Brasil CineMundi prepara terreno para coproduções entre Brasil e parceiros internacionais

Foto © Leo Lara/Universo Produção

Por Maria do Rosário Caetano, de Belo Horizonte (MG)

Em quinze das dezoito edições da CineBH (Mostra de Cinema de Belo Horizonte), um projeto destacou-se em meio à maratona de filmes, debates e seminários – o Brasil CineMundi, evento de mercado concebido para estreitar parecerias entre produtores brasileiros e internacionais.

Ao longo dessa semana (o festival termina nesse domingo, 29), 38 projetos passarão por “consultoria e mentoria, laboratório, encontros individuais, ações de cooperação e intercâmbio”. Entre os filmes de ficção (em processo de formatação ou finalização), destacam- se “A Estirada”, do acriano Sérgio de Carvalho, vencedor de Gramado 2022 (com “Noites Alienígenas”) e “Ana”, do baiano Haroldo Borges, vencedor do Festival de Mar del Plata (também em 2022), com “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”.

No terreno do documentário, destaca-se a paulistana Carla Gallo, diretora de “O Aborto dos Outros”, que se dispõe a realizar perturbadora “Arqueologia da Tortura”.

No campo do cinema animado, chama atenção o projeto “Belmiro”, do mineiro Sávio Leite, que se impôs nobre tarefa — recriar o romance “O Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos.

Duas perguntas se impõem, nesse momento, aos que se dedicam ao audiovisual brasileiro. E ecoam nos debates da décima-quinta edição do Brasil CineMundi:

1. Deve-se apostar ainda mais no fomento de novas produções, nesse ano em que bilheterias revelam borderôs exíguos e estarrecedores?

2. Laboratórios que ajudam a formatar realizações cinematográficas devem ser incentivados? Eles não estariam uniformizando a criatividade dos cineastas?

Anna Muylaert, roteirista experiente, não costuma recorrer a laboratórios audiovisuais. Desde o advento avassalador do streaming, na década passada — em especial da hegemonia do padrão Netflix —, ela se inquieta como o que está acontecendo.

Produtores e realizadores — na compreensão da diretora de “Durval Discos”— estão sendo transformados em meros “prestadores de serviços” a poderosas empresas multinacionais. E muitos dos filmes estão seguindo procedimentos-padrão.

O colombiano Juan Pablo Polanco Carranza, que participa da competição da CineBH com “Carropasajero”, participou de laboratório com seu trabalho anterior. Ficou insatisfeito com o resultado. Por isso, no novo filme, que consumiu sete anos de trabalho (em parceria com Cesar Alejandro Jaimes), ele apostou na autoria radical. A dupla colombiana fez o que desejava.

Em seminário realizado nessa décima-oitava edição da CineBH, um time polifônico de autoridades cinematográficas debateu o tema “Políticas Públicas, Transformações e Oportunidades no Audiovisual Brasileiro”.

O exibidor Lúcio Otoni, presidente da Federação Nacional de Exibidores, disse que o segmento por ele representado entende que “um cinema nacional forte é bom para todos”. E que torce por filmes brasileiros de “aderência ao público”.

Otoni lembrou que a Disney “faz a cabeça das crianças desde os três anos de idade”. Já — exemplificou — “O Auto da Compadecida 2”, que estreia dentro de três meses, não tem campanha dirigida à geração Tik-tok, na qual se insere sua filha. Ela confessou a ele nada saber do novo filme de Guel Arraes. Entusiasmado com os 50 mil espectadores de “Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro” (Guilherme Fiuza, 2022), o exibidor está envolvido com a continuação dessa animação mineira.

Paulo Alcoforado, um dos titulares da diretoria-colegiada da Agência Nacional de Cinema (Ancine), complementou quadro estatístico dos mais sólidos oferecido pela produtora Débora Ivanov, ela mesma ex-diretora da Ancine. E o fez com o mais sincero realismo crítico. Lembrou que há 700 produções brasileiras (ficção, documentário e animação) aguardando espaço no mercado exibidor. E centenas de outras em produção. A maior parte delas não deverá encontrar “janela” (tela ou telinha) para estabelecer a necessária relação com o público.

Tais produções não devem encontrar espaço no VoD (video on demand), nem nas plataformas de streaming. Estas, por sinal, ainda não foram regulamentadas (dois projetos-de-lei tramitam, morosamente, no Congresso Nacional). Até porque as categorias cinematográficas estão divididas ou desmobilizadas. Restam os festivais, que já são mais de 400. Suas comissões de seleção, que recebem média de 200 filmes, porém, não podem selecionar (com raras exceções) nem um décimo dos inscritos.

