo ser perder por causa de ciberataque de dimensões homéricas. Por isso, haverá compreensão de que será necessário dar um passo à frente. Resgatar a Terra da hecatombe final.

“Terra à Deriva 2: Destino” reúne jovens atores chineses e tecnologia de ponta. Mas não se esquece do básico: a solidariedade internacional. A ONU (Organização das Nações Unidas) será o fórum de discussão da salvação do planeta. No uniforme dos astronautas, veremos bandeiras de muitos países. E, na banda sonora, vozes que se expressam em inglês, russo, francês, espanhol e até português. A jovem que representará o Brasil, Daniela Tassy, de 31 anos, será vista em pequena participação. Ela, com sotaque paulista carregado (nasceu em Andradina), mudou-se para a China, em 2014, para estudar o mandarim e acabou convocada para o filme. Sendo o Brasil a primeira letra do bloco político-econômico BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e South Africa), claro que não seria esquecido. A atuação da brasileira tornou-se, pois, “um símbolo da colaboração cultural entre Brasil e China”. Registre-se que a África também aparecerá, com razoável destaque na trama, com seus personagens-astronautas. Há alguns atores negros no filme.

O novo cinema comercial do país de Confúcio segue valorizando a coletividade e a fraternidade entre os povos. Mas, como tem o 1,4 bilhão de habitantes como público-alvo e prioritário, abre espaço central para os chineses. E o fazem com atores-galãs, com algumas doses de humor e com as mulheres em papéis de destaque.

A franquia “Terra à Deriva”, por somar US$ 1,24 bilhão de renda, além de consolidar sua posição como uma das maiores produções de ficção científica do cinema mundial, se impôs a missão de simbolizar o avanço do cinema chinês no terreno (pouco explorado por lá) da ficção científica. Tanto que o terceiro “Terra à Deriva” já está em pré-produção e terá sua estreia em 2027.

A China, desde que adotou o “Capitalismo de Estado” como forma de governo, fez do cinema uma de suas áreas de ação e desenvolvimento tecnológico. E já conseguiu colocar três megablockbusters entre as 100 maiores bilheterias do mundo contemporâneo: a animação “Ne Zha 2”, em quinto lugar; o épico de guerra “A Batalha do Lago Changjin”, em septuagésimo-sétimo, e “Lobo Guerreiro 2”, em octogésimo-oitavo. As outras 97 produções de renda bilionária são norte-americanas.

Uma curiosidade sobre a produção de “Terra à Deriva 2”: seus produtores recorreram a locações internacionais, incluindo Estados Unidos, França, Islândia e Colômbia, para filmagens complementares. Tais filmagens foram feitas por equipes destes países, coordenadas em tempo real pelo set de filmagens localizado na China. E isto foi possível devido às sofisticadas tecnologias de transmissão de dados em nuvem e streaming ao vivo.

O velho país de Mao Tse-Tung entrou na corrida cibernética para valer. Quem ama os filmes sociais de Zhang Yimou da época do “Sorgo Vermelho” (Urso de Ouro em Berlim, 1988) e de Jia Zhang-ke de “Still-Life – Em Busca da Vida” (Veneza, 2006) – e aguardam “Ressureição”, de Bi Gan, recém-laureado em Cannes – poderá rejeitar a intrincada ficção científica do diretor Frant Gwo (e do escritor Liu Cixin). Mas não poderá negar o avanço do país da Grande Muralha no terreno do cinema de efeitos especiais. Sejam eles aplicados à ficção científica ou a épicos de guerra da grandeza de “A Batalha do Lago Changjin”.

 

Terra à Deriva 2: Destino
China, 2023, 2h43′
Direção: Frant Gwo
Roteiro: Yang Zhixuwe e Frant Gwo, a partir de livro de Liu Cixin
Elenco: Wu Jing, Andy Lau, Zina Blahusova, Yi Sha, Li Xuejian, Vladimir Ershov, Vitali Markarychev, Clara Lee, Tony Nicholson, Daniela Tassy e grande elenco (de várias nacionalidades)
Fotografia: Michael Liu
Trilha sonora: Roc Chen
Efeitos especiais: Pixomondo
Distribuição (nos cinemas): Sato Company

Terra à Deriva
China, 2019, 125 minutos
Direção: Frant Gwo
Onde assistir: na Netflix
Sinopse: No futuro (2500), a Terra está em risco, pois o Sol se mostra cada vez mais próximo. Um grupo de jovens destemidos, para salvar a Humanidade do extermínio, tentará restabelecer a ordem, embarcando em viagem para fora do Sistema Solar.

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