Alcoforado, depois de suas sólidas e corajosas intervenções, lembrou que sem mobilização e apoio da sociedade civil organizada (sindicatos, associações profissionais etc.), a situação não vai mudar.

Em tom de brincadeira, a moderadora da mesa, Tatiana Carvalho Costa, presidente da APAN (Associação de Profissionais do Audiovisual Negro), citou neologismo que caiu como luva no ambiente de debate: “Ódiovisual”.

O ódio que tem dividido a sociedade brasileira parece ter contaminado até o meio cinematográfico. A fraternidade, presente em outros momentos da história do audiovisual brasileiro — em especial, em 1992-1994, quando se buscaram saídas para a política de terra arrasada do governo Collor — ainda não se fez sentir.

Os desafios trazidos pela “falta de espectadores” e os (oportunos?) questionamentos dirigidos aos “laboratórios” (os chamados “Labs”) não desanimaram, porém, os 279 titulares dos projetos inscritos para o Brasil CineMundi.

Os 38 produtores-realizadores selecionados — os que passaram por este verdadeiro vestibular — acordam cedo todos os dias e dedicam-se a workshops, masterclasses, painéis e debates com tutores internacionais. Buscam o aperfeiçoamento de seus projetos e novos parceiros de produção. Se possível investimentos em dólar ou euro.

A dupla Sérgio de Carvalho (diretor e roteirista de “Noites Alienígenas”) e Karla Martins está empenhada em viabilizar “A Estirada”, mais um mergulho numa Amazônia devastada por conflitos sociais e mudanças climáticas. Em clima de thriller psicológico, o filme seguirá trio de forasteiros — dois jovens “mulas” e um ex-guerrilheiro Sendero Luminoso – em perigosa missão de transporte de drogas pela selva.

Haroldo Borges, um dos três brasileiros a conquistar o principal prêmio do Festival de Mar del Plata (por ele chamado carinhosamente de troféu Piazzolão), participa do Brasil CineMundi ao lado dos integrantes do Coletivo Plano 3 — Paula Gomes, Marcos Bautista e Ernesto Molinero. O novo filme será protagonizado por Ana, de 18 anos, “menina negra de pele clara, que deixa o sertão para estudar em Salvador”. Ela deseja ser atriz. A mãe desaprova a ideia e prefere que a filha assuma lugar na empresa de laticínios da família. Acabará cedendo, desde que a moça consiga se manter, por conta própria e por um ano, na capital baiana. Ana começa a enfrentar dezenas de testes de “casting” necessários aos que, como ela, desejam realizar-se na profissão sonhada. Porém, uns entendem que a jovem “não é branca o suficiente”. Já outros avaliam que “não é preta na medida desejada”.

Carla Gallo mostrará, em sua “Arqueologia da Tortura”, que escavações realizadas em instalações do DOI-CODI, aparato repressivo da ditadura militar brasileira, nos revelarão, pelo trabalho de grupo de arqueólogos, alguns dos momentos mais terríveis de nossa história contemporânea.

Confira outros projetos do Brasil CineMundi:

. “O Filho do Homem”, ficção de Luciana Bezerra (RJ) – Prod. Clélia Bessa
. “Petrificadas”, documentário de Pedro Giongo (Paraná) – direção e produção
. “Milharal”, ficção de Angélica Lourenço (MG) – Prod. Ana Carolina Soares
. “Enseada”, ficção de Sara Pinheiro e Pablo Lamar (MG) – Prod. Luana Melgaço
. “A Mão que Balança a Rede”, ficção de Georgina Castro (Ceará) – Prod. Allan Deberton e Marcelo Pinheiro
. “Sem Raízes”, ficção de Joana Oliveira (MG) – Prod: Luana Melgaço e Mariana Mól
. “Valsa de Lui”, ficção de Cassio Kelm (PR)- Prod. Antônio Gonçalves Jr e Cássio Klein
. “Zumbido”, ficção de Karen Akerman (RJ) – Prod. Julia de Simone
. “O Lugar da Falta”, doc de Mariana Mello – Prod. Luana Melgaço
. “Eguncio”, ficção de Cecília Alves e Marina Schneider (PE) – Prod. Camilo Cavalcante e Alba Azevedo
. “O Rio de Lágrimas Corre no Vale do Amor”, ficção de Ulisses Arthur (Alagoas) – Prod. Alessandra Moretti
. “Perigo Amarelo”, doc de Thainá Tokitaka (SP) – Prod. Ângelo Ravazi

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